Técnicos capacitados e a linha tênue do poder

Grasiela Gonzaga
campo minado
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5 min readSep 25, 2017
Treino da seleção brasileira. Foto: Studio 1456.

O flag football brasileiro ainda é apenas um bebê, mas a cada ano que passa, cresce mais. Estamos engatinhando ainda, mas os torneios e equipes estão se tornando cada vez mais sérios e disputados, assim como as equipes que a cada dia são maiores e contam com mais membros em suas comissões técnicas.

Por ser uma modalidade nova e com poucos anos de vida em território nacional, ainda existe pouca mão de obra devidamente qualificada para assumir as posições de técnicos. A grande maioria dos técnicos em atividade no Brasil é composta por atletas, ex-atletas e “técnicos” de Futebol Americano. Por que usei aspas? Porque mesmo dentro dessa categoria, existem pouquíssimos profissionais de esporte e educação física.

“Mas eu tenho 10 anos de experiência em Futebol Americano, sei muito mais do que esse educador físico aí que acabou de se formar e não manja nada de FA.” Parabéns pra vc! A questão é que ser técnico não é só aparecer no treino uma vez por semana, passar meia dúzia de drills que você assistiu no YouTube ou que você aprendeu quando era jogador e treinar umas jogadas que você adaptou do seu playbook de Futebol Americano.

O trabalho de um técnico vai muito além disso. Exige planejamento, metodologias e técnicas de ensino, gerenciamento de pessoas e muitos outros quesitos. Os profissionais de educação física estudam 4 anos para tirar uma licença para exercer a profissão, será mesmo que você sabe tanto assim? “Ah, mas eu sei muito mais de futebol americano pela vivência que tive esses anos todos.” Sim, não tenho dúvidas disso, mas já pensou em juntar esse seu conhecimento com um profissional da área? Tenho certeza que você terá muito mais sucesso. Mas enfim, tenho noção de que exigir que todos os técnicos de FA/Flag sejam profissionais de Ed. Física é uma utopia.

Nesses anos todos de Flag Football, tive a oportunidade de trabalhar com técnicos que não são profissionais, mas que sabem muito bem passar o conhecimento que têm e lidar com atletas, assim como também existe muito educador físico incompetente, como em todas as profissões. Conheci e convivi com muitos tipos de técnico. Existe aquele que é o namorado de uma atleta e que vai lá só pra ajudar e dar uma força nos treinos e nos jogos. Tem aquele que já é técnico de outra modalidade e também aparece pra dar uns toques e orientações, mas meio que caiu de paraquedas no Flag e tenta levar como se fosse outro esporte… e, felizmente, cada vez mais tem aquele que de fato se dedica ao título de coach de Flag Football e que estuda a modalidade, está lá em todos os treinos e faz de tudo para tirar o melhor de cada uma de suas atletas, independente do nível de habilidade esportiva que cada uma tem. Esses ainda são a minoria, mas eles estão por aí!

Além de todo o conhecimento tático e técnico, um dos quesitos mais importantes para um treinador é saber gerenciar e lidar com pessoas. Cada pessoa tem uma facilidade ou dificuldade pra aprender algo novo. Cada pessoa reage a críticas, positivas ou negativas de um jeito. Tem gente que só funciona sob pressão. Tem gente que não suporta pressão. Tem gente que só aprende quando leva uma bronca daquelas, já outras não sabem lidar com broncas. Cabe ao treinador ter a sensibilidade de conhecer seus atletas e saber lidar com cada um deles.

“Mas G, onde você quer chegar com esse textão?”

Pra nós, atletas, independente se seu técnico é aquele brother, um profissional de educação física ou o Papa, tenha sempre em mente que ele te deve respeito. Não é normal seu técnico ou sua companheira de equipe te humilhar. Não é normal berrar com vc. Não é normal te xingar porque você não fez o que ele mandou. Não é normal você ser ameaçada, seja do que for. “Mas é impossível ser um lord/lady 100% do tempo. Existem pessoas explosivas. Ele/ela me pediu desculpa depois…”

Sim. Eu mesma sou explosiva, eu mesma já perdi a linha e gritei com companheira de equipe. Acontece. Mas isso não pode ser a REGRA, deve ser a EXCEÇÃO. E sempre que isso acontece, pelo bem do grupo, deve ser conversado, apaziguado, desculpado e se tornar cada vez mais raro. Não deve se repetir.

Apenas tenha em mente que você, atleta/mulher/pessoa, não é obrigada a ouvir desaforo, a passar por humilhação e ser abusada psicologicamente, em público ou não, só porque alguém “sabe mais do que você”. Respeito é respeito. Independente de grau de escolaridade, poder aquisitivo ou posição social. Não é porque alguém é seu superior que tem direito de ser babaca com você ou com qualquer outra pessoa.

Não permita que isso aconteça com você, com sua companheira de equipe ou com qualquer pessoa, próxima ou não. Já ouviu falar sobre empatia? Pratique. Não seja conivente só porque não acontece com você.

“Mas acho que isso faz parte, aconteceu comigo mas não acho que é motivo pra tanto… Eu que não consigo aprender direito, não tenho habilidade, o coach tá fazendo um favor pra gente…”

Vou te fazer algumas perguntas então:

1. Você duvida de si mesma constantemente?
2. Você se pergunta “Eu sou sensível demais?” durante os treinos?
3. Você está sempre pedindo desculpas ao seu técnico e companheiras?
4. Você não entende por que, com tantas coisas aparentemente boas no seu time, você não está mais feliz?
5. Você frequentemente cria desculpas para justificar o comportamento do seu Técnico ou companheiras para seus amigos e sua família (ou até para si mesma)?
6. Você sabe que algo está muito errado, mas nunca consegue expressar exatamente o que, nem para si mesma?
7. Você sente que costumava ser uma pessoa muito diferente — mais confiante, mais divertida e mais relaxada nos treinos e jogos?
8. Você se sente desesperançosa e desanimada?
9. Você sente que não consegue fazer nada certo?
10. Você se pergunta se é uma atleta “boa o suficiente”?

Se você respondeu “sim” a muitas dessas perguntas, talvez você seja vítima de abuso psicológico/moral e tenha um técnico incompetente. Converse com suas companheiras de time e reflita.

E você que é técnico, profissional ou não, olhe pra dentro de si mesmo e também reflita. Talvez você seja abusivo, mas não perceba.

Abuso psicológico não é desculpa pra “personalidade forte”.

Abuso psicológico deve ser RECHAÇADO e punido.

Abuso psicológico NÃO deve fazer parte do flag, de qualquer outro esporte ou da VIDA.

Meu nome é Grasiela, mas no meio do Flag todo mundo me chama de “G”. Tenho… ah deixa a idade pra lá! Já são mais de 7 anos de Flag Football. Ex-atleta, ex-dirigente, ex-water girl. Hoje árbitra e cada vez mais entusiasta do Flag. Ah, pra pagar as contas, sou designer e atualmente estudo UX.

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Grasiela Gonzaga
campo minado

No Flag sou a "G". Já são mais de 7 anos de Flag Football nas costas. Atleta, dirigente, water girl, árbitra e entusiasta pra sempre.