Saúde

Erradicando a informação

Como a desinformação está comprometendo a cobertura vacinal no Brasil e colocando vidas em risco

Laíse Jergensen
Caminhos em Rede

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Unsplash/Charles Deluvio

Durante a pandemia de COVID-19, o distanciamento social, o medo de sair de casa e as restrições no comércio e no transporte público estão fazendo com que diversos países registrem grandes quedas na cobertura vacinal da população. Mas será que a queda nas taxas de vacinação é uma novidade no Brasil?

Anteriormente à pandemia, em 2019, 800 mil crianças brasileiras não foram vacinadas com a DTaP, imunizante que protege os pequenos da difteria, do tétano e da coqueluche, e, no mesmo ano, pela primeira vez no século, o país não alcançou nenhuma das suas metas anuais das principais vacinas para crianças de até um ano de idade. Além disso, o Brasil tem enfrentado surtos recorrentes de sarampo desde 2018, o que fez com que o país, inclusive, perdesse o certificado de erradicação da doença.

Diversos estudos já relacionam esses retrocessos nas taxas de cobertura vacinal com a desinformação, ou seja, com informações falsas ou que induzem ao erro e que têm afetado a confiança da população na imunização. Uma pesquisa encomendada pela Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, realizada pelo Instituto Amostra em novembro de 2019, aponta que 31% dos pais de crianças com vacinas atrasadas no estado disseram já ter lido ou ouvido informações antivacina na internet. O alarme com a situação é tamanho que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a hesitação em vacinação como uma das maiores ameaças para a saúde global.

Ainda que a preocupação das autoridades de saúde com a vacinação não seja restrita ao período de pandemia de COVID-19, a angústia dos indivíduos relacionada à doença intensificou o debate público sobre vacinação e, por consequência, ocasionou o aumento da quantidade de informações imprecisas e de fake news circulando nas redes sobre o assunto.

Para definir a relação da população com a informação neste período, popularizou-se um termo: a infodemia. A palavra é definida pelo excesso de informações, verdadeiras ou não, que, pela quantidade e velocidade em que se propagam, tornam restrito o acesso a fontes e à confirmação de idoneidade do conteúdo das postagens. Esse cenário agrava ainda mais a relação da desinformação com a não vacinação.

Um risco para todos

É possível ter uma maior dimensão do problema da não vacinação ao compreender que o indivíduo não vacinado não restringe os prejuízos à sua própria saúde. Grávidas, imunodeprimidos e crianças com algumas alergias graves, por exemplo, não podem tomar algumas vacinas. Dessa forma, é necessário que se atinja uma alta taxa de vacinação, para que se forme a chamada imunidade de rebanho, que é muito eficaz para evitar doenças infecciosas nesses indivíduos que eventualmente não possam receber as vacinas.

Além disso, segundo a médica de saúde da família e infectologista Silvana Brito, da rede de saúde pública de Canoas, ainda há uma outra questão para a coletividade, que envolve os gastos e o sistema de saúde públicos: “Na medida em que há falhas na imunização, mais pessoas adoecem, aumentando o risco de internações de pacientes que terão que disputar vagas de leitos com pacientes de doenças não preveníveis, além dos casos de sequelados que precisarão se afastar do trabalho e dependerão de benefícios do INSS”.

O ressurgimento de doenças já erradicadas somadas à pandemia, portanto, pode ter repercussões caóticas. Entre as doenças infecciosas preveníveis com vacinas que mais causam preocupação por sua tendência de reaparecimento estão o sarampo e a poliomielite. Ambas podem causar sintomas graves, deixar sequelas, como a deficiência física, e, inclusive, causar a morte dos infectados.

E a segurança?

Segundo o médico infectologista Luciano Goldani, vice-diretor da Faculdade de Medicina da UFRGS, não há motivos para duvidar da segurança da vacinação. “As vacinas são a maior descoberta até então, em termos científicos, para a melhoria da nossa qualidade de vida.” Ele explica que, para se tornarem seguras, elas passam por estudos, divididos em três partes, que são minuciosamente avaliados pelos órgãos científicos competentes e pelas autoridades públicas. As vacinas licenciadas, como a do sarampo, a da caxumba e a da tuberculose, por exemplo, passaram por essas fases e foram cuidadosamente estudadas. “Então, elas são extremamente seguras e são muito efetivas para evitar as doenças. Não tem cabimento nenhuma manifestação anti-vacina diante das que temos disponíveis atualmente para prevenção de doenças”, diz o médico.

No que diz respeito aos boatos relacionados à futura vacina da COVID-19, o médico tranquiliza: “Não existe a possibilidade de uma vacina não passar por avaliações criteriosas. Quando a vacina for disponibilizada para a população, terá todas as avaliações de segurança e de eficácia. Existem órgãos sérios que estão cuidadosamente avaliando todas essas vacinas, passo a passo”.

Os efeitos colaterais das vacinas, que geram preocupações principalmente nas mães e nos pais de crianças pequenas, entretanto, existem. Eles são chamados de eventos adversos pós-vacinação e geralmente são leves e de curto prazo, como dor no local de aplicação e febre baixa. “Raros são os efeitos colaterais graves, que são notificados e investigados imediatamente e que não se comparam com os efeitos da própria doença”, alerta a infectologista Silvana Brito.

Informação de confiança

Mesmo diante da chamada infodemia, ainda são necessárias informações sobre a vacinação em adultos e crianças, e são recorrentes as dúvidas a respeito da esperada vacina da COVID-19. Neste momento, pode ser desafiador achar informações de confiança. A jornalista Taís Seibt, doutora em Comunicação pela UFRGS, que realiza pesquisas na área de checagem de fatos, aponta alguns indícios para desconfiar de alguma informação. “Um conteúdo que tem vários elementos que estão fazendo um juízo de valor de uma informação é menos adequado para quem está buscando informação de qualidade, pois está sendo dada uma opinião, não uma informação.” Ela recomenda que sempre se desconfie de mensagens muito apelativas, com muitos pontos de exclamação, ou com muitos adjetivos. Taís complementa: “Além da linguagem, que é um importante valor, eu considero principal checar as fontes, de onde vem a informação. Um portal que atribui a informação a fontes sérias, com credibilidade, que tu consigas rastrear de onde foi retirada a informação, tem um conteúdo de mais qualidade. Referências vazias, como ‘ouvi de alguém que trabalha em tal lugar’, não são fontes, não é possível fazer uma consulta”.

A especialista explica que o Whatsapp é uma das principais redes de reprodução de fake news e que isso está relacionado a algumas informações no aplicativo serem quase impossíveis de serem checadas, por serem transmitidas em áudio. Ela aconselha que se evite ao máximo o compartilhamento de conteúdo em áudio. Ainda, a própria imprensa pode colaborar para a desinformação sobre as vacinas. “No caso da COVID-19, a vacina sequer existe e a gente já consegue perceber tanta desinformação em torno dela, muito carregada por influências ideológicas. Elas são chamadas de ‘a vacina chinesa’, ‘a vacina russa’.”, diz a jornalista. Segundo ela, portanto, às vezes o problema não é a informação ser falsa, mas sim carregada de um sentido ideológico. “Em um contexto em que todas as disputas são ideológicas, os adjetivos ‘chinesa’ ou ‘russa’ ajudam sendo um motor de desinformação. A imprensa colabora com isso, porque ela também usa esse tipo de terminologia para se referir à vacina e a outros medicamentos”, comenta a pesquisadora .

Além da checagem e da análise desses elementos nos conteúdos compartilhados nas redes sociais, para solucionar as dúvidas a respeito da idoneidade de algum conteúdo sobre vacinação, os médicos Silvana Brito e Luciano Goldani recomendam algumas fontes de confiança. Entre elas estão o site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o site da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), além do site do Ministério da Saúde.

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