Partícula do erro: do que são feitos os deuses

Luiz Carlos González
caminho proprio
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2 min readMar 5, 2022
Harmonia Rosales’ Birth of Oshun

Eu quero por minha crença em deuses que não pretendem ser mais do que mitologia; em deuses que compreendem a sua posição e significado simbólico na experiência humana respeitando a existência de outros deuses e igualmente a ausência dessa figura divina que inclui a si próprio. Afinal, compreender-se como um ser mitológico implica a noção da partícula em comum com nós mortais e criadores: a partícula do erro. Quero deuses que saibam brincar de ser personagens fantásticos, se vestir e se portar como super-heróis, que saibam brilhar com rockstars e cair como Youtubers, que saibam se calar quando precisamos voltar ao mundo concreto antes de dar com a cara no muro.

Você passa a considerar o ateísmo quando descobre com quem seus deuses vão pra cama. O consentimento também conta. Apesar de prezar por essa liberdade sem precisar de um motivo, por uma questão de segurança, é sempre bom saber dos crimes que cabem na cama em que um deus se deita, e quantos corpos ele pode esconder de baixo dela.

Eu preciso de mitos, eu confesso, mamãe. Mas só quero cultuar aqueles que tem consciência de que sua partícula do erro não lhes dá direito de governar nosso destino como povo. Eu tô falando de deuses que tem o hábito de tirar o ano sabático em ano de eleições, que fogem pra montanhas quando os santinhos começam a cair do céu acima do asfalto.

Quero seguir os passos de quem espera que nada além da água ocupe suas pegadas na areia mesmo sabendo que ela vem em ondas e logo vai extinguir esse sinal de sua passagem por aqui. Quero o desapego dos deuses pagãos, o silêncio do deus cristão, quero uma terapia de grupo com os deuses gregos, e um Big Brother com os romanos; dos deuses asiáticos eu quero a diversidade e a sabedoria, dos latino-americanos eu quero o perdão e o respeito, e dos africanos eu quero um abraço de “bem-vindo de volta ao lar”.

Texto originalmente publicado no blog Provérsius em 10/07/2020

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Luiz Carlos González
caminho proprio

escritor de rua confinado; forasteiro criando raiz; forçado a deixar a estrada, mas não de viajar, não descarta a possibilidade de embarcar no próximo meteoro°´