Saúde Mental

Valorizar para prevenir

Conheça a política pública que tem feito a pequena cidade de Osório, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, se tornar referência de combate ao suicídio no Estado

Marieli Lapinski
Caminhos em Rede

--

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é uma das questões de saúde pública mais preocupantes em todo o mundo, já que se trata da segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos e a terceira em pessoas entre 15 e 35 anos. Os comportamentos autolesivos e as tentativas de suicídio nessas faixas etárias, apesar de ainda subnotificados, são preocupantes, representando alguns dos principais fatores de risco que podem levar ao suicídio.

Dados da OMS indicam, ainda, que as taxas de suicídio aumentaram 60% nos últimos 45 anos, sobretudo nos países em desenvolvimento. Todos os anos, ocorrem cerca de 1 milhão de suicídios no mundo. Atualmente, o Brasil é o oitavo país em número absoluto.

Entre os estados do país, o Rio Grande do Sul é o que registra a maior taxa relativa (por cem mil habitantes) de suicídios, que tem sido até duas vezes maior que a taxa brasileira, o que representa uma média de três vítimas a cada dia. Em 2016, de acordo com o Mapa da Violência, dentre as 20 cidades com maiores taxas do Brasil, 11 eram gaúchas. Osório, com pouco mais de 40 mil habitantes, no Litoral Norte, ocupava a 19ª posição.

Diante do crescente número de casos e considerando a recomendação da OMS para que os Estados-Membros desenvolvam diretrizes e estratégias de prevenção do suicídio, em abril de 2019 o município implantou, através da Secretaria Municipal de Saúde, a Política Municipal de Saúde em Promoção da Vida, Prevenção e Posvenção em Comportamento Suicida, sendo a cidade pioneira desta ação no estado. A partir dessa política, criou-se também o Comitê Municipal de Valorização da Vida, Prevenção e Posvenção do Comportamento Suicida e Autolesivo de Osório, responsável por manter uma rede intersetorial que atua no município no combate ao suicídio e a doenças relacionadas à saúde mental.

A psicóloga Silvana de Oliveira, que representa o Centro de Referência da Assistência Social de Osório (Cras) no Comitê, reforça a importância dessa temática ter se tornado uma política pública do município: “Isso faz com que não seja um projeto situacional. Quando se constrói uma política, seja ela nacional, estadual ou, neste caso, municipal, ela passa a fazer parte das preocupações do município independente da gestão governamental, ela ganha um espaço mais permanente”, afirma a profissional.

Estudos da Sociedade Brasileira de Psicologia apontam que cerca de 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais, principalmente a depressão, e que até 60% das vítimas nunca consultaram um profissional de saúde mental. Falar sobre depressão ainda é um grande tabu e, muitas vezes, devido ao preconceito, as pessoas demoram muito ou até deixam de buscar ajuda.

Silvana cita a atuação desta rede intersetorial no auxílio ao acesso a tratamentos psicossociais pela população de Osório: “A ideia de ter uma rede e um comitê é justamente para que em qualquer ponto a gente faça o encaminhamento correto”. Hoje existe um fluxo que faz com que em qualquer lugar da rede que a pessoa chegue buscando ajuda ela possa ser encaminhada para rede de saúde, em especial para o serviço especializado. “Se ela vier ao Cras, se chegar no conselho tutelar, na rede de direitos, na rede escolar, será encaminhada para receber atendimento e vai ser dada essa atenção especial em função de uma situação que possa envolver o risco de suicídio”, comenta a psicóloga. Em meio à pandemia do novo coronavirus, esta atenção tem se concentrado também nas redes sociais do Comitê de Prevenção ao Suicídio, onde a pessoa que esteja em sofrimento pode entrar em contato para receber auxílio.

O atendimento especializado em saúde mental, por sua vez, ocorre no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Casa Aberta de Osório, que conta com uma equipe composta por diversos profissionais como psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiras, terapeutas, estagiários, entre outros. A assistente social e coordenadora do Caps, que também integra o Comitê,MariluciFofonka, explica que os pacientes chegam por diversos meios e em diferentes situações e são direcionados para o tratamento que melhor se adequa ao seu caso.

Com o avanço da Pandemia da Covid-19, Mariluci conta que foi preciso se reinventar e estruturar o serviço de acordo com o que era possível, para proteção dos pacientes e profissionais. “Logo no início da pandemia, houve um decreto que suspendia os atendimentos em grupo, nós tínhamos muitos grupos, pacientes que almoçavam conosco, passavam o dia em atividades terapêuticas ou em outros tipos de acompanhamento, e isso tudo foi suspenso.” Ela menciona que, a partir desse período, foi necessário manter os atendimentos individuais para casos mais delicados ou por telefone. “Nós entendemos a necessidade de colocar mais linhas telefônicas de acesso da população ao nosso serviço, então a gente implantou mais um telefone de plantão que tem sido utilizado desde então. Também tivemos uma outra linha adotada para ficar dando assistência aos pacientes que precisavam permanecer em casa, mas que não podiam deixar de ser acompanhados”, adiciona. Até outubro mais de 1900 pessoas já haviam passado pelo Caps Casa Aberta, só no ano de 2020.

Miguel* é um dos pacientes que faz tratamento psicossocial no Caps Osório desde o ano passado. Ele menciona que resolveu buscar ajuda incentivado por amigos e que continuar durante a pandemia tem sido um grande desafio, mas que em nenhum momento pensou em desistir do tratamento. Desde maio ele realiza o acompanhamento principalmente por telefone. “Antes tínhamos muitas atividades em grupo que me faziam muito bem, o que agora já não é possível, além de ser bem mais difícil conversar e se abrir com a psicóloga por telefone, mas mesmo assim tem sido bom ter esse espaço”, conta. Miguel fala ainda sobre a importância de ter apoio de outras pessoas neste período: “É muito bom saber que tem gente lá por mim. A minha família e meus amigos me apoiam e me incentivam desde o começo, quando eu contei que precisava de ajuda, isso é muito legal da parte deles”.

Fonte: freepik.com

A importância da posvenção

O suicídio é um fenômeno que afeta não só a vida da vítima, mas de todos que convivem e estão ao seu redor, que muitas vezes não sabem como agir e carregam um sentimento de culpa.

Por isso é tão importante que haja também uma posvenção, que são as ações de apoio a parentes, amigos e pessoas próximas de vítimas do suicídio, trabalho que tanto o Comitê Municipal de Valorização da Vida, Prevenção e Posvenção do Comportamento Suicida e Autolesivo de Osório quanto o Caps realizam. “Em um dos casos, o Comitê foi até a escola de um dos adolescentes para fazer uma conversa com os professores e colegas, tendo um cuidado de preservar, de não supervalorizar o acontecimento, mas também não omitir”, exemplifica a coordenadora do Caps, Mariluci. “Aqui no Caps, nós fazemos este atendimento de posvenção, mais direcionado às famílias e a quem estava mais diretamente ligado ao caso”, conclui.

Joana* perdeu sua filha vítima de suicídio e tem participado do acolhimento de posvenção do Caps desde então. “Só quem perde um filho sabe a dor que é, principalmente nessa situação. Várias vezes eu pensei em também desistir, mas, graças ao tratamento dos psicólogos de lá (do Caps), eu estou conseguindo aos poucos superar”, relata ela.

Mariluci encerra dizendo: “A prevenção é um papel que sempre cabe, não só ao serviço de saúde mental, mas a todos os serviços de saúde pública, de assistência social, da educação, da própria segurança pública. Que isso possa ser uma causa e um olhar atento de todos”.

Como buscar ajuda?

Capa da página no Facebook do Comitê com informações sobre onde buscar ajuda | Fonte: facebook.com/Comitê-de-Prevenção-do-Suicídio-de-Osório-RS

Fique atento aos sinais que possam indicar transtornos emocionais ou psicológicos.

Se você está em sofrimento ou conhece alguém que precisa de auxílio psicológico, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida pelo telefone 188.

Em Osório, você pode buscar ajuda nos números 3601 3380 e 3601 3350 ou pelas redes sociais do Comitê: @voce.ja.deu.um.abraco.hoje, no Instagram, e pela página Comitê de Prevenção do Suicídio de Osório RS no Facebook.

*Os nomes foram trocados para preservar a identidade das fontes

--

--

Marieli Lapinski
Caminhos em Rede

Jornalista em construção e em formação pela UFRGS.