Educação

Rotina especial

Como famílias e escolas estão se adaptando para conseguir com que alunos com deficiência intelectual tenham aulas

Gabriel Giordani
Caminhos em Rede

--

A pandemia do coronavírus obrigou todas as escolas, professores e alunos a modificar rotinas, métodos de ensino e aprendizado. Por mais que todos estejam passando por dificuldades, famílias que possuem filhos com deficiência intelectual estão tendo que se desdobrar em dois agora. Famílias essas que precisam que seus filhos tenham um acompanhamento mais adequado em escolas especiais ou em colégios convencionais que acolhem esse público. Esses estabelecimentos contam não só com materiais didáticos apropriados, mas também com apoio de profissionais que estabelecem contato físico e emocional específico com esses alunos que, por ventura, possuem mais dificuldades que os demais para realizar as mesmas tarefas.

A Escola Municipal Especial Professor Elyseu Paglioli, no bairro Cristal, em Porto Alegre, atende apenas alunos com deficiência intelectual, transtorno do espectro autista e múltiplas deficiências. Camila Franz, professora do colégio, diz que a principal dificuldade enfrentada com as aulas a distância se dá pelo fato de que toda a comunicação entre professores e alunos precisa passar pelos pais. O problema disso é a falta de familiaridade dos responsáveis com os aplicativos usados para realização das aulas ou envio dos materiais.

Além desse empecilho tecnológico, em alguns casos há o problema financeiro. Não são todas as famílias que têm condições de ter equipamentos para poder deixar a matéria em dia. “É o caso de uma de nossas alunas, que tem linguagem oral bem desenvolvida, a família tem somente um celular e o pai o leva para o trabalho”, cita Camila. Há um nítido problema para os professores de não conseguirem manter um padrão de aulas com todos seus alunos, como o exemplo citado pela professora. Nesse caso, a aluna está recebendo as atividades por email e fazendo as tarefas quando possível.

O planejamento das aulas foi feito pela escola com o acompanhamento dos pais dos alunos, para que pudessem integrar seus contextos familiares, suas dificuldades e demandas nessa nova organização. Os materiais disponibilizados para os alunos são vídeos gravados e adicionados em uma plataforma de ensino. A professora diz que os pais são a extensão da escola. Sem o envolvimento deles, fica muito difícil trabalhar.

Mesmo com esse acompanhamento das famílias, Camila é franca ao assegurar que não nota nenhuma semelhança entre o ensino a distância e o presencial para crianças com deficiência intelectual. O trabalho da educação especial é voltado para o corpo todo, utilizando música, arte, dança, presença, dinâmica. Algo perdido com as aulas em casa.

Hoje, os pais possuem o papel de acompanhamento presencial dos estudos dos filhos, com orientações dos profissionais da escola, dando auxílio para que consigam ver os vídeos produzidos pelos professores. Camila ainda diz que, por mais que as famílias tivessem recursos financeiros para comprar aparelhos eletrônicos de melhor qualidade, não seria suficiente para suprir a forma trabalhada presencialmente.

Com cerca de 130 estudantes, a escola precisou se adequar na pandemia com suas portas fechadas — Foto: Google Maps
Com cerca de 130 estudantes, a escola precisou se adequar na pandemia com suas portas fechadas — Foto: Google Maps

A escola ajuda famílias como a de Deise Souza, mãe de Luísa, de 15 anos, que tem autismo e deficiência intelectual e é estudante da Elyseu. Deise relata os fatores negativos de ter sua filha longe do colégio: “[É um] conjunto de perdas afetivas e emocionais, com a falta do convívio de seus colegas e professores junto à escola”. Tendo que se reinventar todos os dias, Deise mostra como adaptou um ambiente dentro de casa para que sua filha pudesse se sentir confortável e mantivesse o interesse nos conteúdos abordados em aula. “Nesse espaço deixo a disposição uma escrivaninha, quadro negro, canetinha, lápis de cor, de cera, livros, revistas, folha de ofício e seus brinquedos, para que ela sinta a continuidade das atividades escolares, diminuindo essa mudança brusca.” Sua determinação é reconhecível, dando atenção à filha, procurando que ela não perca o foco, sempre estimulando com carinho.

Para Deise, a escola poderia ajudar mais, como, por exemplo, oferecendo uma visita domiciliar de um profissional com conhecimentos necessários de apoio, auxiliando na criação de um espaço agradável à aluna e ajudando no desenvolvimento de algumas atividades. Dessa forma, minimizaria a diferença entre o espaço da escola e o da casa.

Como mais uma prova da importância da escola Elyseu Paglioli, Daiana Reis, mãe do aluno Miguel, de nove anos, diz que o garoto sempre gostou do lugar, até não querendo voltar para casa depois das aulas de vez em quando. Com autismo e deficiência intelectual, Miguel sente a falta que o convívio escolar lhe proporcionava. Agora em casa, a família teve que se adequar às necessidades de aprendizado do pequeno.

Segundo Daiana, é muito mais complicado realizar as tarefas em casa, visto que devem estar dentro do interesse de seu filho. Além disso, o fato de não poder sair de casa piora a situação, gerando estresse e agravando as crises de irritabilidade. Por isso, qualquer mudança de rotina está sendo difícil. Miguel às vezes não aceita as propostas dos materiais devido à sua preferência por outros modelos.

Mesmo com essas dificuldades, Daiana acredita que o papel educador da Elyseu está sendo bem feito, por envolver os pais nas formulações de aulas e materiais, tendo o acordo de quem convive diariamente com os alunos. Segundo ela, a escola fez questão de entender os limites das famílias, o nível de escolaridade dos pais e a falta de experiência dos mesmos para conseguir realizar as tarefas com as crianças. Daiana relata o trabalho que a equipe pedagógica da escola teve ao produzir o material didático, solicitando a aprovação dos responsáveis de cada estudante desde o início da pandemia. “A escola está de parabéns pela sua agilidade e respeito para com a sua comunidade escolar, não esperou pela Smed (Secretaria Municipal de Educação) ou Prefeitura de Porto Alegre”, alega a mãe.

Estudante especial em escola comum

Considerando o quanto é necessária a atenção que as famílias e as equipes pedagógicas devem dar a alunos com deficiência neste contexto de pandemia, como fica o estudante com deficiência que está em uma instituição convencional? Peterson Rossato, 18 anos, aluno com deficiência intelectual da Escola Estadual Cônego de Nadal, no bairro Cavalhada, em Porto Alegre, está tendo aulas pela internet. Peterson cursa o 3º ano do ensino médio e alega que quando precisa, tem ajuda especial dos professores, mas que prefere o desafio de fazer as tarefas sem ajuda.

“Eu gosto de fazer sozinho, prefiro um pouco de dificuldade. Se for muito fácil não tem graça” brinca Peterson. Não há tanta diferença entre o ensino a distância e as aulas convencionais na opinião dele. Ele só sente dificuldade nas aulas de química, mas devido à complexidade do conteúdo em si, não em relação à forma de ensino do professor, visto que seria a mesma cobrança com aulas presenciais. Nas outras matérias entende que está conseguindo se dedicar bem, mesmo com as aulas sendo online.

Em uma escola especial, ou em uma convencional, o certo é que os profissionais da educação e as famílias de alunos com deficiência intelectual tiveram que se reorganizar para que as aulas continuassem ocorrendo na pandemia. E os próprios alunos são os mais exigidos neste novo normal.

--

--