Certo & Errado: a redenção começa no pecado

Luiz Carlos González
caminho proprio
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4 min readJan 28, 2022
An Angel and a Devil Fighting for the Soul of a Child; Giacinto Gimignani (1606–1680)

O recém convertido se aproximou do altar da Deusa e, naquele desajeito de tentar fazer algum tipo de oração, fechou seus olhos, respirou fundo, buscou palavras. Não as encontrou.

Sentiu-se como um adolescente ainda garoto. Lembrou-se da sua última noite como um garoto. Trêmulo, ofegante, diante da grande meretriz que o acompanhou até chegar às mãos do homem que se tornou. Sim, ela já era a Deusa de alguma forma. Um aspecto divino revelado em nudez, suor, gozo e gargalhadas de superioridade. A Pomba-gira bem-vinda à meia-noite.

Depois de alguns minutos, as que finalmente encontrou, se apresentaram como uma dúvida:

Ella, eu devo te pedir perdão? Confessar meus pecados?

Passou-se mais um tempo. Agora, impossível de dizer se foram segundos, minutos, só se sabe que não chegou a ser uma hora. Finalmente, abriu os olhos. Um dos papéis que aparentemente seriam para escrever pedidos de oração e serem depositados numa urna que não estava ali, apareceu com coisas escritas.

Óbvio, foi ele quem escreveu. Consciente? Sim, estava consciente. Mas foi tudo tão despejado, preencheu aquela folha em branco tão rápido, que nenhuma outra coisa teve tempo de passar-lhe pela cabeça senão o conteúdo do que foi escrito. Nenhuma preocupação com boleto pra pagar, com a unha grande pra cortar, com louça e roupa suja pra lavar. Nenhum refrão de musiquinha sequer ousou se aproximar daquela mente no momento.

Tudo o que ocupava seus pensamentos, era uma prévia do que ia para o papel. Eis o tal conteúdo, que depois julgou ser a resposta:

Isso você faz por você. Não por mim. Eu te aceito do jeito que você é. A versão completa de você é o que me importa. Os seus chamados “pecados” só desagradam a você e seu entendimento do que chama de “certo”. E para mim, tudo está certo.

Para alguns, por exemplo, 1+1= 2 é a coisa certa e exata. E para outros, 1+1= 11. No meu entendimento, os dois estão certos, e vou além: podem haver mais uns nove resultados diferentes, que eu vou continuar achando todos eles certos. Outro exemplo, é a sequência “111", que pra você hoje pode corresponder ao número cento e onze, mas em outras épocas representaria três mil seiscentos e sessenta e um (3.661), se eu estivesse falando com um babilônico. O que é difícil é encontrar alguém que tenha tanta autoconfiança, que além de encontrar uma lógica e acreditar nela, consiga transmitir aos outros essa lógica de maneira que faça sentido.

E é aí que seu “certo e errado” começa uma queda de braço que, se você tiver em dia com sua flexibilidade, pode virar uma linda e harmoniosa dança: o outro. Sempre que envolve alguém que não é você, alguém para ficar na outra ponta da gangorra, o equilíbrio passa ser o senhor da ocasião. Não se trata de um equilíbrio calculado por méritos, pelo menos não pelos méritos que você julga conhecer. Também não se trata de um equilíbrio baseado no seu entendimento limitado do que é reciprocidade.

Trata-se do tipo de equilíbrio que tem humildade para não ser absoluto, para saber que ele funciona bem naquele momento, entre aquelas pessoas. O tipo de equilíbrio que só se conquista quando você se conhece e se confia o suficiente para não ter medo de dar ouvidos à outra perspectiva. E mesmo se tiver medo, de alguma forma confia que o que vem pode servir, se não para ajudar a construir uma ponte, pelo menos para jogar na fogueira e alimentar a chama cujo calor é tão necessário numa noite fria.

Seu papel é apenas respeitar o espaço ao qual o outro tem direito, assim como você.

Se alguém acredita que é certo algo que te parece absurdo, ambos já apresentaram seus argumentos do porque sustentam tais posições, e não chegaram a ameaçar a integridade física e moral alheia para fazer sua verdade prevalecer, isso é incrível! Maravilhoso! Tenha certeza de que estruturas internas foram abaladas, mas o respeito prevaleceu. Significa que mais de uma pessoa aceitou um fluxo natural da vida. E eu fico lisonjeada, que mesmo com tantos ruídos, as pessoas ainda me dão ouvidos de alguma forma.

No fundo você sabe que certo e errado, bom e ruim, são a mesma coisa. Parece clichê, mas é tudo questão de perspectiva. Alto e baixo, por exemplo. Você pode estar embaixo de um prédio, e eu no topo. Você poderia dizer que estamos em posições opostas, mas se alguém nos olha do espaço, diz apenas que estamos na Terra, se alguém nos avista do mar, diz que estamos em terra firme.

O fato é que só se tem consciência de um, experimentando o outro. Só poderá saber quando está na luz, depois de já ter enfrentado a escuridão. Saberá que está frio apenas porque sentiu o calor em algum momento. Apenas há de compreender que está embaixo, quando se está olhando para o alto. E, no caminho entre as polaridades, encontrará todo aprendizado que precisa.

Confesse seus pecados para ver que aparência seus atos têm quando estão vestidos de palavras. Para conhecer um pedaço de você. É sua chance de se conhecer sob o impacto dos seus atos quando está consciente deles.

O que considera ruim, é ruim mesmo? Ou só é ruim quando outro fala que é ruim? Quando outro, e não você, o faz? E no momento em que estava fazendo? Não te parecia bom? Haveria algum conceito moral que pudesse te impedir de fazer?

“As águas do Rio Certo, e as águas do Rio Errado se encontram no Oceano do desejo, e lá nos banhamos.”

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Luiz Carlos González
caminho proprio

escritor de rua confinado; forasteiro criando raiz; forçado a deixar a estrada, mas não de viajar, não descarta a possibilidade de embarcar no próximo meteoro°´