dever e flexibilidade moral

Suelen Calonga
Calonga e o Drama Barroco
5 min readOct 3, 2020

certa vez, especulando com meu companheiro sobre como deveria ser a ação de uma pessoa, uma pessoa parte de uma organização revolucionária, por exemplo, caso a ordem do comando revolucionário fosse executar todas as pessoas brancas ao nosso redor. Como se, por exemplo, houvesse uma prova da dedicação a causa e que fosse necessário executar o melhor amigo, a própria mãe, o vizinho. como seria a solução desse impasse moral?

o Oxê de Xangô, atualmente mantido sob custória do Brooklin Museum. as iformações recolhidas pelo museu podem ser vistas aqui, bem como outros objetos relacionados que estão “guardados” lá.

a resposta dele foi que o comprometimento ético com a causa deveria estar acima dos laços afetivos pessoais. obviamente, pensar assim é muito mais fácil em uma situação relaxada, apenas especulativa. mas isso me fez pensar. primeiro que, conhecendo bem meu companheiro, sei que essa fala dele não se refletiria nessa ação. não consigo ver forma possível dessa pessoa, que acredito me ser familiar, fosse capaz de optar por assassinar a própria mãe por um ideal político, mesmo entendendo que faz parte das nossas crenças que o bem estar coletivo é mais importante que o individual.

estou sempre às voltas com a pergunta: qual a diferença entre vingança e justiça?

hoje me deparei com esse texto, que aponta exatamente essa questão do julgamento sobre uma lei/regra, a imobilidade e, muitas vezes o conflito moral, que a obediências a regras causa, e a (suposta) flexibilidade necessária em sua aplicação de acordo com a circunstância para o bom funcionamento da sociedade. o autor cita, nesse mesmo texto, o postulado de Immanuel Kant (1724–1804), que parece regular toda a moral moderna-ocidental a partir dele. para Kant, “consequences are morally irrelevant when determining the rightness of an action, insisted that the operative principle is the ‘categorical imperative’: you should always act in such a way that you, as a purely rational moral agent, regardless of your personal inclinations or preferences, could will the maxim of the action to become a universal law that commands all moral agents to act that way. In other words, can you reasonably envision that all people should be directed (or even allowed) to act in that way? As many philosophers have noted, such simplicity and uniqueness of principle is neither desirable nor practical. Reductionism of this kind can easily lead to questionable, even objectionable consequences. The Kantian principle, for example, generates the absolute moral duty never to make a false promise or tell a lie, since no rational agent could possibly envision a universal law that allows people to make false promises or tell lies when it is convenient for them to do so. Such a law would render false promises and lies themselves impossible, since the trust required for these sorts of deceptions would be undermined. Kant, however, means his principle to apply even to situations where the outcome of telling the truth is morally abhorrent — for example, when Nazis in 1943 come to your door in Amsterdam demanding to know whether you’re hiding a Jewish family in your home”.

é sempre preciso lembrar também que foi baseado no princípio kantiano de permissividade/autoridade legal que os europeus instituíram a escravização de povos africanos para trabalho forçado nas américas. digo, pela falta de regulação prévia a esse respeito, e no “impasse” moral de decidir se aquilo era correto ou não, decidiram que era permitido, e criaram toda a narrativa falaciosa para justificar a permissão para o cometimento de atrocidades como essa.

os algoritmos da internet ainda me colocaram em contato com esse vídeo, feito por e postado no mesmo site, que já traz no seu título o imperativo moral que será a tônica do trabalho: todo mundo merece um enterro digno? e sendo o morto um (alegado) terrorista? ali o autor conta a história daquele atentado a bomba em boston, em 2013, no qual os irmãos quirguistaneses Tsarnaev, supostamente haveriam planejado e executado um ataque durante uma maratona de rua. os irmãos acabaram mortos pela polícia (e, por isso, mil e uma teorias surgiram sobre se eles seriam realmente, ou não, os responsáveis, ou se era um caso clássico de racismo+xenofobia), e o que aconteceu quando a maior parte das casas funerárias de boston se recusaram a tratar o corpo para os ritos funerários dentro dos preceitos islâmicos, e apenas uma pessoa “amid public anger and protests, he resolved to perform what he believed to be his solemn moral and professional duty”.

falei que os algoritmos me apresentaram esse vídeo porque logo antes eu estava lendo na mesma tela mais um trecho do livro “sair da grande noite”, de achille mbembe, cujas páginas coloco na íntegra abaixo. e por aqui me despeço.

o livro completo (e milhares de outros) pode ser encontrado na z-library, aqui.

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