É preciso pular o muro da universidade, mas se tem que fazer isso pelo lado de dentro.

Trabalhador na construção do campos da Cidade Universitária (USP). Fonte: spc.usp.br/institucional/historia-da-cuaso/

Talvez começar este relato com "Certa vez um amigo me disse" dê para o texto que se segue uma atmosfera de crônica e ficção inverossímeis com o objetivo de tal registro, mas mesmo correndo o risco da ambiguidade iniciarei com uma memória recente que se principia de fato com : Certa vez um amigo me disse que ouviu de um professor que primeiro é preciso entrar na festa para depois gritar e fazer o que der na telha. Você deve estar se perguntando — Que festa? , Como assim pular o muro? Por que primeiro adentar para depois gritar? E o que a universidade tem a ver com isso?

Pois bem, tudo fará mais sentido se eu te disser que estou me preparando para o exame de seleção para o mestrado 2022 em antropologia urbana e que os processos seletivos utilizados na esfera acadêmica desde a pré escola até o ensino de nível superior são desconvidativos, elitistas e representam um marcador claro da desigualdade social no Brasil. Enquanto muitos países olham a educação como um capital humano e investem na formação cultural de sua população desde os primeiros anos da longa empreitada escolar, parece que no nosso país a estratégia é justamente a da obstrução e exclusão.

A Academia parece uma festa legal organizada pela turma mais descolada e bem de grana da cidade e o nosso desejo e o de entrar, gritar e arruaçar o espaço, no bom sentido do termo, tornar estruturas rígidas mais flexíveis, pensar novas políticas públicas que faça esta atual fronteira entre a sociedade e a universidade virar um passo cotidiano como o de quem atravessa a rua pela faixa de pedestre ao mirar o sinal verde no semáforo e não uma cruzada arriscada onde muitas vezes é preciso escolher entre pagar as contas ou ler Marilyn Strathern, Bruno Latour e o Pensamento Selvagem de Lévi Strauss.

Pular o muro pelo lado de fora é invasão, agora, pular o muro pelo lado de dentro é rebeldia bem dirigida, ação libertária com contornos de revolução. Muitos, assim como eu, querem desenvolver pesquisas que descortinem pontos importantes para o debate sobre cidade, planejamento urbano, acessos, distribuição de renda e de recurssos públicos de maneira mais igualitária para o município, democratização dos equipamentos de lazer e das vias públicas e tantas outras pautas invisibilizadas frente aos interesses da ordem privada que parece desejar transformar a cidade num playground vip só para quem tiver pulseira neon com logo da construtora da vez. Queremos entrar na festa, levar os nossos e mais, queremos realocar a festa para a rua, lugar em que a única marcação aparente vai ser a largura da via e a extensão das calçadas.

Portanto, aqui será um espaço de discussão sobre textos, artigos e o que for necessário ler e entender para ingressar no programa de pós graduação em antropologia urbana da FFLCH. Antes de concluir, vale a ressalva, o centro do mundo não é a academia, então teremos aqui também pequenos textos sobre caminhadas, o labor e o sublime do cotidiano, filmes, documentários e afins. O que nos interessa mais, além de pular o muro é ocupar, descobrir e se perder na cidade.

Obrigada.

Obs: Esta iniciativa de relatar o percurso será um incentivo e uma pulsão viva de quem acredita em cortejos a céu aberto com convidados diversos ao som da Sinfonia da mais desvairada, aPaulicéia.

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derivas_urbanas
Caminhar é preciso viver não é preciso. Uma mistura de antropologia urbana com o cotidiano inventivo da cidade

Coletivo que usa a intervenção urbana e a publicação independente como ferramenta para fomentar questões sobre: cidade, memória, corpo e paisagem.