Educação

Futuros interrompidos

Dos cerca de 16 mil estudantes brasileiros nos Estados Unidos, aqueles que ainda se encontram no Brasil têm sua oportunidade de estudos no exterior ameaçada pela COVID-19 e pelas restrições de viagens impostas pelo governo norte-americano

Natália Willhelm Heguaburu
Caminhos em Rede

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Campus da Universidade da Califórnia- Berkeley, sétimo destino mais procurado entre estudantes brasileiros, antes da pandemia do COVID-19 Foto: Pixabay/ Bishnu Sarangi

Em meados de março, ainda no início da pandemia da COVID-19, escolas e universidades no mundo todo fecharam suas portas na tentativa de conter a transmissão do vírus. Nos Estados Unidos, não foi diferente. As universidades optaram por não permitir o retorno dos estudantes para os campi depois do “spring break” — as famosas férias de primavera que ocorrem, normalmente, na terceira semana de março. O sistema de ensino passou para o modelo online, e os estudantes puderam finalizar o semestre de suas casas. Contudo, para muitos estudantes estrangeiros, a transição não foi simples. Com as aulas ocorrendo de maneira remota e, diante da impossibilidade de permanecerem nas residências estudantis, a maioria dos 16 mil estudantes brasileiros nos Estados Unidos optou por regressar ao país de origem. O WeTheForeigners, movimento criado por estudantes brasileiros, estima que cerca de 10 mil estudantes retornam ao Brasil durante a pandemia.

O plano dos estudantes era retornar para o território norte-americano no início do próximo período letivo — que no Hemisfério Norte ocorre, geralmente, entre a última semana de agosto e as primeiras semanas de setembro. Todavia a situação se complicou ainda mais quando, no dia 24 de maio, o governo estadunidense de Donald Trump anunciou a proibição da entrada de viajantes que tivessem passado pelo Brasil nos 14 dias antes de chegar aos Estados Unidos. Não somente turistas, mas estudantes também foram barrados de entrar no território norte-americano.

Em agosto, com o novo ano letivo se aproximando e as aulas na maioria das universidades voltando ao sistema presencial, os estudantes brasileiros permaneciam impossibilitados de entrar no país para retomar os cursos de graduação. As restrições a estudantes europeus já haviam sido flexibilizadas após negociações entre o governo Trump e os governos dos países da União Europeia e Reino Unido. Os alunos brasileiros exigiam a mesma postura por parte do governo brasileiro e do Ministério das Relações Exteriores. Contudo, apesar dos protestos nas redes sociais e das tentativas de contato com o governo brasileiro por parte dos universitários, não houve negociação entre os países, e os estudantes brasileiros permaneceram sem respostas.

O movimento criado por cerca de 200 estudantes brasileiros pede a flexibilização das restrições de viagem para o visto de estudo Fonte: Reprodução

Diante da falta de representatividade por parte do Itamaraty, um grupo de universitários brasileiros criou o WeTheForeigners — com a tradução literal para o português de “Nós, os estrangeiros” — um movimento dedicado a advogar pela causa dos alunos internacionais. O movimento ganhou visibilidade, e atualmente conta com mais de cinco mil seguidores em seu perfil no Instagram além de mais de 91 mil assinaturas na petição que pede pelo fim das restrições de viagens para todos os estudantes internacionais. O movimento tentou diversas vezes, sem sucesso, contato com o Itamaraty, que afirmou não poder interferir nas políticas imigratórias de outro país.

Mariana Vignoli, 21 anos, estudante e atleta de natação da University of Nevada Reno, no estado de Nevada, foi uma das participantes do movimento. Ela conta que apesar de WeTheForeigners não ter alcançado seu maior objetivo, que era a flexibilização das restrições de viagens para todos os estudantes internacionais, o movimento trouxe visibilidade para a causa.

“Muita ansiedade e uma frustração enorme”

Mark Plotyczer

“Realmente a situação é bem delicada” conta Mark Plotyczer, brasileiro e diretor da Tie Break, agência de assessoria para estudantes-atletas que buscam uma oportunidade de estudo no exterior. Segundo ele, atletas que se preparam durante anos para a chance de conquistar uma bolsa de estudos no ensino norte-americano se veem impossibilitados de continuar suas jornadas da maneira esperada. “Os impactos vão além da parte acadêmica”, salienta Plotyczer, “muitos têm reportado dificuldades imensas na parte emocional. Muita ansiedade e uma frustação enorme”.

“Infelizmente não pude ter minha formatura porque tive que voltar às pressas no dia 16 de março e, desde então, sigo no Brasil”

Rebecca Candido

Rebecca Candido atua pelo time de voleibol de Clarendon College (TX) Arquivo pessoal/ Reprodução

Rebecca Candido, 20 anos, é uma entre os milhares de estudantes que tiveram — e ainda tem — seu sonho de obter um diploma norte-americano ameaçado. “Infelizmente não pude ter minha formatura porque tive que voltar às pressas no dia 16 de março e, desde então, sigo no Brasil.” Natural do Rio de Janeiro, Rebecca cursou os primeiros quatro semestres da faculdade — no oeste do estado do Texas em uma junior college, que são instituições de ensino que oferecem somente os dois primeiros anos da graduação. Rebecca também fez parte do time de voleibol da faculdade. Ela terminaria o college em maio deste ano, quando tinha planos de se transferir para outra universidade para finalizar seu bacharelado. “Então esse seria meu primeiro ano em Oklahoma Panhandle State University”, conta a estudante, “eu tenho bolsa atleta pelo vôlei, e fui a única do meu time que não pôde voltar por conta da COVID-19”.

A “Daqui Pra Fora”, agência de consultoria que prepara estudantes para o ingresso em universidades no exterior, afirma que a expectativa da empresa é de que a situação se normalize ainda este ano e que seus agenciados possam retornar às universidades em 2021. Segundo a agência, nenhum dos estudantes perdeu a vaga nas universidades americanas, contudo a maioria dos alunos que optou por regressar ao Brasil no período de pandemia permanece no país, assistindo às aulas de maneira remota.

QUARENTENA NO CARIBE

A alternativa encontrada por aqueles estudantes que já possuíam o visto de estudo foi passar 14 dias — o tempo estabelecido pelo governo americano como ‘quarentena’- em outro país ao qual os EUA não tivessem imposto restrições. O destino escolhido por centenas de estudantes foi o México, mais precisamente Cancun. Apesar de o México ser o décimo país com maior número de casos e já acumular mais de 94 mil mortes por COVID-19, as suas fronteiras permanecem abertas tanto para viajantes brasileiros quanto estadunidenses, tornando-se o destino mais popular para o período de quarentena dos estudantes.

Essa foi a solução encontrada por Marina Amorim, 20 anos, estudante e atleta de natação da Drury University, localizada no estado de Missouri. Nascida em Porto Alegre, Marina retornou ao Brasil logo após o fechamento de sua universidade, ainda em março, permanecendo no país até o mês de outubro aguardando a flexibilização. “Eu estava esperando por aqui”, afirma a gaúcha, que até outubro assistia às aulas de maneira remota apesar de sua universidade estar funcionando no sistema presencial nos EUA. “Mas minha equipe vai começar a competir, então decidi voltar.” Sem poder esperar mais, diante do começo da temporada das competições universitárias, Marina embarcou no dia 14 de outubro para o México, onde cumpriu sua quarentena e, no início de novembro, conseguiu se juntar ao restante da equipe de natação na universidade que começa a competir ainda este ano.

A alternativa de fazer a quarentena em outro país, contudo, é uma opção que poucos estudantes têm condições financeiras de arcar. E o problema não são somente os custos com transporte, alimentação e hospedagem, existe o risco de exposição ao vírus da COVID-19. Por isso, a maioria dos estudantes segue no Brasil.

Até o fechamento desta reportagem, as fronteiras norte-americanas continuavam fechadas para estrangeiros vindos do Brasil. Os consulados e embaixadas estadunidenses no país também estão com os processos de vistos e entrevistas sem previsão de retorno.

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