Educação

A democratização da educação em tempos de ensino a distância

Os efeitos da crise provocada pela pandemia de 2020 ainda serão descobertos, mas certamente irão impactar negativamente no cenário educacional dos próximos anos

Nicole Santos
Caminhos em Rede

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Sala vazia / Foto: Flickr -  Carlos Ramalhete
/Foto: Flickr — Carlos Ramalhete

Por conta do novo coronavírus, estudantes de todo o Brasil foram afastados das instituições de ensino, já que o isolamento social foi imposto como medida de contenção do contágio da doença. Com isso, muitos dos mais de 6 milhões de vestibulandos, se sentem cada vez mais longe do sonho de cursar o ensino superior, já que as aulas passaram a ser remotas. De acordo com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), mais de 20 milhões de residências no Brasil não possuem acesso à internet.

A mesma pesquisa realizada em 2019, revela que 58% da população brasileira têm conexão apenas pelo celular, mas essa proporção chega a 85% nas classes D e E. O uso exclusivo do telefone celular também predomina entre a população preta (65%) e parda (61%), frente a 51% da população branca. Esses dados sugerem que quem estuda em cursos pré-vestibular populares deve ter tido mais dificuldade de acompanhar as aulas online. A ausência de redes de conexão, de computador individual ou até mesmo de um ambiente adequado para se concentrar são alguns dos desafios que esses estudantes estão tendo que enfrentar.

Os preparatórios populares surgiram no final dos anos 1990 como uma ferramenta de combate às desigualdades educativas que existem no Brasil até hoje. Em 2020, já são aproximadamente 2 mil projetos espalhados pelo país, e, no Rio Grande do Sul, são mais de 10 entre a Capital e a Região Metropolitana. As vagas variam de 20 a 240 inscritos — como é o caso do Projeto de Extensão da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). As aulas nessas instituições são ministradas por professores voluntários que já concluíram ou estão com um curso em andamento. Os alunos são selecionados por meio de avaliação socioeconômica e, em sua maioria, são de baixa renda e de escola pública, ou bolsistas de escolas particulares.

As equipes pedagógicas dos cursinhos vêm tentando manter os alunos motivados na rotina de estudos apesar das dificuldades, se disponibilizando a auxiliar e conversar principalmente com aqueles em situação mais vulnerável. Os celulares têm sido aliados neste período, já que são o meio mais fácil de comunicação, se tornaram úteis para tirar as dúvidas das turmas e também para a disponibilização dos materiais. Quanto às atividades, foram feitas modificações para que ficassem adequadas à realidade individual de cada vestibulando. Um exemplo foi a reformulação dos materiais de forma que consumissem menor número de dados móveis e espaço do dispositivo.

”É difícil estudar em casa, porque qualquer barulho já desconcentra e a internet não é muito boa pra assistir vídeos”, diz Paola Brandão, de 19 anos, aluna do Projeto Educacional Alternativa Cidadã (PEAC), de Viamão, que está oferecendo as aulas online. “Mas ainda sim acho necessário ter as vacinas para voltarem as aulas”, complementa. O momento atual exige adaptação, contudo, não tem sido fácil para todos manter o mesmo ritmo desde o início do ano. A professora Larissa Roldão, além de no PEAC, também dá aulas de redação em um cursinho privado. Ela conta que mais de uma vez, em meio às discussões da disciplina, os alunos das duas instituições desabafam sobre como as situações individuais estão afetando o cronograma de estudos. “Como a gente vai motivar os alunos se também estamos muito cansados?”, diz ela a respeito da jornada de trabalho dos professores ,que, mesmo sendo online, é bastante exaustiva.

As regras do ensino a distância no Estado

No Rio Grande do Sul, as aulas presenciais das redes pública e privada foram, primeiramente, suspensas por 15 dias em março após a confirmação da presença do coronavírus no Estado. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) precisou implementar um plano de ações para dar continuidade ao ano letivo já iniciado. O governador Eduardo Leite apresentou, em Maio, um sistema de distanciamento controlado, que consiste em quatro estágios de controle traduzidos em bandeiras: amarela, laranja, vermelha e preta. As bandeiras amarela e laranja possibilitam flexibilização, vermelha e preta demandam mais restrições, e o status muda semanalmente de acordo com o comportamento do vírus na região. “A quarentena tem sido bem tensa. Quanto ao Enem, venho pensando até em desistir, tenho medo de passar mal na hora da prova e não sei se me sinto preparada pra passar cinco horas dentro de uma sala sem conseguir respirar direito (por conta da máscara)”, diz a estudante Nathalia Torres, 20 anos, de Alvorada.

As instituições de ensino gaúchas foram forçadas a aderir ao ensino remoto, criando atividades no ambiente digital que não perdessem muito em relação ao que era oferecido nas salas de aula convencionais. Foi necessário também um processo de adaptação de professores e alunos a esse novo formato. O contato diário em sala de aula permite que o professor tenha um olhar mais individualizado para cada aluno, o que influencia diretamente no aprendizado. Atualmente, tem sido um desafio identificar os pontos fracos de cada um. “Estudar em casa tem sido horrível pra mim. Eu sempre precisei de um contato maior com o professor pra conseguir entender as matérias — em especial as de exatas — por ter mais facilidade de tirar a dúvida na hora, de poder perguntar e o professor compreender”, desabafa Ana Mantelli, 19 anos, que pretende cursar Direito e estuda através de videoaulas da internet.

Ítalo Pereira, professor do Pré-Vestibular Popular de Porto Alegre Dandara dos Palmares, diz que os problemas do momento não se restringem à preparação para as provas de ENEM e vestibulares, mas há também o fato de que muitos dos alunos e professores perderam emprego ou estágio e têm enfrentado dificuldades financeiras, ocasionando a evasão. “A pandemia que a gente enfrenta abriu brechas para algo que representa um ataque muito grande para a educação como um todo, que é a ideia de transformar a educação pública em um modelo a distância, o que seria danoso aos que não dispõem de ferramentas a mão para frequentá-lo”, diz Ítalo, se referindo à precarização do ensino caso o EAD se torne uma realidade a longo prazo. Enquanto não existe a vacina contra o coronavírus, os cursinhos populares tentam se adaptar às condições impostas e estão organizando seus cronogramas de uma forma que possam preparar seus alunos da melhor maneira possível até as datas de aplicação das provas.

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Nicole Santos
Caminhos em Rede

Estudante de jornalismo pela UFRGS. Curiosa, inquieta e palestrinha.