Vitorianos, Alemães e um Francês (Cap. 2) a base do que viria a posteriore.

O protagonismo da cidade, o interesse comum da sociologia e da antropologia nos estudos da sociedade e as primeiras teorias da disciplina de antropologia de meados do século XIX e XX: o evolucionismo e a difusionismo cultural.

Imgem retirada do Google Imagens, autoria desconhecida. Início da Industrialização na Europa

O capítulo 2 do manual “ A história da antropologia” é de extrema relevância para compreendermos a virada do século XVIII para o XIX e as transformações que ocasionaram este último, na sociedade e nas relações interculturais que se delineavam em decorrência da industrialização que provocou um alto índice migratório entre campo e cidade, além de desencadear a expansão das práticas comerciais com outros povos e regiões.

Contextualização Histórica

No intervalo entre as Guerras Napoleônicas (1792–1815) e a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), testemunhamos a ascensão da Europa Moderna e do Mundo Moderno. Um período sobretudo marcado pela Revolução Industrial, ainda no século XVIII ocorreram transformações profundas na agricultura e na manufatura, especialmente na Grã -Bretanha. Máquinas a vapor se espalharam por toda a parte e uma classe cada vez mais numerosa de camponeses sem terra e de trabalhadores urbanos começou a se fazer ouvir.

O crescimento das cidades e a intensificação das práticas comerciais auxiliaram a crise do sistema feudal, que já estava enfraquecido pelas pestes e a inelasticidade da oferta de terras. Para melhor exemplificar:

A partir do momento que existe uma intensa circulação de mercadorias e de práticas comerciais, gera-se a necessidade e o desejo de acúmulo e posse de bens por parte do senhor feudal e consequentemente do seus servos, que começam a ser seduzidos pela variedade de mercadorias e estimulados à compra. Logo o senhor feudal passou a aumentar a pressão para com os seus servos obrigando-os a produzir mais em suas terras, de modo a garantir um maior excedente para ser comercializado e covertido em moeda. Uma relação de subornidanação e exploração insustentavéis entre Senhor Feudal x Servo, que ocasionou num alto índice de fluxo migratório do campo para as cidades, que cresciam e se multiplicavam, ofertando possibilidades de trabalho para o servo na medida em que havia opções de sobrevivência além do trabalho servil atrelado a terra e ao senhor Feudal. A maioria destes camponeses foram ressociabilizados nas cidades como operários.

O protagonismo da cidade significava também a passagem de uma economia baseada na produção de subsistência, onde se produz para o sustento dos próprios produtores, para uma economia mercantil, onde se comercializa o excedente.

Em meados da década de 1930 ocorreu o surgimento das primeiras grandes ferrovias e na sequência a construção de grandes embarcações e invenções o que tornou possível, em uma escala nunca antes vista, movimentar por enormes distâncias grandes quantidades de informações, de mercadoria e de pessoas. O período foi de grande evervescência de revoltas advindas do operariado, da burguesia, ocorreu também em 1870 a Comuna de Paris, fatores que evidenciam o potencial para violência que a industrialização desencadeava e simultaneamente aos protestos surgia uma nova ideologia, chamada de socialista na qual Roussseau e Karl Marx colaboravam ativamente para sua formulação, assim como os demais pensadores.

Enquanto isso nas Colônias, os governos difundiam sua cultura e as instituições européias. Diversos efeitos advieram desse vasto processo de difusão que forjou novas relações de poder — entre o administrador colonial e os colonizados, na esteira deste novo leque de relações de dominação e de dependência, emergiam novas filosofias, ideologias e mitos, quer para defendê-las, quer para atacá-las.

Evolucionismo e História Cultural

Pesquisa global requer comunicações globais, portanto não foi surpresa o surgimento da antropologia, justamente, neste período de avanço tecnológico, expansões comerciais e consolidação do processo de industrialização. Hylland aponto que se a antropologia foi um corolário do colonialismo, a sociologia emergiu a partir das transformações das relações de classe que vieram com a insdustrialização do Ocidente. Todos os sociólogos clássicos do século XIX especularam sobre a natureza da modernidade e a contrastaram com as condições pré-modernas. Ambas as disciplinas: sociologia e antropologia compartilhavam uma orientação evolucionista basilar. Ambas estudavam a sociedade. E os dados empíricos sobre as sociedades pré-modernas chegavam a ambas por meio dos antropólogos.

Vale ressaltar que apesar da sociologia e da antropologia compartilharem um interesse comum que é o de ambas estudarem a sociedade, o século XIX foi atravessado por uma profunda cisão entre os dois campos. Essa cisão se pronunciava mais acentuadamente na tradição alemã, como vimos as bases da antropologia alemã estavam muito relacionados aos museus e ao estudo dos Volk e Volksgeist de um povo (Heder), a disciplina ali era definida em termos românticos e humanistas, sendo mais um ramo da história cultural do que uma ciência social. Diferente da antropologia alemã que estava mais identificada com os musues e projetos romântico e humanista a antropologia britânica se identificava mais às ciências naturais.

Fora da esfera da influência alemã os antropólogos continuavam a desenvolver as ideias evolucionistas do século XVIII, sempre propondo novas variações para a teoria dos estágios de Vico. Como havíamos visto, a ideia de que sociedades não européias eram “menos desenvolvidas” remete ao século XVI, logo o evolucionismo engendrado pelos antropológos do século XIX não era, portanto, uma grande novidade, embora se distinguissem por uma complexificação da teoria e possuirem um conjunto de dados mais detalhados. Importante ressaltar que nesta época o evolucionismo não estava associado ao racismo, muito pelo contrário, os evolucionistas corroboravam o princípio da “ unidade psíquica da humanidade” formulado, primeiramente, pelo historiador cultural alemão Adolf Bastian.

Esse princípio estabelece que todos os seres humanos pertencem à mesma espécie biológica, e as diferenças genéticas entre as culturas são superficiais. Com efeito, o projeto antropológico inteiro repousa sobre esse princípio. Tanto os evolucionistas sociais quando os historiadores culturais calcavam os seus trabalhos na comparação sistemática. Se as diferenças culturais fossem determinadas biologicamente, os antropólogos estariam sem emprego.

Paralelamente, a sociologia continental seguia as pistas de Kant ( conhecimento sensível e racional, o empirismo e o racionalismo não se opõem, são dois lados da mesma moeda) e de Hegel ( Geist [espírito: a relação entre o conhecedor e o conhecido; o cognoscível e o cognoscente. Dois pontos que não existem independentemente, e seu ser consiste apenas na relação entre eles]; a dialética). Hegel deu continuidade a revolução Kantiana e do ponto de vista dos cientistas sociais agora, com a inserção da esfera da subjetividade promovida por Hegel a revolução estava completa. O conhecimento da sociedade é o conhecimento do “espírito”, das relações autorreflexivas e dos padrões de relações.

Logo, a sociologia continental amparada por estes dois auotores explorava a realidade como sendo socialmente construída. Os sociólogos precursores compreenderam esse projeto de modos diversos, mas tinham em comum a ideia de sociedade como uma realidade autônoma que deve ser estudada em seus próprios termos, através de métodos próprios, e não como um ramo da ciência natural. Os antropólogos e os sociólogos, ambos defendiam a unidade psíquica da humanidade, conceito cunhado pelo alemão Adolf Bastian e abonavam alguma variante da teoria evolucionista. Diferentemente dos antropólogos, que classificavam e comparavam as características externas das sociedades em todo o globo, os soiólogos dirigiam a atenção para a dinâmica interna da sociedade ocidental e industrial

Morgan e Marx ambos pioneiros destas duas tradições emergentes: a Antropologia e a Sociologia

Morgan um norte americano como representante da antropologia. Morgan é considerado na literatura antropológica um clássico evolucionista, que de certa forma deu continuidade aos estágios desenvolvidos, anteriormente, por Vico. Na versão de Morgan os povos e seus ajuntamentos eram divididos em três estágicos: Selvageria, Civilização e Barbarié. O antropólogo também acreditava que a destruição das sociedades nativas americanas — de suas instituições culturais e políticas, sobretudo — era prdotudo do influxo massivo dos colonos europeus, que como havíamos dito acima, com o processo de industrialização houve uma significativa expansão das práticas comerciais e busca por terras que fornecessem materiais para extração e venda, como por exemplo: especiarias. Logo Morgan acreditatava que devido a influência dos colonizadores a maior parte da cultura imaterial destes lugares estaria em pouco tempo irrecuperavelmente perdida. Para ele era fundamental documentar a cultura tradicional e a vida social desses nativos antes que fosse tarde demais. Tal atitude muitas vezes era denominada de “ antropologia da urgência”, que foi explorada também pelo segundo grande antropólogo norte-americano Franz -Boas.

Outro ponto argumentativo de Boas que merece destaque é sua teoria de que o parentesco era uma importante via de acesso ao estudo da evolução social. Ele sustentava que as sociedades primitivas se organizavam a partir de parentesco e que as variações terminológicas entre sistemas de parentesco estavam, diretamente, correlacionadas com aquelas da estrutura social, porém ele também supunha que a terminologia do parentesco mudava de forma desigual e lenta, dano pistas, assim, para se compreender estágios anteriores de evolução social.

Karl Marx um alemão como representante da sociologia. A produção de Marx e Morgan se diferenciam no que tange a objetos de investigação, enquanto que em Marx os escritos sobre sociedades não industriais são dispersos e tentativos em Morgan, quase que a produção toda está concentrada neste eixo. A graden colaboração de Marx à teoria social foi a análise da sociedade capitalista realizada em sua obra principal “ O Capital”. A influência marxiana continua tendo uma influência importante na academia. Berman ao falor sobre Marx e sua produção relata que: Marx é sem dúvida, o teórico social de maior influência até agora, como atestam inúmeras análises feitas por quase todas as ciências humanas e sociais, ele foi ao mesmo tempo um ator político proeminente, que contribuiu substancialmente para a formação dos movimentos operários do século XIX e de seus descendentes do século XX, desde os socialdemocratas aos stalinistas. Antes de se tornar um materialista, Marx era um idealista Hegeliano, e somos tentados a dizer que seu projeto de vida consistia em unificar estes impulsos contraditórios. Marx também retirou de Hegel a ideia de que a evolução é conduzida pela dialética, isto é, por conflitos — ou por “contradições” que se fundem em unidades maiores e entram novamente em conflito. A diferença entre eles é que para Hegel, contudo, os conflitos são espirituais e em Marx, são materiais e sociais.

Bastian e a tradição alemã

Os alemães eram céticos em relação ao evolucionismo e suas reinvidicações universalistas e pretensões científicas. Ali mesmo em seu ápice, a evolução era vista sempre pelas lentes particularistas da história cultural. Dado que é claramente observável na obra de Adolf Bastian conhecido como pai da antropologia alemã, após uma longa viagem de oito anos em sua primeira grande expedição, Bastian publicou um célebre tratado que avançava ideias sobre a psicologia humana e a história da cultura que pouco tinham em comum com as dos evolucionistas que estudavam um movimento universal e ignoravam os eventos concretos da história cultural.

Bastian também formulou o conceito de unidade psiquíca da humanidade que irá influenciar profundamente a antropologia alemã, para ele todos os humanos compartilham um número limitado de idéias elementares, nas culturas existentes, elas são influenciadas pelas condições naturais locais e por acontecimentos históricos como migrações e pela evolução, que procede, diferentemente, segundo áreas culturais distintas, assim algumas poucas ideias elementares foram diferenciadas em inúmeras “ideias tradicionais”, que estão nas culturas existentes, pode-se vislumbrar o caráter do povo, o seu geist (espírito) através do complexo cultural e essa ideia evidencia a dívida de Bastian com Herder (Volk). Bastian consolidou uma tradição de estudos da história cultural de grupos particulares — em oposição às generalidades abstratas dos evolucionistas. Destaque para os alunos de Wund: Durkheim, Rivers, Mauss e Malininoski. Franz Boas também foi o seu aluno e é considerado o fundador da antropologia americana. Mais tarde quando Tylor se apropriou do princípio de Bastian, fez dele a base do evolucionismo britânico. Nos EUA Edward Sapir também desenvolveu o conceito de Bastian, juntamente, com a etnolinguística. Na França pós-guerra Bastian serviu de inspiração quando Lévi Strauss propôs uma teoria que tornava sistematicamente inteligíveis as transformações da história cultural, embora a influência decisiva viesse mais da linguística do que da psicologia.

Tylor e outros vitorianos

Os autores abrem a esta chave do capítulo 2 citando Maine , um jurista escoês que mostrava como as mudanças nas leis refletem mudanças soais mais amplas, e distinguia entre sociedades tradicionais nas quais os sistemas legais estão baseados no status e sociedades modernas em que estes se baseiam no contrato. Nas sociedades baseadas no status, os direitos são distribuídos de acordo com a posição social herdada ou com as relações pessoais e de parentesco. Por outro lado, a sociedade baseada no contrato está assentada em princípios escritos formais que funcionam independentemente da existência atual das pessoas. O conceito de dois tipos ideias (sociedade simples e complexa) é originário de Maine e, naturalmente, criticados por execesso de simplificação.

Tanto Tylor (evolucionismo /cultura ) como Morgan (evolucionismo / parentesco)acreditavam na primazia das condições materiais, porém Tylor não se interessava pelo parentesco e desenvolveu em vez disso, uma teoria das sobrevivências culturais, as sobrevivências eram traços culturais que haviam perdido suas funções originais na sociedade, mas que continuavam em uso por nenhuma razão em particular. Esses traços eram cruciais para o esforço da reconstrução humana. Porém a contribuição mais importante de Tylor à antropologia moderna foi sua definição de cultura.

Se o evolucionismo diferenciava as sociedades segundo estágios de desenvolvimento, a definição de cultura, por sua vez, unia a humanidade: todas as sociedades têm algo em comum — todas elas são culturais. Este é o ponto em que a influência de Bastian sobre Tylor se mostra mais evidente. Tylor foi o principal proponente da ideia bastiana de “ unidade psiquíca da humanidade” na tradição britânica, e sua definição de cultura de fato é mais alemã do que britânica.

Entre 1840 e 1880, período em que transformações econômicas e tecnológicas aconteciam num ritmo sem precedentes uma série de novas questões foram levantadas por sociólogos e antropólogos . Ao mesmo tempo em que Marx desenvolvia a primeira grande teoria sociológica — abarcando a modernização, a formação do valor, o poder e a ideologia — e que Darwin formulava os princípios da evolução biológica, os antropólogos se ocupavam em explorar certas derivas do evolucionismo e da história cultural e em documentar as variações empríricas das culturas por todo o globo.

Ainda era raro ver o próprio antropólogo em suas próprias pesquisas de campo. A grande maioria coletava dados por meio de correspondências com administradores coloniais, colonos, militares, missionários e outros “brancos” residentes em lugares exóticos. Uma vez que a qualidade desses dados era desigual e que as ambições teóricas dos autores eram enormes, estes estudos tendiam para o tipo de especulação que Radcliffe — Brown iria mais tarde rejeitar denominando-a de história conjuntural, porém ainda assim, os eruditos estudos feitos pelos vitorianos caracterizavam-se por um grau inédito de embasamento teórico e de fundamentação empírica.

O parentesco (sua terminologia) foi uma chave importante para a antropologia evolucionista do século XIX. Para os primeiros estudiosos do parentesco — a maior parte composta por juristas — eles procuravam um “ sistema legal” que regulasse o comportamento em sociedades primitivas, e o parentesco era o candidato óbvio, um sistema empírico formal de normas verbais. Logo, retomando a ideia do início do parágrafo, o parentesco tornou-se uma chave mestra antropológica que tornaria os costumes primitivos traduzíveis em uma linguagem científica e comparativa. Os juristas atraídos pela antropologia, também deixaram uma marca duradoura, e a ideia de sociedade como um sistema jurídico governado por “leis”, “contratos”, “normas”, “regras” e “sanções” continuou sendo mobilizado por muito tempo após o declínio do evolucionismo do século XIX.

O Ramo de Ouro e a Expedição de Torres

Nesta sessão os autores pincelam o início da primeira onda de institucionalização da disciplina na Alemanha e no Reino Unido e desenvolvimentos semelhantes estavam a caminho na França, Holanda e Estados Unidos. Neste período tradições nacionais independentes começavam a se cristalizar, assim como diferentes questões institucionais e disciplinares estavam emergindo em cada país.

Alemanha: os difusionistas estavam se estabelecendo como uma reação contra o amplo programa de história cultural de Bastian

Estados Unidos e Grã — Bretanha: o evolucionismo permanecia sendo o paradigma dominante, mas os pesquisadores estavam cada vez mais imersos em estudos empiricamente embasados a respeito do parentesco, da religião, da magia e das leis dos primitvos.

França: uma nova síntese de sociologia e antropologia estava a caminho

Entretanto, havia em toda parte, um crescente entendimento de que o grande obstáculo para o desenvolvimento futuro da disciplina era a falta de dados detalhados e confiáveis. Tylor já havia se debruçado sobre esta questão, anteriormente, publicando o Notes and Queries on Anthropology (Guia prático de antropologia, que foi publicado no Brasil apenas em 1971 pela editora Cultrix). Mas a tão aguardada inovação metodológica só chegou depois da Primeira Guerra Mundial, quando uma concepção radicalmente nova do trabalho de campo antropológico emergiu.

Dois acontetecimentos importantes que têm lá seus méritos e influências no que viria a posteriore foram: A publicação do "The Golden Bough " ( O ramo de ouro) de James George Frazer, o último grande evolucionista vitoriano. O ramo de ouro é uma investigação "evolucionista" e comparativa da história do mito, da religião e das crenças e costumes, dotada de exemplos históricos e contemporâneos retirados de toda parte do mundo. Assim como muitos outros ( Vico e Morgan por exemplo), Frazer acreditava num modelo de evolução cultural de três etapas: um estado "mágico" que é substituído por um estágio "religioso", que dá lugar a um estágio científico. Frazer foi aluno de Tylor e de certa forma seguiu as pistas de seu professor, que enfatizava a necessidade de se identificar padrões e traços universais mesmo no pensamento "evidentemente irracional" esta parte de seu trabalho teve um impacto significativo na antropologia posterior, principalmente devido à monografia clássica de Evans Prichard sobre a bruxaria. Sua influência ultrapassou a seara da antropologia fazendo admiradores nos campos da poesia, filosofia e psicologia ( Eliot, Ludwig Wittgenstein e Sigmund Freud).

Expedição de Torres

Organizada por britânicos em 1898 , partindo de Cambridge e tendo como o eEstreito de Torres ( entre a Austrália e a Nova Guiné). A expedição tinha como objetivo coletar dados sobre a população tradicional das ilhas daquela área e reuniu um grupo de misto formado por médico, zoólogo, psicólogo e outros. Importante ressaltar aqui, que em contraste com o ideal individualista do trabalho de campo, que depois iria se tornar norma, as expedições do século XIX eram, geralmente, esforços coletivos no qual especialistas de várias disciplinas se responsabilizavam por tarefas diversas. Entretanto, não foi apenas esta característica que tornou a expedição de Torres tão singular, e sim os altos padrões metodológicos que manteve, bem como a excelente qualidade e o impressionante volume de coleta de dados.

Um dos participantes da expedição de torres foi o psicólogo Willian H. R. Rivers, que tece o seu trabalho influenciado pela psicologia de Sigmund Freud — a mesma que iria inspirar também o seu futuro aluno Bronislaw Malinowski. Em 1914 Rivers lançou The History of Melanesian Society, um panorama compreensivo da imensa variação cultural da Melanésia, considerada por Rivers, um corolário das repetidas ondas de migração. Rivers achava difícil conciliar a complexidade da Melanésia ao evolucionismo de Tylor, e começou a procurar por novas abordagens teóricas. Sua história da Melanésia representou um esforço praticamente único em terras britânicas, na medida em que se afastava do evolucionismo e caminhava em direção a mais recente escola difusionista alemã.

Difusionismo alemão x Evolucionismo

Para facilitar a compreensão e formação da linha cronológica da antropologia é mais didático apresentar as características do difusionismo cultural alemão em oposição do evolucionismo.

Como já abordado em diferentes momentos, a Alemanha foi por muitos anos a usina intelectual de pesquisas antropológicas com Herder, Bastian e tantos outros. Ali estavam os eruditos historiadores culturais, os teóricos refinados e os grandes e modernos museus etnográficos. Os linguistas desempenhavam um papel, também, proeminente nesse meio. Por volta de 1800 Schlegel havia mostrado que muitas línguas européias e asiáticas podiam remeter a uma mesma raiz indo-européia ancestral e que empréstimos de palavras também ocorriam entre línguas e famílias de línguas. Devido a proximidade das relações entre linguística e antropologia, os antropólogos inevitavelmente procurariam imitar o prodigioso sucesso dos linguistas, devido ao fato de a linguística oferecer uma alternativa promissora frente ao evolucionismo, já que se caracterizava por ser menos unilinear e etnocêntrica.

A linguística apresentava o passado como uma teia complexa de influências e de heranças desprovidas de metas a serem superadas como estágios universais (referência ao evolucionismo, que trazia como propósito a formulação de grandes teorizações universais e classificações escalonadas de progresso e desenvolvimento voltados para um único sentido/ direção). Com a derrocada do evolucionismo, o modelo linguístico ganhava terreno na antropologia alemã e a escola difusionista emergia.

Definição do difusionismo alemão: os difusionistas estudavam a distribuição geográfica e a migração de traços culturais, e postulavam que culturas eram, em certa medida, mosaícos arbitrários de traços de origens e percursos variados. Logo, nem todos os elementos de uma mesma cultura estão necessariamente ligados a um todo maior. Vale ressaltar que os evolucionistas também, consideravam, em certa medida, os traços culturais isolados e não funcionais de Tylor.

  • o Difusinismo pretendia analisar a mobilidade de traços culturais individuais
  • Diferente dos evolucionistas, que sustentavam, ao contrário, que as sociedades eram sistemas coerentes e funcionais . Quando a perspectiva evolucionista sucumbiu, a ideia de sociedades como totalidades coerentes foi também desacreditada (embora estivesse forte na sociologia e depois aparecesse com força renovada nas antropologias britânicas e francesas [Radcliffe- Brow com o funcionalismo — estrutural).

Agora, para os difusionistas, todos os traços culturais seriam "sobrevivências" potenciais, e não apenas aqueles considerados por Tylor (evolucionista), que descrevia como sobrevivências apenas os traços culturais que haviam perdido suas funções originais na sociedade, mas que continuavam em uso por nenhuma razão em particular, estes, em sua visão, eram cruciais para o esforço de reconstrução da evolução humana. Ou seja, ambas as escolas, tanto a evolucionista quanto a difusionista se valiam das "sobrevivências" para reconstruir o passado, mas o "passado" para eles (os difusionistas), não era um movimento unilinear do progresso, mas sim um novelo composto por longas, tortuosas e descontínuas histórias de encontros culturais, migrações e influências mútuas ocorridas ao longo de milhares de anos.

A novidade daquele difusionismo praticado na Alemanha no começo do século XX dizia respeito ao método crítico e rigoroso, diferente dos evolucionistas, formuladores de teorizações universalizastes, os difusionistas propunham hipóteses claras a partir de casos específicos e de uma base de dados detalhados e bem documentados . A semelhança de Rivers, que estudava localidades especificas, vários difusionistas trabalhavam com regiões e graficamente limitadas que permitiam uma demonstração convincente de que a história de traços culturais específicos poderia ser identificada.

Uma das vertentes mais conhecida do difusionismo foi a escola do círculo cultural (Kulturkreis). A hipótese principal desta escola sustentava que todas as culturas teriam evoluído (tal como as línguas) a partir de um número, relativamente , pequeno de centros culturais principais — cujas influências recíprocas estariam superpostas como estratos arqueológicos ou geológicos e poderiam ser traçadas empiricamente.Por exemplo em um estudo do Graebner na Oceania, foram identificados em uma mesma sociedade sete centros culturais principais.

A geração seguinte de antropólogos superaram as teorias do: evolucionismo e difusionismo

A nova sociologia

Descoberta da sociologia continental

principais obras publicadas entre a década de 1850 e a Primeira Guerra Mundial. A geração posterior a Marx era formada por Émile Durkheim e Max Weber, assim como George Simmel e Ferdiand Tonnies.

  • Simmel vem sendo redescoberto desde a década de 1980 é admirado por sus estudos sobre a: modernidade, a cidade e o dinheiro.
  • Durkhiem e Weber são importantes o bastante para termos, até hoje, livros publicados a seu respeito. Porém Durkheim teve para antropologia uma importância singular, pois ele próprio se interessou por vários temas antropológicos, além de ter ajudado no desenvolvimento da antropologia francesa e também ter influenciado a antropologia britância por meio de Radcliffe-Brown e de seus seguidores. Nos vimos que RC era um funcional-estruturalista e que diferente de ,Malinowiski , ele acreditava que a estrutural social existe independentemente dos atores que a produzem (estrutura), já para Malinowiski, o obejtivo último do sistema visava o indíviduo e não a sociedade, as instituições existiam para os indivíduo e não que as ações dos indivíduos era uma mera atualização da estrutura.

Nos Estados unidos a influência da sociologia clássica só se fez sentir muitos anos mais tarde, mas nunca foi tão forte como na Europa. Tal como o alemão Franz Boas, pai da antropologia norte -americana, os principais antropólogos norte-americanos do início do século XX estavam mais próximos de disciplinas humanistas (história cultural, a linguística e a psicologia) do que da própria sociologia.

Durkheim

Estudou com Wundt, psicólogo e pertencente à Universidade de Leipzig. Considerado o pai da psicologia experimental, ele traçou uma distinção entre mecanismos psicológicos individuais (como a percepção sensória) — passíveis de serem estudados em laboratórios a partir de métodos advindos das ciências naturais — e funções psiquícas mais complexas, que precisavam ser pesquisadas intuitivamente ou por meio de estatísticas, exemplo (processos da psicologia coletiva). Em síntese Wundt buscava relacionar a psicologia coletiva implícita ou oculta às diversas culturas por meio de estudos comparativos de rituais, mitos e outros traços culturais.

Durkheim escreveu extensamente sobre povos não europeus com seu sobrinho e sucessor Marcel Mauss, uma obra relevante, nesse sentido foi "Algumas formas primitivas de classificação", que é um estudo das origens sociais dos sistemas de conhecimento baseado em dados etnográficos, especialmente australianos. Esse trabalho postula uma ligação intrínseca entre classificação e estrutura social, e se tornaria uma fonte importante de inspiração para os estudos antropológicos de classificação.Durkheim — teoria das representações coletivas.

Ele teve também uma enorme influência sobre a sociologia e a antropologia francesa

Obras principais: ''A divisão do trabalho social" e "O suicídio", "Algumas formas primitivas de classificação" ( primeiro esboço de uma ligação intrínseca entre classificação e estrutura social)

  • diferente dos evolucionistas e dos difusionistas Durkheim não tinha um interesse particular pelas origens, ele buscava mais explicações sincrônicas do que diacrônicas.
  • Como os difusionistas ele estava profundamente empenhado em uma antropologia baseada em dados observáveis, em geral quantificáveis, porém, diferentemente, também, dos difusionistas, ele estava convencido de que as sociedades eram sistemas lógicos, integrados, em que todas as partes eram dependentes umas das outras e trabalhavam juntas para manter o todo. O que o fazia se aproximar dos evolucionistas que, como ele, faziam analogias entre os sistemas funcionais do corpo e a sociedade. Durkheim descreveu frequentemente a sociedade como um organismo social.

As sociedades primitivas não eram ”sobrevivências" de um passado nebuloso, nem "etapas"no caminho para o progresso, mas organismos sociais que mereciam ser estudados por seu valor intrínseco. Mas, diferentemente de Bastian e da escola dos círculos culturais, Durkheim estava interessado não na cultura, mas na sociedade, não em símbolos e mitos, mas em organizações e instituições, interessando-se, sobretudo, na força que mantém os grupos sociais coesos. Ele se referia a essa força como SOLIDARIEDADE.

Teoria contida na publicação "Divisão do Trabalho" que discute as diferenças entre formas simples e complexas de organização social.

  • Formas simples de organização social se baseiam na solidariedade mecânica. As pessoas apoiam a ordem social existente e aderem a grupos porque compartilham a mesma vida cotidiana, realizam as mesmas tarefas e se percebem como semelhantes.
  • Formas complexas de organização social se baseiam na solidariedade orgânica. Nelas, grupos são mantidos coesos pelo fato de as pessoas cumprirem tarefas distintas, mas complementares, cada qual contribuindo com o todo.
  • Importante: Durkheim enfatiza que as duas formas de solidariedade devem ser compreendidas não como diferentes tipos de sociedade, mas como princípios gerais de integração social que coexistem em qualquer sociedade.

Na publicação “O suicídio” ele aborda aquilo que acontece quando a solidariedade se rompe.

  • O mundo se esvazia de conteúdo moral, os indivíduos se desconectam uns dos outros e são lançados em um vácuo social inóspito e sem normas (anoime). Marx havia descrito um estado semelhante, que chamou de alienação e o remeteu à perda de controle do indivíduo sobre os produtos de seu trabalho. Mas onde Marx percebia uma alienação do mundo físico, Durkheim via uma alienação do coletivo moral.

Já na publicação “Formas elementares da vida religiosa” ele lida com o próprio sentido de SOLIDARIEDADE. A religião se torna um importante objeto de estudo para ele, pois é nela que as representações coletivas se fortalecem e e se tornam visíveis. Isto ocorre, especialmente no ritual, onde a religião se exprime através da interação física, e as representações coletivas, com solidariedade que promovem, se transformam em experiência direta, corpórea. O ritual se separa da vida profana e traça um círculo mágico protetor em torno do seu próprio domínio sagrado, proibido.

Uma observação muito importante dos autores é que a religião de uma maneira ou de outra, desde longa data, tem chamado a atenção dos antropólogos, que documentaram uma grande variedade de suas formas empírcas. Interesse 1- O problema da compreensão da integração social em sociedades sem Estado ( sociedades não européias /não ocidentalizadas) tinha sido uma preocupação importante do evolucionismo. Interesse 2- E a perplexidade diante de símbolos e costumes exóticos foi o ponto de partida da pesquisa antropológica. Agora Durkheim parecia oferecer uma ferramenta analítica que integraria todos esses interesses : O exótico poderia ser compreendido como um sistema de representações coletivas que gera solidariedade social. E a religião, o fenômeno mais mistificante e "exótico" de todos, era o dínamo racional que conduzia esse processo.

Max Weber

Intelectual, jurista, economista e considerado um dos fundadores da sociologia. Umas das suas principais publicações é o livro "A ética protestante e o espírito do capitalismo", trata-se de uma obra de história cultural e econômica que analisa as raízes da modernidade européia. Weber afirma que os calvinistas formularam uma concepção de vida que correspondia de perto à imagem do capitalismo perfeito, a questão para Weber, não era a de que o calvinismo era a causa do capitalismo, mas sim que as seitas protestantes formularam explicitamente uma ideologia — um espírito (Geist) — que justificava ou mesmo glorificava a ética capitalista.

A obra de Weber foi profundamente influenciado pela hermenêutica (interpretação de textos, do sentido, da palavra), que havia havia se tornado nos meios acadêmicos humanísticos alemães, um componente fundamental de uma educação bem equilibrada. Weber buscava interpretar a ação humana e descrever as motivações que haviam por trás dela. Nesse sentido, ele foi um dos primeiros representantes do que mais tarde se chamaria "individualismo metodológico". Isso não significa que ele tinha como foco o indivíduo, em detrimento do totalidade social.

A hermenêutica ensina que a atenção humana oscila constantemente entre a parte e o todo, e os indivíduos de Weber sempre participam de contextos mais amplos — de Estados e Instituições, e de movimentos históricos de longa duração. É a expectativa de interpretar as motivações da ação que está expressa no conceito hermenêutico de Verstehen (compreensão, interpretação).

Weber oferecia uma sociologia empática e interpretativa que se colocava no lugar dos atores e mergulhava nas escolhas que eles, diante das condições que os envolviam, precisavam fazer. Após a Segunda Guerra Mundial, o foco no indivíduo e o interesse pela interpretação, que perpassavam a obra weberiana haveriam de inspirar antropólogos tão diferentes como: Frederick Barth e Clifford Geertz.

Um dos fenômenos empíricos que Weber estava mais interessado em interpretar era o do "poder", o poder era um tema antigo das ciências socias. Marx havia estabelecido, anteriormente, a base material e corpórea do poder, e na época de Weber, o filósofo Frierich Nietzsche descrevia o poder como uma expressão da vontade de vida (do indivíduo). Weber estava mais próxima da visão de Nietzsche, pois Marx havia ligado o poder ao controle dos meios de produção, e portanto, à propriedade. Weber em vez disso, concebia o poder como enraizado no indivíduo. Tal como Marx — e diferentemente de Durkheim — Weber via a vida social como perpassada de conflitos e em constate transformação, mas Marx supunha que a transformação era causada por conflitos estruturais anônimos, que ocorrem em profundas e desconhecidas regiões da sociedade, nas costas das pessoas por assim dizer. Isso era inaceitável para Weber, que estava interessado pelos indivíduos, buscando valores e almejando objetivos.

Como os seus contemporâneos, os difusionistas, Weber se opunha às generalizações abstratas, como a concepção estrutural de poder de Marx, por exemplo, que como dissemos acima, acreditava que a vida social era perpassada de conflitos e em constante transformação, entretanto a causa era advinda de conflitos estruturais anônimos. Já para Weber era a coincidência histórica, o particular, o concreto e a realidade vivida que atraíam a sua atenção, ele podia ver sim, que poder e propriedade estavam muitas vezes ligados, mas se recusou a generalizar.

O poder para Weber era: A habilidade de levar alguém a fazer alguma coisa que , de outro modo, não faria. A propriedade seria apenas um meio para que ele possa ser exercido.

A segunda grande obra de Weber "Economia e Sociedade" o autor vai citar três tipos ideias de poder legítimo. ( O "tipo ideal" weberiano é um modelo simplificado, que pode ser aplicado ao mundo real para revelar aspectos específicos do seu funcionamento.

Os tipos ideias do poder legítimo são:

1) Autoridade tradicional (legitimada pelo ritual e parentesco)

2) Autoridade burocrática (legitimada pela administração formalizada)

3) Autoridade carismática (o poder do profeta ou do revolucionário)

obs: Todos os três tipos podem coexistir numa mesma sociedade. Os dois primeiros parecem próximos da dicotomia moderno x primitivo, propostas por Maine, quando elenca os dois modelos de sociedade e como as mudanças nas leis refletem mudanças sociais mais amplas: e distinguia entre sociedades tradicionais, nas quais os sistemas legais estão baseados no status e sociedades modernas, em que estes se baseiam no contrato. A distinção de soc. complexa x soc. simples, usam como base a teoria de Maine e são altamente criticadas por seu excesso de simplificação. Já o terceiro tipo, porém é uma inovação. Ele demostra que Weber, fez contato com as obras de Freud, sobre a irracionalidade da psique humana, tal como Nietzche.

Existe uma espécie de poder, Weber nos diz, que é imprevisível e individual, movido mais pela intuição e comandando a lealdade do que controlado pela propriedade (Marx) ou pelas normas estáveis (Durkheim). Assim para Weber a sociedade é um esforço mais individual e menos coletivo do que para Marx e Durkheim. A sociedade não é, como em Durkheim, uma ordem estável. Também não é, como em Marx, produto de pesadas forças coletivas que os indivíduos não podem compreender, nem influenciar.

A sociedade é um ornamento gerado de diferentes pessoas com diferentes interesses e valores se encontram, discutem e se empenham em convencer uma às outras e alcançam um curso de ação. Enquanto Marx e Durkheim desenvolveram cada um, uma variedade de coletivismo metodológico — abordando a sociedade, primeiramente, como uma totalidade integrada, — Weber apresentou um individualismo metodológico, que aceita a possível inconsistência e imprevisibilidade das sociedades.

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Caminhar é preciso viver não é preciso. Uma mistura de antropologia urbana com o cotidiano inventivo da cidade

Coletivo que usa a intervenção urbana e a publicação independente como ferramenta para fomentar questões sobre: cidade, memória, corpo e paisagem.