Assim diz o Senhor x Eu acho que

marcobrasil
Camorumbi
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2 min readOct 28, 2016

Praticamente apenas veículos de comunicação cristãos destacaram uma interessante afirmação do papa Francisco no último dia 13. Ele recebia um grupo de mais de mil luteranos e fez uma pequena homilia sobre a importância da união entre luteranos e católicos em frente a uma estátua de Lutero segurando suas famosas 95 teses. Quando uma menina perguntou como deveria se relacionar com seus muitos amigos descrentes, ele disse que ela não deveria falar de sua fé, mas apenas vivê-la, e então afirmou algo como “não é lícito você tentar convencer alguém de sua fé. O evangelismo é o maior veneno contra o ecumenismo”.

O que Lutero acharia disso tudo?

Sem dúvida um pronunciamento bastante curioso vinda de um jesuíta, ordem que historicamente despendeu esforços gigantescos para evangelizar o mundo inteiro, algumas vezes à força.Tanto quanto reportado, ninguém ali protestou contra ela.

Para além de todo o significado profético que afirmações como essa podem guardar, para mim é particularmente interessante dissecar essas frases para enxergar o espírito que as fomenta. Veja, o líder máximo da igreja católica está dizendo que ecumenismo é tão bom que, para alcança-lo, devemos abdicar do evangelismo. Talvez ele queira dizer que no dia em que cristãos abandonarem suas muitas diferenças os descrentes vão voltar a se interessar por religião, não sei, é uma pura especulação (e precisamos ponderar que esse não é o método empregado por Jesus para fazer discípulos). O fato nu e cru é que ele está afirmando que, em nome de uma coisa que nosso suposto mestre em comum, Jesus Cristo, jamais pregou — o ecumenismo, a união religiosa mais ampla — devemos renunciar a algo que Ele positivamente ensinou e, mais que isso, ordenou: vão e façam discípulos de todas as nações.

Desculpem-me meus amigos católicos, que creem no dogma da inerrância papal, mas isso é errado.

Me faz recordar tantas outras leituras enviesadas da Bíblia para acomodar valores que parecem caros à sociedade naquele momento. Quantos cristãos não abdicaram a conceitos óbvios das Escrituras para defender, usando valores supostamente religiosos, pios e “bons”, coisas como a escravidão, o porte de armas, a guerra, o apartheid, a eugenia nazista?

Eu não corro o risco de defender nada disso, mas como sempre, o mais emergencial é refletir no que isso ensina para mim mesmo. Será que, por não querer obedecer mandamentos claros e cristalinos de meu Mestre (como o do perdão universal e incondicional, por exemplo), não tenho colocado outros valores cristãos ou supostamente cristãos na frente? Não tenho relativizado certos comandos de Cristo para alcançar uma agenda que não é a dEle?

Sempre que pego o evangelho e me pergunto “o que Ele realmente quis dizer aqui?” porque o significado óbvio do texto me é desconfortável, estou seguindo outro mestre qualquer. Não Ele.

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marcobrasil
Camorumbi

Cristão, adventista, marido da Tatiana, pai de quatro, advogado, mestrando, são paulino e feliz.