Economia

O impresso resiste

Em meio à crise ocasionada pelo novo coronavírus, os jornais impressos do interior do Rio Grande do Sul sofrem com as consequências da pandemia e tentam sobreviver

Carolina Dill
Caminhos em Rede

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Jornais impressos do interior do Rio Grande do Sul vêm enfrentando desafios em meio à pandemia da Covid-19. Foto: Karolina Grabowska/Pixabey

Em tempos de incertezas em meio à pandemia da Covid-19, a produção de notícias é fundamental para a população que precisa se informar sobre a crítica situação que atinge diversos setores e pessoas. Nesse sentido, uma pesquisa do Datafolha de 2020 apontou que o jornal impresso é visto pela população brasileira como um dos meios de comunicação mais confiáveis para se informar sobre o período, junto à televisão. No entanto, os veículos de comunicação impressos do interior do Rio Grande do Sul vêm enfrentando diversos desafios para se manterem atuantes na realização do seu compromisso com as suas cidades e regiões durante a crise.

Há mais de duas décadas, com o aumento do uso da internet e o advento das novas mídias digitais, houve uma diminuição significativa na tiragem de importantes jornais impressos do estado e perda de investimentos em publicidade. A crise vigente ocasionou um declínio ainda mais significativo. Com o fechamento do comércio e serviços nas pequenas cidades, muitos jornais se viram com as alternativas de receita restringidas. Eládio Dios Vieira da Cunha, presidente da Associação dos Diários do Interior do Rio Grande do Sul (ADI-RS) e diretor geral do Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, afirma que a indústria jornalística foi atingida em cheio pela pandemia: desde as ameaças à imprensa, o fato de os assinantes não quererem receber o papel em casa por medo de contaminação. Mas a situação se agravou, principalmente, com a diminuição das publicidades por parte do comércio e serviços das cidades em geral.

De acordo com Eládio Dios Vieira da Cunha, alguns jornais tiveram mais de 50% de queda na receita de publicidade. Em consequência, houve uma redução do número de páginas nas edições para economizar mão de obra e papel. Alguns jornais também diminuíram a periodicidade, eliminando edições ao longo da semana, tornando-se trissemanais ou bissemanais provisoriamente. Esse foi o caso do Jornal Ibiá, da cidade de Montenegro, que vive quase que exclusivamente da publicidade vinda do comércio local. Segundo a diretora geral do jornal, a jornalista Maria Luiza Szulczewski, o Ibiá passou por dificuldades financeiras que culminaram na redução de despesas e pessoal. “A gente já vinha num processo de reestruturação, ficamos realmente com o essencial. Principalmente, com a parte de produção de conteúdo, que a gente manteve intacta. Nos outros setores, fomos forçados a reduzir alguma coisa”, conta a jornalista. Dentre as reduções que precisaram ser feitas, está a diminuição da circulação do jornal, que no período anterior à pandemia tinha cinco edições durante a semana, mas agora precisou diminuir para três.

Maria Luiza também comenta que já faz alguns anos que o jornal vem percebendo as reduções do número de assinantes e circulação. O período da pandemia, entretanto, está sendo utilizado para trabalhar mais forte na produção de conteúdo para o Facebook, Instagram e para o portal virtual de notícias do Jornal Ibiá. Dessa forma, o jornal também intensificou a procura por anunciantes para essas mídias digitais. “Quem ainda sustenta o jornal é o impresso, mas a gente sabe que as empresas vêm migrando muito para as redes sociais”, ela sinaliza.

Um exemplo de migração completa para o digital foi o jornal Integração da Serra, de Bento Gonçalves. Antes da crise, o jornal quinzenal vinha realizando uma reestruturação nas redes sociais. Com a pandemia do novo coronavírus, a saída vista para se manter financeiramente ativo foi cancelar a versão impressa e ficar exclusivamente no online. De acordo com o jornalista do Integração da Serra, Rodrigo De Marco, ainda não há previsões de retorno para o impresso em curto ou médio prazo, apesar da retomada ser um desejo.

Tanto o Jornal Ibiá quanto o jornal Integração da Serra perceberam o acréscimo no número de leitores e seguidores nas plataformas digitais. Mas a experiência do jornal A Gazeta de Alegrete foi diferente. O jornal que já vinha enfrentando dificuldades financeiras precisou cancelar o portal de notícias online, já que não vinha recebendo retorno. A publicação impressa, que já chegou a ter dez funcionários trabalhando na redação, agora se mantém com apenas três. Lilia Ricciardi, proprietária da Gazeta de Alegrete, tem como último suspiro de esperança para continuação de sua empresa o período das eleições para movimentação de conteúdos e de dinheiro. Com a pandemia e a recomendação do distanciamento social, foi necessário parar com o carro chefe do jornal, a criação de cadernos especiais para datas comemorativas, como dia das mães, ou dia do gaúcho. O jornal é o mais antigo do estado, circulando desde 1882, e terceiro mais antigo do país, contudo, apesar da carga histórica, o veículo corre sérios riscos de fechamento. “Não sabemos até quando vamos conseguir ir dessa forma”, lamenta a proprietária.

Auxílios externos

Em abril, o Google anunciou um fundo de investimentos voltado para pequenos e médios jornais regionais que foram afetados economicamente pela crise do coronavírus, o chamado “Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo”. No Rio Grande do Sul, os escolhidos foram o jornal Integração da Serra e o Grupo Matinal Jornalismo, da cidade de Porto Alegre. Para o jornalista Rodrigo De Marco, do Integração, esse apoio foi fundamental para lidar com o período.

Após a inscrição para o recebimento, o jornal precisou cumprir uma série de etapas para que a plataforma efetivasse a escolha. Segundo ele, a equipe se sentiu valorizada e o apoio vindo de fora fomentou a repercussão, a visibilidade e a divulgação do jornal.

Além disso, outro ponto que foi determinante para a continuidade do trabalho de muitos veículos impressos foi o auxílio do Governo Federal, através da Medida Provisória (MP) 936. A partir dela, o governo assumiu parte dos salários dos funcionários dos jornais e de outras empresas. De acordo com Vieira da Cunha, presidente da ADI-RS, esse auxílio possibilitou aliviar as tensões dos caixas das empresas jornalísticas. A medida estabeleceu alguns compromissos como a estabilidade do emprego e acabou segurando demissões. “Como a mão de obra é um dos principais custos da nossa indústria, isso deu uma ‘mão’ para todos os jornais”, explica.

O Jornal Ibiá de Montenegro foi outra empresa que utilizou o recurso para poder manter seus funcionários. Para Maria Luiza Szulczewski, se não fossem os programas do governo, o jornal não teria sobrevivido. “Foram esses programas que nos ajudaram a superar”, afirma a diretora-geral do Ibiá.

A importância do jornalismo local na pandemia

A cobertura jornalística do Jornal Ibiá segue normal. As portas das redações estão fechadas. Os repórteres estão trabalhando de suas casas, as entrevistas seguem sendo feitas por telefone, plataformas de vídeo e WhatsApp. Essa tendência seguiu na maioria dos jornais impressos do interior do estado. Para a diretora-geral, o Ibiá está conseguindo suprir bem a informação. “A comunicação, a imprensa foi considerada serviço essencial, então a gente não deixou de trabalhar”, afirma. “Estamos conseguimos fornecer à população as informações essenciais.” Montenegro e outras cidades do interior possuem uma série de peculiaridades. Para Maria Luiza, no período da pandemia, noticiar os casos e as mortes da cidade fez com que as pessoas tivessem mais atenção ao jornalismo local. “Uma coisa é ler um caso lá na Zero Hora ou ver no Jornal Nacional, é longe da gente. Outra coisa é ver sobre alguém de um bairro X que morreu de Covid. Então, a gente tem a tendência de se colocar no lugar das pessoas que a gente conhece”, argumenta.

De Marco comenta que existem quatro jornais na cidade de Bento Gonçalves e, na opinião dele, cada um consegue abraçar a cidade de alguma forma. Vieira da Cunha observa que, no interior, os jornais locais conseguem se aproximar mais das pessoas e criam essa relação íntima com os seus leitores. Portanto, a partir disso, cria-se a confiança e a credibilidade, já que abordam em suas páginas uma série de informações somente sobre aquele lugar. “O que se percebe no interior é que os jornais ainda são preferidos pela grande massa leitora”, acrescenta o presidente da ADI-RS. Para ele, ainda não é possível ter a dimensão de quanto tempo irá demorar para recuperar o espaço perdido, principalmente no que tange o retorno da publicidade paga para os veículos. O que se sabe é que o período é de cautela e que o compromisso com a informação precisa continuar.

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