TUDO é permitido…
Depois de uma noitada em que acredita ter se dado bem, o carinha está indo para casa com aquela pessoa por quem teve um tremendo crush no rolê. As coisas estão incendiárias desde que eles deram o primeiro beijo e tiveram que se livrar dos copos de bebida para poderem liberar as mãos e incluir o tato na história, e poder chamar de pegação. Todos os sentidos, na verdade, estão em estado de erupção.
Quando a tal da pegação continua no banco de trás do Uber ainda está intensa, e os dois só querem chegar em casa logo, vem a pergunta: “Tem camisinha?”
Ambos descobrem que não. “Poxa, mas que sorte que a gente ainda tá na rua. Dá pra passar em qualquer conveniência que lá sempre tem.”.
Mais do que isso, eles encontram um daqueles hipermercados “24 horas”. É a primeira coisa que aparece então… “vai tu mesmo”. Afinal, com o confinamento, o coitado já estava quase voltando a ser virgem outra vez, e quase se esquecendo como se faz, e não vê a hora de tirar todos os atrasos que a cama aguentar. E a outra pessoa está do mesmo jeito. Só que é o cara quem toma a iniciativa e diz: “Fica aqui segurando a motorista que eu vou lá rapidão, e já volto”.
Então lá vai ele subindo a rampa do “hiper” com uma coisa só na cabeça: “Eu finalmente vou transar depois de todos esses meses confinado. Nem acredito… Não! Acredito sim! Gratidão, Universo!”.
Só que ao entrar de fato na loja, o rapaz dá de cara com uma infinidade de produtos. É coisa pra caralho. Então se lembra que na sua casa não tem nada para beber, e muito menos pra comer.
Pega uma cestinha, vai para o corredor de bebidas, depois de aperitivos, e pensa: “Poxa, aqui tem tanta coisa, e eu tenho dinheiro pra comprar o que eu quiser. Eu posso comprar tudo o que eu quiser. Por que vou levar um salgadinho meia-boca? Por que não me exibir e mostrar minhas habilidades culinárias? Vai ser perfeito um café da manhã saboroso na cama, enquanto a gente ainda tá sem roupa, só curtindo o cansaço de ter passado o resto da madrugada transando.”
Depois de apanhar tudo o que achou que seria necessário para o café, pensa que talvez eles venham levantar no horário do almoço. Então resolve pegar tudo o que precisa para arrasar numa super refeição. E continuou se lembrando de coisas e mais coisas que estavam faltando na sua casa que gostaria que a mina não sentisse falta.
No final, a cestinha se transforma num carrinho, que já estava lotado. Finalmente, lá vai ele para o caixa, leva algum tempo até passar tudo. Desce a rampa da loja pensando: “Agora tá tudo perfeito! Nada vai me impedir de trepar gostoso.”. E segue cantarolando “Let’s get it on”, do Marvin Gaye.
Só que ao chegar no lugar onde o Uber estava com a outra pessoa, não encontra nenhum carro, nem ninguém. Se foram. O cara pensa: “PQP! Pessoa mais sem noção! Sério mesmo que foram embora?”. E pra completar, se dá conta que não comprou nenhuma camisinha.
Isso aconteceu com um cara que me contou indignado como as pessoas perderam a noção da falta de respeito pelo outro. Ele estava realmente abalado pela forma como a pessoa, e a motorista do Uber, não pensaram nele e simplesmente foram embora, por mais que ele mesmo não tivesse pensado que tinha deixado duas pessoas esperando por quase uma hora algo que não levaria 10 minutos.
Essa história ilustra o que quero dizer quando faço referência ao que disse o apóstolo Paulo quando disse que “todas as coisas me são permitidas, porém, nem todas me convém” (1 Coríntios 6:12).
Óbvio que o cara da história poderia comprar todas aquelas coisas, afinal, ele tinha dinheiro, sentiu que precisava delas, e estavam todas à venda. No entanto, o objetivo dele era apenas comprar um preservativo, voltar ao carro e ir com a moça para casa para, finalmente, fazer o que os dois queriam fazer. E mesmo que ela e a motorista do Uber tivessem ficado esperando, ele teria que voltar na loja para tentar comprar o que ele foi para comprar, mais uma vez. Quem nos garante que ele não fosse se distrair com seu poder de compra, se esquecer novamente, e ter que voltar outra vez? É possível que estivesse nesse ciclo até hoje.
Então é possível fazer tudo o que desejamos, mas é legal estarmos conscientes de nosso objetivo naquele momento. Não transformemos nossas atitudes em pecados pessoais, dos quais iremos nos culpar até esquecer pelo que estamos nos culpando. Isso, quando se refere ao relacionamento com nós mesmos.
Mas, não estamos sozinhos no mundo como o Will Smith achou que estava em “Eu Sou a Lenda”. Você e eu, não somos “a lenda”. Somos uma lenda compartilhando este solo com bilhões de lendas. Tudo o que fazemos afeta a narrativa das outras. Contudo, não precisamos ficar paranoicos. Temos responsabilidade só até onde nossos olhos enxergam e onde nossos braços alcançam. Isso faz com que nossas atitudes tenham consequências.
Minha sugestão é olhar nos olhos dessas consequências, reconhecer os traços de suas atitudes nelas, e assumir a paternidade, ou maternidade.
Se for acusado de ter cometido algum crime, considere essa possibilidade, reflita levando em consideração tanto as outras perspectivas, quanto a sua. Se não for uma injustiça, e de fato cometeu um crime, considere se a pena é adequada, e se entregue para ser cumprida sem nenhuma resistência.
Sei que parece absurdo, mas isso é só a minha opinião sobre o caso. Os textos aqui expostos refletem um caráter muito pessoal, sem a intenção de impor nenhuma verdade. Apenas é o que é, para mim agora. Posso mudar de ideia. Estou expondo porque me comprometi comigo mesmo que compartilharia os resultados de minhas reflexões dessa auto jornada.
Se a sua moralidade te impede de se ver cometendo um crime, então saiba que foi apenas um exemplo levando para o limite de como encaramos o que é permitido ou proibido. Todavia, é possível colher exemplos nos jardins das banalidades cotidianas.
Furar uma fila, por exemplo. Se alguém chegar e disser que você está furando a fila, de alguma forma você sabe se aquilo é verdade ou mentira. É verdade??? Então não atrapalhe a vida das pessoas. Cada um tem sua cruz, não deixe que a sua cara de pau te convença de que você deve pesar sobre os ombros de alguém. Vá para o fim da fila e aceite uma consequência do que fez usufruindo do seu livre arbítrio. Palavra que, curiosamente, é confundida com impunidade perante à vida. De qualquer forma, não é punição, é resultado.
No fim das contas, é tudo uma grande equação matemática. Nós podemos usar os números que quisermos. Mas para chegar a um determinado resultado, existem os números adequados. Se não os usarmos, teremos um resultado diferente do desejado. E podemos até não aceitá-lo, mas com quem vamos nos frustrar? Com a motorista do Uber e a crush que não quiseram esperar 1 hora por algo que demoraria menos de 10 minutos se tivéssemos escolhido os números adequados para o resultado desejado? Ou vamos culpar as pessoas que perceberam que estavam sendo lesadas por alguém que se colocou como obstáculo entre elas e seu objetivo, furando a fila, e intercederam por justiça?