Quem vai construir as pontes?

marcobrasil
Camorumbi
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3 min readAug 10, 2018

Você nunca sabe o que vai encontrar em um banheiro público. Quer dizer, você sabia exatamente o que encontraria até pouco tempo atrás. Esta semana, contudo, levando minha filha ao banheiro do Parque de Convenções do Anhembi, em São Paulo, onde acontece a Bienal Internacional do Livro, encontrei algo totalmente inesperado. Havia pichações, como sempre, mas elas eram de um teor completamente diferente. Só falavam de Lula, Bolsonaro, Sergio Moro e, aqui e ali, o velho e oco símbolo da anarquia. Sim, as pichações de banheiro mudaram radicalmente, e não estão sozinhas: minha timeline de redes sociais é praticamente monomaníaca também, só enfoca política. A Rede Bandeirantes comemora uma audiência bem melhor de seu debate de presidenciáveis ocorrido ontem à noite e um recorde de menções no Twitter, o que reforça o momento extremamente politizado que vivemos. É engraçado. Enquanto as grandes ideologias, morrem, a politização aumenta em lugar de diminuir. Talvez isso tenha mais a dizer de nossa (in)capacidade de comunicação do que de política propriamente dito.

Lendo Bauman, Lipovetski, Giddens, Lash, Beck e outros tradutores de nosso tempo, a unanimidade é que a sociedade é cada vez mais complexa. E não há respostas simples para questões complexas. É nossa nostalgia dos tempos de preto no branco que nos faz rotular as correntes políticas e só admiti-las em bloco, mas o resultado final disso é desencanto, fatalmente. É preciso admitir que o nosso tempo tem que admitir quem seja a favor de políticas sociais inclusivas e ao mesmo tempo contrário ao aborto. Que seja a favor do casamento homossexual e, ao mesmo tempo, da reforma da previdência. A negação da complexidade deságua nesse diálogo de surdos. Todos se apegam a bordões e axiomas como se fossem tábuas em um naufrágio, sem se permitirem escutar os que denunciam essas tábuas como pedaços de aço. Mais do que não escutar, alimentam o ódio por quem prega outro tipo de leitura ou outra ideia de sociedade.

Como um cristão deve se portar em meio a tudo isso? O cristão é cidadão do Reino, aquele que já está entre nós mas ainda não totalmente. Aquele que já existe, mas que aguarda sua instalação indiscutível. Aquele cujas leis e valores já condicionam seus súditos, embora ainda sem circunscrição geográfica inequívoca. Como disse Timothy Keller, “O aspecto ‘já, mas não ainda’ do reino nos afasta, de um lado, das visões utópicas e triunfalistas de domínio cultural e, de outro, do pessimismo ou do distanciamento em relação à sociedade” (A igreja centrada). O cidadão do Reino, portanto, não alimenta grandes esperanças de salvação em qualquer corrente política, mas também não vive como se isso fosse desimportante. Sobretudo, o cristão, que tem a missão de falar do Reino, precisa que a sociedade em que vive seja uma sociedade que admite o diálogo, portanto ele não deve jamais abraçar a radicalização de qualquer discurso e a deslegitimação do outro. Ele precisa lembrar que a missão do Reino se impõe sobre qualquer outro papel que assuma. Por isso não bloqueio os radicais de qualquer espectro minha timeline e, sempre que dá, dialogo. Quem sabe esse exercício não diminui a temperatura das coisas e não atrai um pouco de razão pra conversa?

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marcobrasil
Camorumbi

Cristão, adventista, marido da Tatiana, pai de quatro, advogado, mestrando, são paulino e feliz.