Segurança

Tá olhando o quê?

O lado bom e o lado ruim do uso do celular por policiais militares durante o serviço

Eduardo Borges Ely Rosa
Caminhos em Rede

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Policiais da Brigada Militar usam o aparelho celular durante o serviço. Foto: Eduardo Ely

Flagrar um empresário, um advogado, um frentista ou ainda um médico se distraindo com o celular é algo tão normal e corriqueiro que passa despercebido pelo olhar já acostumado da maioria da população. Agora, ver um policial militar com a cabeça baixa compenetrado no aparelho causa uma certa estranheza.

Repleto de ferramentas, plataformas e aplicativos que auxiliam e impactam no dia a dia das pessoas, o celular tornou-se essencial e indispensável no mundo globalizado em que vivemos. Tão presente e atuante nas relações sociais, o uso desse aparelho pela classe policial deveria ser algo natural, mas atrelado a isso vem um questionamento: como cuidar da população e do celular simultaneamente? Conciliar ambas as tarefas é como estar em dois lugares ao mesmo tempo, o que, até então, parece impossível.

Tendo como lema de Visão “ser referência em Polícia Ostensiva, reconhecida pela sociedade como uma Instituição moderna, profissional e efetiva, exercendo na plenitude as atividades policiais para proteção do cidadão”, a Brigada Militar do Rio Grande do Sul reconhece a necessidade de acompanhar o avanço tecnológico para desenvolver melhor as atividades referentes à segurança pública. Produto desse desenvolvimento, o celular torna-se, assim, um importante aliado na rotina dos brigadianos.

Celular como ferramenta: o uso correto

Símbolo da convergência de mídias, o celular foi agregando ao longo dos anos diversas funcionalidades. Mesmo com todos os processos de inovação, o aparelho nunca deixou de cumprir o seu papel principal: estabelecer uma rede comunicacional. Sua multifuncionalidade é justamente o que faz do dispositivo uma excelente ferramenta para o uso da polícia, pois favorece a comunicação e otimiza o trabalho dos agentes, permitindo, por exemplo, o acesso virtual a bancos de dados, documentos e sistemas para verificação de placas veiculares, antecedentes criminais e localização de ocorrências policiais em andamento.

Ainda que de forma gradual, o celular vem ganhando destaque e sendo cada vez mais explorado pelos órgãos de segurança. Junto da farda, da arma, do colete e dos demais aparatos, os dispositivos móveis estão tornando-se gradativamente um dos imprescindíveis itens de uso policial.

Brigadiano utilizando o aplicativo BM MOB. Foto: Eduardo Ely

Segundo a Brigada Militar, existem vários sistemas e aplicativos que auxiliam no trabalho policial, dos quais destaca-se o BM MOB, software desenvolvido pela Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul (Procergs), que vem sendo utilizado no atendimento de ocorrências e oferece diversos recursos multimidiáticos, permitindo aos oficiais a captura de imagens, a coleta de áudios e a realização de filmagens, além de informar o local exato dos atendimentos, a partir de um sistema de geolocalização.

Atualmente, em praticamente todo o serviço prestado pelos policiais o celular surge como um facilitador. Seja no suporte aos populares, ou ainda nas ocorrências de trânsito, em cada situação há um site ou um aplicativo que simplifica e auxilia em qualquer que seja o acontecimento. Se antes, para chamar um guincho, era necessária uma ligação, hoje isso pode ser feito através do app RED Móvel, da mesma forma que os boletins, que antes eram feitos no papel para serem posteriormente encaminhados à central, e hoje podem ser realizados pelo BM MOB e disponibilizados no sistema imediatamente, acelerando, assim, os processos burocráticos e práticos da rotina dos patrulheiros.

Os benefícios proporcionados pelo celular e por suas ferramentas, no entanto, não são restritos apenas aos policiais. A interação entre a polícia e a comunidade é mais uma das importantes tarefas aprimoradas pela utilização do aparelho. As redes sociais e as demais plataformas de mensagens, como os grupos de WhatsApp, ampliam e fortalecem as redes de contato entre os órgãos de segurança e a sociedade, é o que constata a major Ana Cláudia, lotada no QG do Comando Geral da Brigada Militar, que diz que o celular mantém um canal de “comunicação e de confiança” entre as autoridades de segurança pública e a população. “No celular a gente recebe muita foto, muito contato. As pessoas se sentem mais à vontade de mandar uma mensagem do que de ligar”, conta Ana Cláudia.

A aparente distração, entretanto, é um ponto negativo da utilização do item. Para a major, que trabalhou diretamente na fiscalização e supervisão do policiamento ostensivo quando era capitã, o celular é uma ferramenta importantíssima e indispensável, mas seu uso requer certa cautela, uma vez que, dependendo do local e da circunstância, utilizar o aparelho “não é o ideal”. “Hoje não tem como não usar o celular”, diz ela, advertindo: “tem que ter um pouco mais de cuidado; tem que ficar com um olho no Xis e outro na Coca”, ­­brinca. Ana conta, ainda, que inclusive já houve casos de punição para PMs flagrados fazendo uso do telefone sem uma justificativa plausível. Mesmo assim, ela acredita que, se for colocar numa balança, o uso do aparelho traz mais benefícios do que prejuízo.

Celular como distração: o uso inadequado

Item que mais atrapalha a produtividade no trabalho segundo pesquisa realizada em 2016 pelo site americano de carreiras CarrerBuilder, o celular traz consigo o estigma negativo de causar a desatenção de seus usuários. Se esse descuido já não é bem visto em ambientes empresariais, gera ainda mais desconforto em relação aos guardas, vistos como exemplo de postura e comportamento perante a sociedade. A distração policial relacionada ao uso do celular causa, não só uma má impressão, como também a sensação de insegurança por parte dos cidadãos.

Em dois dias seguidos, em ambas as vezes enquanto andava de bicicleta, o estudante de jornalismo Gustavo Pinheiro se deparou com policiais militares fazendo uso do celular. Na primeira vez, quando flagrou três policias entretidos olhando para um mesmo aparelho telefônico, o estudante estranhou e preocupou-se com a cena. “Eu tive a impressão de que eles não estavam prestando muito a atenção no serviço, foi um tempo pequeno em que eu passei por onde eles estavam, mas igual, esse tempo pequeno também faz a diferença numa área de atuação bem complicada como a deles”, pondera Gustavo. Já na segunda vez que viu os agentes usando o dispositivo, o estudante teve uma impressão distinta e comentou que os brigadianos pareciam fazer algo relacionado ao trabalho. Muito embora em ambas as ocasiões não tenha conseguido ver o que os PMs faziam no celular, Gustavo disse que, no segundo dia, os oficiais estavam “mais sérios” comparado àqueles flagrados no primeiro dia, que aparentavam estar “descontraídos”.

Para a fotógrafa Alina Souza, do jornal Correio do Povo, que trabalha constantemente nas ruas de Porto Alegre, avistar policias ao telefone é algo bastante comum. “É bem normal vê-los utilizando celular em ocorrências, seja para envio de mensagens e ligações, seja como ferramenta multimídia através da qual são feitos vídeos e fotografias dos crimes”, diz Alina, que também conta que certa vez precisou aguardar um policial parar de usar o celular para poder fotografá-lo. “Tive de esperá-lo parar de digitar do celular. Ficaria estranho colocar a foto de um policial mexendo no celular para matéria sobre segurança pública”, relata ela.

Avaliando a utilização do dispositivo pelos brigadianos, a fotojornalista considera que o uso do aparelho tem sua relevância. “Não é de todo ruim. Porque é preciso a comunicação neste tipo de serviço.” Por outro lado, entende que o acesso ao telefone pode contribuir para a desatenção dos militares estaduais, o que é prejudicial. “vejo problema pois um celular desvia a atenção de um profissional”, finaliza.

A facilidade do acesso às redes sociais e aos aplicativos de mensagens instantâneas, além das tantas outras funcionalidades do celular, pode sim contribuir para a distração dos policiais em serviço, mas possibilita ampliação de conexões com outros policiais militares e também com a comunidade local, é o que diz a Assessoria de Comunicação da Brigada Militar. “A disciplina pessoal e a orientação do Comando-Geral vão no sentido de proteção e segurança do policial em primeiro lugar, cabe a ele avaliar aspectos de conveniência para utilização e consulta.”, conclui a BM.

Mesmo que pareça, o uso do celular pelos policiais não os coloca em outra dimensão. O manuseio do aparelho pelos agentes de segurança durante o trabalho amplia os horizontes da atuação policial, e tudo isso, ainda que seja feito pela tela do dispositivo, ocorre no mundo real, e repercute tão somente nele.

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