Thomas Hylland Eriksen, Finn Sivert Nielsen e a sétima edição do manual — História da Antropologia ( Cap. 1)

cover picture/photo: Bronisław Malinowski with Trobriand Islanders, 1918, credit: LSE

Um dos manuais de antropologia mais famosos ‘’ História da Antropologia “ de Thomas e Finn já está em sua sétima edição, publicado no Brasil pela editora vozes. Como mencionado na primeira publicação, este local está destinado a receber textos que serão as minhas observações e entendimentos particulares acerca da antropologia, sua história e sua formação enquanto disciplina. Quero me preparar para realizar o processo seletivo para o mestrado na área de Antropologia Urbana e como a minha formação inicial, graduação, não foi em Ciências Sociais iniciar o contato com uma área nova de estudo tem sido um desafio e tanto.

Estrategicamente, o primeiro passo antes de mergulhar em textos mais densos e em produções mais contemporâneos é preciso criar, minimamente, uma linha cronológica da disciplina para que as pontes referenciais entre escolas, autores e conceitos tornem-se mais claras no futuro. O livro trabalhado traz nove capítulos, partindo da Protoantropologia até Redes Globais. Neste primeiro ensaio irei abordar as principais ideia desenvolvidas no primeiro capítulos: 1) Protoantropologia.

Capítulo 1: Protoantropologia

Há quanto tempo existem antropólogos? As opinões a esse respeito estão divididas. A resposta dependo do significado atribuído à palavra antropólogo. Povos de toda parte sempre tiveram curiosidade a respeito de seus vizinhos e de povos mais distantes. Conjeturaram sobre eles, lutaram contra eles, casaram com eles e contaram história sobre eles. Algumas dessas histórias foram escritas. Algumas foram mais tarde criticadas por serem imprecisas ou etnocêntricas (ou simplesmente racistas). Algumas histórias foram comparadas com outra, sobre outros povos, levando a pressuposições gerais sobre “ povos de outros lugares” e sobre o que humanos em geral têm em comum. Nesse sentido amplo, começamos uma investigação antropológica no momento em que um estranho se muda para o apartamento em frente ao nosso. (HYLLAND & SIVERT, 2018, p.11)

Os autores abordam que a antropologia como disciplina científica teve suas origens no iluminismo europeu do século XVIII, outros abordam que que ela só surgiu mesmo como ciência a partir da metade do século XIX. Ainda há quem defenda que a antropologia no sentido atual, que temos hoje, começou apenas depois da Primeira Guerra Mundial. Tais ambiguidades não podem ser evitadas, entretanto é correto e não há dúvida em afirmar que a antropologia, considerada como a ciência sobre o humano, teve origem no ocidente, especialmente em quatro países “ ocidentais”: França, Grã — Bretanha, Estados Unidos e Alemanha.

Heródoto e outros gregos

Assim como toda linha cronológica é impossível não nos voltarmos a antiguidade, aos gregos. É citado as viagens do jovem Heródoto de Halicarnasso (c. 484 -425), ele começou a viajar ainda jovem e acumulou um conhecimento particular sobre muitos povos estrangeiros com os quais os gregos mantinham contato. Heródoto escreveu inúmeras narrativas e nestas narrativas, tão afastadas do nosso mundo atual, reconhecemos um problema que acompanha a antropologia até os dias de hoje: Como devemos nos relacionar com “os outros” ? eles são basicamente como nós ou diferentes?. Grande parte da teoria antropológica procurou estabelecer um equilíbrio entre essas posições, e foi isso que Heródoto fez. As vezes ele é um “homem civilizado” preconceituoso e etnocêntrico que desdenha tudo o que é estrangeiro. Outras ele reconhece que diferentes povos têm valores diferentes porque vivem sob diferentes circunstâncias, não porque são moralmente deficientes.

As definições que Heródoto faz da língua, do vestiário, das instituições políticas e jurídicas, das ocupações e das atividades econômicas são perfeitamente legíveis nos dias de hoje. Embora as vezes captasse os fatos de modo equivocado. Seus escritos são as únicas fontes que temos sobre povos de um passado distante.

Há um paradoxo filosófico advindo dos gregos que toca diretamente o problema de como devemos nos relacionar com “os outros”. Trata-se do UNIVERSALISMO em oposição ao RELATIVISMO. Um universalista atual procuraria identificar o que há de comum e de semelhante ( ou mesmo de universal) entre diferentes sociedades, ao passo que o relativista enfatizaria a singularidade e a particularidade de cada sociedade ou cultura. É importante tomar conhecimento desde paradoxo, pois muitas escolas posteriores irão basear suas teorias e conceitos em uma destas chaves. Para ilustrar este embate de ideias podemos alocar Sócrates no time dos universalistas e os sofistas de atenas no time dos relativista, Sócrates e sua fé um uma razão universal capaz de determinar verdades universais é constestado pela visão relativista de que a verdade irá sempre variar de acordo com a experiência e com o que chamaríamos de cultura.

Depois da antiguidade

Neste período pós antiguidade ocorreram mudanças estruturais e urbanas cruciais para compreender o desenvolvimentos das dinâmicas sociais a posteriori para elucidar tal percurso, de maneira breve e muito sintética iremos realizar este percurso tomando de ponto de partida as pequenas cidades-estados gregas.

As pequenas cidades-estados eram circundadas por áreas rurais comuns na Idade do Ferro, as famílias e parentesco formam as unidades sociais principais, conectadas ao mundo externo por uma rede de relações comerciais marítimas entre povoados urbanos distribuídos ao longo da costa do Mediterrâneo e do Mar Negro. o comércio de luxo e o trabalho livre propiciados pela escravidão trouxeram riquezas consideráveis para as cidades, e os cidadão da polis, com sua aversão ao trabalho manual, tinham à disposição um grande excedente, que usavam, entre outras coisas, para travar guerras e construir prédios públicos e outros. Formando um conjunto de condições particularmente favoráveis para o desenvolvimento da ciência sistemática. Atividades ditas “civilizadas” como arte, ciência e filosofia foram cultivadas em todo o mediterrâneo, no período Helenístico liderado por Alexandre, O Grande, estas atividades e cultura urbana grega foram disseminadas até os confins da Indía e também no Oriente Médio e África nos vários séculos em que Roma dominou grande parte da Europa.

Porém na metade do séulo 4 d.C quando o cristianismo se consolidou como religião oficial e o Império Romano começou a se desintegrar ocorrei uma mudança fundamental na vida cultural européia. Os cidadão abastados da antiguidade que poderiam se dedicar a ciência e a filosofia graças aos ganhos advindos do comércio e do trabalho escravo desapareceram e juntamente com eles desapareceu também toda uma cultura urbana, que era tida como o próprio elemento aglutinador que mantinha coeso todo o Império Romano como um Estado integrado. No seu lugar emergiram inúmeras manifestações de povos europeus locais que se manifestavam portadores das mais distintas tradições tão antigas quanto a da Grécia pré-urbana. A Europa de desagregou politicamente em centenas de chefaturas, cidades e enclaves locais autônomos, que só seriam integrados por unidades maiores a partir de meados do século XVI em diante com o desenvolvimento do Estado moderno.

No decorrer de todo esse período o que manteve o continente unido foi a Igreja, a última depositária do universalismo romano. Sobre a égide da igreja, redes internacionais entre monges e clérigos floresceram e amadureceram, conectando os nichos de saber nos qais sobreviveram as tradições filosóficas e científicas da Antiguidade. Com o advento das economias mercantilistas e com o simultâneo Renascimento das ciências e das artes, as pequenas e ricas cidades europeias da idade Média tardia começaram a se desenvolver rapidamente e com elas apareciam os primeiros sinais de uma classe capitalista. Estimuladas por esses grandes movimentos sociais e financiadas pelos novos empreendedores, uma série de grandes viagens marítimas exploratórias foram promovidas por governantes europeus. Essas viagens são geralmente descritas no ocidente como a “ era das grandes descobertas”.

As conquistas européis e seus impactos

A era das descobertas foi de crucial importância para o desenvolvimento posteriores na Europa e no Mundo. As viagens desse período alimentaram a imaginação dos europeus com descrições vívidas de lugares cuja a existência mesma lhes era totalmente desconhecidas, essas narrativas de viagem, além disso, chegavam a um público numeroso, uma vez que a imprensa foi inventada na metade do século XV, transformou o livro numa mercadoria comum e relativamente barata na Europa.

Entratanto muitas das primeiras narrativas de viagem sobre o Mundo Novo estavam repletas de erros factuais e saturadas de piedade cristã e preconceitos culturais. A imagem do nativo era quase que uma mera ilustração lieterária para sustentar afirmações sobre a própria sociedade européia.

De modo geral, os americanos nativos são ali representados como reflexos distorcidos e muitas vezes invertidos dos europeus: são gentis, promíscuos, andam nus e não tem governo ou leis — chegam a ser até mesmo canibais! Contra esse plano de fundo, Vespúcio defende vigorasomante as virtudes da monarquia absolutista e do poder papal, e suas descrições etnográficas são praticamente inúteis enquanto pistas sobre a vida nativa na época da conquista.(HYLLAND & SIVERT, 2018, p.16)

A conquista da América contribuiu para uma verdadeira revolução junto aos intelectuais europeus. Além de provocar a reflexão sobre diferenças culturais, em pouco tempo a “ conquista” deixou claro que havia sido descoberto todo um continente que nem sequer era mencionado na Bíblia. Esta percepção potencialmente blasfema estimulou a separacão cada vez maior da vida intelectual europeia, a liberação da ciência em relação à autoridade da igreja. Quase sempre havia um embate entre os clérigos e os homens da sociedade civil como: juristas, grandes mercadores, monarquia entre outros. A questão a ser discutida era se os nativos poderiam ser considerados seres humanos dotados de alma ou se eram apenas animais inferiores com costumes totalmente avessos daqueles que cultivados na então chamada “ civilização européia” . Como diz Todorov “ os nativos americanos desafiaram a essência mesma da ideia européia do que significa SER HUMANO.

Essa percepção por sua vez, levou às noções embrionárias de progresso e de desenvolvimento que prenunciaram uma ruptura radical com a visão de mundo estática da Idade Média. Nos séculos seguintes, as sociedades européias aumentaram rapidamente em escala e em complexidade, e os encontros interculturais — através do comércio, das guerras, da atividade missionária, da colonização, da migração e da pesquisa tornaram-se cada vez mais comuns. Ao mesmo tempo “os outros” passaram a ser progressivamente mais visíveis na vida cultural européia, porém ocupando ainda um lugar de extrema passividade e submissão. Os autores se interessavam menos nos seus modos de vida propriamente ditos, e mais na sua utilidade retórica nos debates sobre a própria Europa ou sobre o Homem ( geralmente sinônimo de europeu do sexo masculino). Neste período houve também debates filosóficos que deixaram heranças em correntes antropológicas futuras como a clássica oposição entre Racionalismo (Descartes, pai da filosofia moderna, realizou a distinção entre consciência e vida espiritual de um lado e o mundo material e o corpo humano de outro. COGITO ERGO SUM) x Impirimos (John Locke, um dos primeiros filósofos imperitas, que assentou bases para uma ciência humana que integra princípios universalistas de que todos nascemos iguais e relativistas de que nossas experiências distintas nos tornam diferentes).

Por que tudo isso ainda não é propriamente antropologia?

Depois de caminharmos, brevemente, por esta revisão da pré-antropologia foi possível perceber que diversas questões que mais tarde iriam se destacar na disciplina haviam sido tema de muitos debates desde a Antiguidade. Povos exóticos haviam sido descritos normativamente (etnocentrismo) ou descritivamente (relativismo cultural). Também tem sido repetidamente retomada a questão de se saber se as pessoas em toda parte e em todos os tempos seriam semelhantes (universalismo) ou se seriam, profundamente diferentes (relativismo). Haviam sido feitas tentativas de definir a diferença entre:

  • Animais x Humanos
  • Natureza x Cultura
  • Inato e Adquirido
  • Corpo sensitivo x Mente consciente

Porém a antropologia como ciência só apareceu em um estágio posterior e para o autro existem duas razões para isso: 1) todo trabalhado mencionado neste primeiro capítulo pertencem a um dos dois gêneros: narrativas de viagens ou filosofia social. Somente quando aspectos da investigação antropológica se combinam, isto é, quando dados e teoria são reunidos que a antropologia surge.

A disciplina é produto não apenas de um conjunto de pensamentos singulares como os que mencionamos acima, mas de mudanças muito amplas na cultura e na sociedade europeia, as quais, no devido tempo, levariam à formação do capitalismo, do individualismo, da ciência secularizada, do nacionalismo patriótico e da reflexividade cultural. […] Por um lado alguns tópicos nos acompanharam por todo período até aqui, por outro, do século XV em diante aparecem diversas novas ideais e novas formas de vida social que iriam formar as bases sobre as quais a antropologia e as demais ciências sociais seriam construídas.

O Iluminismo

Desde os primórdios dos livros didático o Iluminusmo é referenciado com a palavra-chave iluminação, lançar luz literalmente, sobre questões que até então haviam sido deixadas no escuro. Como Locke e Descartes haviam afirmado, o indivíduo livre deveria ser a medida para todas as coisas (antropocentrismo). O século XVIII foi testemunha de um florescimento da ciência e da filosofia na Europa. A autoconfiança da burguesia aumentou, os cidadãos refletiam sobre o mundo e sobre o seu lugar nele, e logo iriam demandar politicamente uma ordem social racional, justa, previsível e trasnparente.

A autoridade de Deus e dos príncipes deixou de ser considerada como dada de antemão, a democracia buscava avidamente em se libertar do poder da igreja e da nobreza e substituí-los por uma democracia secular, as crenças religiosas eram vistas como obstáculos e denunciadas como superstição no caminho de uma sociedade melhor, governada pela razão. O progresso e os avanços tecnológicos eram notórios e avançavam de vento e polpa na época gerando uma atmosfera de expectativas eniesada por uma ideia especulativa de que todo empreendimento dirigido pela razão estaria destinado ao sucesso. Estaria?.

Todas estas expectativas e atmosfera culminaram na Revolução Francesa, que tentou realizar o sonho de uma ordem social perfeitamente racional na prática, mas foi rapidamente suplantada por seu oposto irracional: a revolução havia devorado os seus filhos. Logo os sonhos, as decepções e os paradoxos da Revolução se espalharam por toda a Europa durante as Guerras Napoleônicas do início do século XIX, influenciando profundamente as ideias de sociedade que seriam desenvolvidas pelas gerações posteriores.

O século XVIII Idade da Razão foi uma época marcada pelas primeiras tentativas de se criar uma ciência antropológica com os escritos de Vico “ A ciência nova”, uma publicação que propunha um esquema universal de desenvolvimento social, segundo o qual todas as sociedades passariam por quatro fases: condição bestial, idade dos deuses, idade dos heróis e idade dos homens. Depois tivemos a publicação do Barão de Montesquieu que publicou “ O espírito das leis” , uma obra que desenvolvia um estudo de comparação intercultural a respeito de sistemas legislativos. Não podemos deixar de mencionar A enciclopédia de Diderot e d’ Alembert, um importante passo em direção de uma ciência antropológica. O objetivo destes intelectuais franceses era colectar, classificar, e sistematizar o maior volume de conhecimento possível com o intuito de promover o progresso da ciência e da tecnologia.

O fato de uma obra acadêmica conceder destaque a assuntos como esses era algo inédito naquela época, e indicava que logo mais seria natural estudar a vida cotidiana das pessoas comuns.(HYLLAND & SIVERT, 2018, p.24)

Rousseau foi um colaborador influente da enciclopédia e constrariamente a seus contemporâneos britânicos, ele afirmava que o desenvolvimento não seria progressivo, mas degenerativo, e que a causa desse declínio seria a própria sociedade, pois de um estado de natureza inocente, em que cada indivíduo vivia por si mesmo e em harmonia com seu ambiente, as pessoas passaram a criar instituições de casamento e parentesco, estabilizando-se em grupos pequenos e sedentários ao ponto de a alma livre e boa do homem ficar esmagada pelo peso da sociedade.

O Romantismo

Se os pensadores iluministas viam na sociedade uma associação de cidadãos racionais unidos pela lei, os românticos cultivavam a ideia de uma comunidade de sentimento, calorosa, criativa, individual e emotiva — a nação. Tem-se dito muitas vezes que foi durante os anos de reação à Revolução Francesa que o Romantismo tomou o lugar do Iluminismo. Mas, como sugere Gellner (1991), talvez seja mais exato ver os dois movimentos como fluxos paralelos, às vezes divergindo e competindo, às vezes convergindo e se mesclando. Isso é especialmente verdadeiro em antropologia, que busca não somente compreender as totalidades culturais (um projeto romântico), mas também dissecá-las, analisá-las e compará-las (uma tarefa iluminista). (HYLLAND & SIVERT, 2018, p.26)

Para compreender as produções científicas e artísticas de um período é preciso se aproximar das correntes filosóficas centrais do mesmo, as ideias são sempre constantes na história, mas o formato com o qual elas se apresentam na sociedade são cambiáveis . O Romantismo teve sua força mais propulssora na Alemanha, enquanto o Iluminismo fazia as vezes na França.

O ano de 1770 foi fundamental para o movimento, período no qual ocorreu o encontro entre o filósofo Johann Gottfried von Herder e o patriarca espiritual da nação alemã Johann Wolfgang von Goethe. O primeiro citado contribui fortemente para a linguística e ficou famoso por suas ideias acerca do universalizo francês, tal como defendido, por exemplo, por Voltaire, e do qual Herder atacava, pois para o filósofo e linguísta a experiência humana é uma totalidade que não pode ser dividida em funções separadas, como a razão, a percepção dos sentidos e a emoção. Todo povo VOLK compartilha uma experiência corpórea e holística — fundada sobre uma história comum e uma comum dependência de ambientes locais e naturais — e um caráter nacional (VOLKSGEIST), que se exprime através da língua, do folclore e dos mitos. Porém Herder também detinha uma posição de que o cosmopolitismo e a mistura cultural causavam danos a integridade da nação, pois as sobrepunha ou seja o internacionalismo poderia reprimir o volksgeist de um povo, uma cultura. Herder é considerado o pai de conceitos antropológicos de cultura e de relativismo cultural. Diga-se de passagem e vale ressaltar que tanto o relativismo cultural, quanto o nacionalismo remontam suas origens no Romantismo.

Immanuel Kant também é considerado um dos maiores filósofos deste período e sua produção e pensamento filosófico é vasta demais para ser enquadrada em qualquer escola filosófica, mas nesta sessão iremos considerá-lo como um dos mais sublimes românticos alemães para a posteriore compreendermos o modo como Hegel deu continuidade a sua obra.

O elemento romântico de Kant subjaz à sua superação da cisão entre conhecimento sensível e racional, em sua obra Crítica da Razão Pura, Kant defendeu que o empirismo e o racionalismo não se opõe, mas são dois lados da mesmo moeda. O conhecimento era tanto sensível como matemático, objetivo e subjetivo. A questão não era a escolha entre extremos, mas a de demonstrar como estes se pressupõem mutuamente.

Após a revolução Kantiana, o conhecimento não consiste mais em imagens mentais que refletiriam mais ou menos adequadamente a realidade tal como ela é em si mesma, mas em juízos mentais baseados em critérios que são subjetivos (eles existem somente na mente), mas também objetivos (eles estão universalmente presentes e qualquer mente cognoscente).(HYLLAND & SIVERT, 2018, p.27)

Kant não formulou as bases para as bases das ciências das sociedades sozinho, no entanto ele estabeleceu as precondições para uma variedade de teoria social que moldou, profundamente, a antropologia. Uma linha direta que vai de Kant, via Hegel, a Marx, Durkheim, Weber e a sociologia clássica que permanece no centro da antropologia clássica até hoje. Kant abriu um novo campo de trabalho intelectual ao ter demonstrado que era possível produzir conhecimento científico sobre a sociedade.

É difícil imaginar o quanto o raciocínio crítico de Kant balançou os fundamentos do pensamento ocidental, que vinha do século XVIII, o século das luzes com uma ideia racional, cartesiana e fragmentada dos saberes e sua construção. Após sua morte houve diversas tentaivas de completar a revolução que ele havia iniciado, uma das figuras que tentou tal complementação foi Hegel, cujo seu objetivo era o de aliar a ideia Kantiana das precondições universais do conhecimento e a orientação particularista de Herder e dos românticos. O sujeito cognoscente de Kant existia fora do contexto e da história. Não pertencia a um lugar ou tempo concretos. Hegel tentou reintegrá-lo no mundo ao se concentrar em seu “ espírito” (GEIST)- um conceito que se desenvolveu de modo detalhado.

O espírito Hegeliano é, tal como o conhecimento kantiano, autorreflexico: um sujeito pode conhecer um outro somente ao conhecer a si mesmo como sujeito cognocente. Hegel adiciona a intersubjetividade a esse quadro: um sujeito somente pode conhecer a si mesmo, quando é conhecido por outro sujeito cognoscente. O espírito é a relação entre o conhecedor e o conhecido — dois pontos que não existem independentemente, e seu ser consiste apenas na relação entre eles. Do ponto de vista de um cientista social, a revolução Kantiana estava completa. O conhecimento da sociedade é o conhecimento do “espírito”, das relações autorrflexivas e dos padrões de relação. Hegel se refere a esse padrão como uma totalidade, como o “espírito do mundo” (WELTGEIST).

Teóricos posteriores o descreveram, este padrão, usando termos diversos como estrutura, função, solidariedade, poder, sistema , porém a dialética da autoexpressão do espírito no mundo através da história foi não apenas a primeira descrição sistemática de sociabilidade em movimento, mas também a primeira concepção sistemática de uma humanidade verdadeiramente global, entretanto o coletivo comunicativo e os sujeitos que participam dele são muito abstratos e lhes falta contexto, mas é aqui, que de maneira embrionária, encontramos a raiz de uma realidade socialmente construída.

A antropologia emergiu como disciplina acadêmica pela primeira vez nesse mundo agitado e em transição, a institucionalização da disciplina começou primeiro na Alemanha e não na França ou na Grã-Bretanha. No decorrer de todo século XIX a antropologia alemã, ocuppou uma posição dominante, ao passo que na Grã Bretanha emergia uma antropologia vitoriana.

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Caminhar é preciso viver não é preciso. Uma mistura de antropologia urbana com o cotidiano inventivo da cidade

Coletivo que usa a intervenção urbana e a publicação independente como ferramenta para fomentar questões sobre: cidade, memória, corpo e paisagem.