DIREITO ANIMAL

Mais abandono e menos recursos

Organizações de proteção animal precisaram encontrar novos meios de arrecadações e formas de lidar com o crescimento do número de pets nos abrigos

Oberdan Schumann
Caminhos em Rede

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A pandemia de Covid-19 causou mudanças significativas para ONG’s que ajudam animais abandonados no Rio Grande do Sul. Embora não existam números oficiais, as entidades percebem que o número de abandonos cresceu, mas o número de adoções também registrou aumento. A crise financeira afetou as principais fontes de renda que sustentam esses projetos e os obrigou a buscar novas formas de bancar custos como internações, alimentos e vacinas. Os desafios não param por aí: como aos poucos as pessoas estão retornando às atividades e saindo de casa, uma possível nova alta nos casos de abandono preocupa as entidades.

A crise financeira que assola o país foi a principal dificuldade encontrada pelas fundações. Entre organizações menores e maiores, os custos mensais variam de R$ 5 mil até R$ 20 mil. Grande parte dos fundos arrecadados anualmente vem de doações e de venda de produtos. Existe também o sistema de apadrinhamento, no qual as pessoas contribuem mensalmente com um valor tornando-se “dindos” dos animais. Houve uma queda brusca em todas essas fontes de renda, e o aumento de casos de abandono resultou em dívidas para as clínicas veterinárias por conta do alto número de internações.

O cenário mais difícil foi durante os meses de março, abril e maio, quando a pandemia começou e a incerteza do momento limitou o trabalho dos voluntários, que foram obrigados a buscar formas de contornar a crise, como afirma Patrícia Hennemann, da ONG Focinho Amigo de Nova Petrópolis, cidade na Serra Gaúcha.

“No início da pandemia ficamos muito assustados, não sabíamos o que esperar. A apreensão tomou conta do grupo, pois estávamos prestes a iniciar a arrumação de mais um bazar brechó.”, comenta Patrícia. “Os bazares são nossa maior fonte de renda. Com o dinheiro arrecadado podemos nos manter por alguns meses. Em um primeiro momento ficamos alertas pois sabíamos que tempos difíceis viriam”. A solução encontrada para o problema foram as campanhas em redes sociais, que mobilizaram a população da cidade, de aproximadamente 20 mil habitantes. “Ficamos muito felizes pois este modelo funcionou. A comunidade em geral entendeu que era a hora de ajudar a Associação Focinho Amigo. Recebemos doações em dinheiro e pessoas abriram as portas das suas casas para se tornarem lares temporários para os nossos cães e gatos, diminuindo assim bastante o valor com hospedagem em clínicas veterinárias”, conta a voluntária. A entidade não recolhe animais e nem mantém abrigos pois acredita que a responsabilidade pelo bem estar dos pets é de todos.

O aumento na disponibilidade de pessoas que ofereceram suas casas como lar temporário para os pets é apontado também por Luiza Hoffmann Franckowiak, voluntária e veterinária responsável pelo projeto “SOS Animais da Vila Nazaré” de Porto Alegre, como principal fator positivo desse período: “Todos os animais que a gente tirou da Vila, que hoje somam por volta de 350, a gente conseguiu também com adoções diretas mas a maioria dos casos foi com pessoas que se ofereceram para ser lar temporário”. Os lares temporários consistem em pessoas que cedem suas casas a um animal durante o período em que a ONG busca um lugar definitivo para ele. Quem está hospedando o bichinho pode dividir custos, encaminhar vacinas e ajudar na divulgação para a adoção dele.

Outro ponto favorável para as ONG’s foi o maior tempo para aprimorar questões internas. O fato de estarem reclusos nesse período fez com que algumas instituições inclusive aperfeiçoassem o processo de adoção, como o Santuário Voz Animal, de Eldorado do Sul, cidade a 12 quilômetros de Porto Alegre: “Elaboramos documentos, o passo a passo e o método de uma adoção responsável durante esse período, então a gente tem o pré adoção, o momento da adoção e o pós adoção muito bem organizado hoje por que a gente teve tempo pra fazer isso”, afirma Fernanda Ellwanger de Lima, idealizadora e fundadora do projeto que abriga atualmente mais de 300 animais.

Preocupação com o futuro

A elevação nas adoções é comemorada com mais cautela pelas organizações. Isso porque os principais motivos para essa alta são considerados temporários: o sentimento de solidão durante a quarentena e a maior disponibilidade e tempo para cuidar dos animais. O medo é que parte dessas adoções tenha sido impulsiva e que, com a volta das atividades presenciais, muitos dos donos tenham que deixar os animais de lado e por consequência os abandonem. Pensando nesse cenário, as ONGs criaram métodos mais rígidos para a adoção, observando principalmente a condição em que o pet viveria após a pandemia.

“A gente esteve muito atento a pessoa ter condição de cuidar do animal mesmo quando acabar a pandemia, mesmo quando ela voltar à rotina. A gente não doa animais para quem vai ficar o dia inteiro fora de casa depois da pandemia, por exemplo. Tivemos muito cuidado em relação a isso. Mas o impulso de adotar aconteceu bastante durante esse período”, comenta Fernanda.

Entre as principais medidas tomadas pelas organizações para garantir uma adoção responsável se destacam as entrevistas e questionários mais detalhados. As conversas mais relevantes com os possíveis donos são sobre as responsabilidades que um pet exige, como vacinas, castração e a constante disponibilidade com suas necessidades. São feitas também visitas pré e pós-adoção seguindo os protocolos de saúde nas quais se avalia principalmente o bem-estar do animal e as condições do lugar por ele habitado.

A questão financeira segue sendo um problema para as ONG’s, mas o aumento recente no número de padrinhos e a adaptação nos novos modelos criados para arrecadações que incluem campanhas virtuais e vaquinhas causam otimismo para os voluntários e pessoas responsáveis pelos projetos. Por hora, o número de abandonos também está estagnado, aliviando as despesas. O momento é de respiro, mas não de descanso. E assim será nos próximos meses, enquanto a indefinição sobre a pandemia continua pelo mundo.

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