Aquele hostilidade silenciosa

marcobrasil
Camorumbi
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3 min readJun 1, 2018

Do jeito que me foi narrado, o líder de uma comunidade cristã recebe um convite para conduzir a palavra em outra e, para ilustrar seu discurso sobre a missão da igreja e o que significa o reino de Deus, ele usa exemplos de atuações junto a moradores de rua e prostitutas realizados na sua comunidade. De repente ele é interrompido. Alguns membros da comunidade que está recebendo aquele irmão (pessoas nitidamente comprometidas com certas correntes ideológicas, digamos, prevalentes nas academias das ciências humanas…) o acusam de explorar mulheres em situação de abuso e pessoas em situação de rua para sua autopromoção. O acusam de propagandear essas iniciativas em esforços midiáticos como podcasts e blogs com intuitos egoístas. E a hostilidade é tal e tanta que a mensagem daquele sábado foi encurtada em vinte ou trinta minutos, o rapaz roga uma benção tímida e se retira.

O episódio, por alguma razão, me lembra Caim. O relato bastante sintético do Gênesis (capítulo 4) afirma que tanto Caim como Abel trouxeram sacrifícios a Deus, mas este só aceitou os de Abel. Muitas vezes depositamos nossa ira em alguém que está perto porque ela não alcançaria o seu real originador. Caim odiou seu irmão por um ato de Deus, porque a religião do seu irmão parecia prosperar ao passo que a sua não, porque Deus parecia atender à oração dele e não a sua. Não que odiar a Deus fosse mais acertado ou justificado, mas aqui claramente há uma distorção no objeto da ira. O que Abel havia objetivamente feito a Caim? E, no entanto, ele morreu por isso.

Nossos irmãos da comunidade mencionada no primeiro parágrafo, talvez por apresentarem maior familiaridade com Marx e quejandos do que com o evangelho de Jesus Cristo, reproduzem em certa medida a miopia de Caim, mas no fim das contas eles nos fazem um bem: sua atitude externalizada ilustra bem a profunda hostilidade e beligerância que parece tão comum entre cristãos, sobretudo entre cristãos que comungam sob placas diferentes (e olhe que, no exemplo dado, a placa nem é tão diferente), hostilidade esta que no mais das vezes não é verbalizada. Não se trata, possivelmente, de inveja ou algo do gênero, mas de enxergar um inimigo onde deveria haver um irmão.

Como sempre faço, prefiro olhar para meu próprio umbigo. Tenho despeito, inveja ou rancor de comunidades ou irmãos que parecem ter uma relação mais saudável com Deus do que a minha própria ou que parecem prosperar em suas iniciativas enquanto as minhas apresentam resultados visíveis tão pífios? Tenho ganas de silenciar todo irmão que ostenta uma pregação diferente da minha, ainda que ela não seja biblicamente errada?

Que nenhum pensador brilhante sobre o qual me debruce empane o simples vaticínio dAquele a quem chamo de Mestre: “nisso conhecerão todos que são meus discípulos: se vocês se amarem uns aos outros” (João 13:35). E, se Ele é meu mestre, não posso alimentar aqueles sentimentos dentro de mim.

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marcobrasil
Camorumbi

Cristão, adventista, marido da Tatiana, pai de quatro, advogado, mestrando, são paulino e feliz.