Suelen Calonga
Calonga e o Drama Barroco
5 min readNov 6, 2019

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blablabläschen

esse discursinho de dissolução das nações proposto por alguns países europeus, em especial a alemanha, desconsidera [obviamente] a luta pela soberania nacional que muitos outros países do que eles (ainda) chamam “terceiro mundo” ainda persistem: seja Palestina, Curdistão (pra falar mais dos que são mais discutidos aqui localmente), mas também inúmeros países do continente Africano e Latino Americano que ainda hoje, 2019, tão aí pelejando para serem soberanos e independentes enquanto nação. mesmo o brasil, em certa medida.

os alemães utilizam o próprio exemplo de como o nacionalismo é ruim, ao sublinhar o que os nazistas fizeram em nome da identidade nacional, mas eles omitem o fato de que, apesar de terem retirado o termo e um bocadinho de pessoas-chave diretamente relacionadas com esse período da história deles, o país continua rodando — e liderando os demais do mesmo bloco — a partir da mesma máquina nazista, tanto em termos de infraestrutura, quanto economia interna e externa, quanto política (propaganda, sobretudo). ou vocês acham que como eles, não apenas sobreviveram às duas guerras mundiais que causaram, mas seguem sendo o país mais economicamente potente do mundo?

e agora com o discurso de que é feio falar de alemanha, tem que falar de europa. eles não são alemães, são centro-europeus e nacionalismo é um perigo e devemos abolir as fronteiras e lutar pela unidade (contanto que todos sejam iguais a eles, claro)*. tem até um movimento chatíssimo de um pessoal da esquerda daqui que se chamam anti-deutsche (anti-alemães) que seria a resposta torta deles contra o nacionalismo alemão, mas que apóia o estado de israel por conta de um mea-culpa furado e, por isso, é contra a palestina. dentre outras bizarrices. olha aqui: https://en.wikipedia.org/wiki/Anti-Germans_(political_current)

“Truth is that which hurries on the break-up of the colonialist regime; it is that which promotes the emergence of the nation; it is all that protects the natives, and ruins the foreigners. In the colonialist context, there is no truthful behavior: and the good is quite simply that which is evil for ‘them’”.

Franz Fanon, The Wretched of the Earth. **

o nacionalismo, o que é? parece um conceito simples, mas eu achei difícil descrever. É promover a emergência da própria nação e tudo o que protege o nativo daquela terra e prejudica (ou impede) a ação de outros povos sobre aquele território, é o enaltecimento de uma identidade nacional em detrimento da identidade do “estrangeiro”. hum.

levando esse conceito de nacionalismo em conta, vamo pensar aqui junto com o Fanon: no caso da alemanha, quem são os nativos e quem são os estrangeiros? e no caso da Namíbia ou o Camarões, quem são os nativos e quem são os estrangeiros? e no caso do Brasil? então pensa aí a quem serve o discurso nacionalista, e contra quem ele serve. e quando.

se ligou?

perceba aqui comigo: enquanto o discurso nacionalista serviu de justificativa e prerrogativa para os países europeus explorarem outros e construírem suas fortunas e fortalecerem seus processos internos e externos através — e principalmente — da colonização, valores como o patriotismo, e símbolos nacionais como bandeiras, hinos, etc, eram vistos como reforços identitários positivos para as suas nações. mas foi só o castelo europeu começar a ruir (pois foi construído com base não em verdade, mas sobre a areia fina do discurso falacioso) e a galera “terceiro mundista” começar a acordar pra cuspir que tudo se inverteu: de início, com aquela ladainha de globalização que colou menos que chiclete, de abolir as fronteiras comerciais. agora com essa ideia fraquíssima de que ser nacionalista é ruim e que nós, terceiro mundistas, devíamos aprender com o exemplo ruim deles, alemães (no caso), e abrir mão de defender o que é nosso e fazer como eles estão nos ensinando. bandeira é feio, principalmente se for a da palestina, que é contra israel. israel é amiga da alemanha, digo, da europa.

lembra dos estados unidos. lembra da china.

nem tô falando isso porque sou a favor do nacionalismo ou que eu ache que a gente, enquanto “brasileiros” devesse reivindicar o que quer que seja para a nossa nação (aliás, o que eu quero mesmo é que se foda). minha intenção e interesse aqui é tentar entender e expor um pouco dos processos e procedimentos da colonização, e como essa galera pensa; é por isso que resolvi aprender alemão e é por isso que eu tô aqui na alemanha, tomando 7x1 todo dia e ainda tentando manter minha sanidade mental e física pra lutar pela emancipação do meu povo, pra muito além das fronteiras de países.

mas voltando,

como diz o Fanon, a equação é simples: num mundo construído como o nosso foi, o que é bom pra gente é ruim pra eles, e vice versa. Se a gente focar nessa simples equação, vamos encontrar a resposta para muitas das nossas perguntas. melhor ainda se a resposta vier em forma de ação, não só de discurso.

e quem acha que não existem só dois lados é porque já está do lado de lá e talvez nem tenha se dado conta. Ou tenha e nem se importe. (Vou te contar um segredo: a pessoa que não sabe qual o lado certo que ela deveria estar é inimiga dos dois lados, mas não espalha pra ninguém).

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* me refiro aqui à Alemanha Ocidental, porque por mais que seja propagado por aí que o Muro de Berlin caiu ha 30 anos atrás, vc pode bem ver que ele permanece bem de pé, e se ele tá de pé aqui ele tá de pé em toda parte, e os conflitos internos entre a parte ocidental capitalista e oriental (ex-comunista) que a Alemanha muito bem esconde do resto do mundo são os exatos motivos que explicam a atual saída dos nazistas do esgoto onde estavam escondidos desde o final da segunda guerra. ou seja, a questão do nacionalismo permanece aqui: de um lado a alemanha luta para ser uma nação coesa, sufocando o lado oriental que reage através da extrema direita, e do outro tenta engajar os outros países europeus para que eles passem a agir interna e externamente de forma coesa, como bloco europeu, não mais como países isoladamente. contudo, liderados pela alemanha. complicadinho.

** “A verdade é o que corre no sentido de desmantelar o colonialismo; é o que promove a emergência da nação; é tudo o que protege os nativos e arruina os estrangeiros. No contexto colonialista não há um comportamento confiável: o que é bom é simplesmente aquilo que é mau para ‘eles’”.

Franz Fanon, Os Condenados da Terra. **

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