Film room: a criatividade de Shanahan
A defesa do Jacksonville Jaguars está, estatisticamente falando, entre as melhores da história da NFL. Mesmo assim, o ataque liderado por Kyle Shanahan foi quem levou vantagem no confronto do último domingo.
O futebol americano não teve minha atenção habitual no último domingo, dia 24. Como qualquer pessoa normal o faria, passar tempo com a minha família no Natal era mais importante do que ver jogos da NFL durante todo o dia. Assim, presumi que a melhor forma de estar ligado na rodada era a tradicional olhada no Twitter de vez em quando. Muito perto do dia virar, contudo, um tweet me chamou a atenção:
O mesmo esquema no qual o San Francisco 49ers começou a temporada com uma vitória em 11 jogos, é claro. Smith não estava disposto a dar crédito aos jogadores do 49ers, simplesmente se limitando a dizer que foi o esquema que os venceu. É bem verdade que, vindo de Atlanta, Kyle Shanahan tinha conhecimento do sistema defensivo que Jacksonville utiliza — semelhante ao de San Francisco e provindo de Seattle — , mas não foi por isso que o Jaguars voltou derrotado para a Florida.
O Jaguars voltou derrotado para a Florida porque Kyle Shanahan é um gênio.
Jacksonville tem um sistema defensivo bem simples. Pete Carroll, de quem o mesmo se originou, costumava dizer que “nós temos um sistema simples que jogamos na defesa porque descobrimos que isso permite a nossos jogadores demonstrar as coisas maravilhosas que eles podem trazer ao campo”. Você já viu a defesa do Jaguars? É uma unidade extremamente rápida e inteligente, que consegue pressionar o quarterback mesmo em básicas 4-man rush ao mesmo tempo que possui um back end capaz de parar qualquer ataque aéreo. Eles simplesmente te atacam de todas as formas possíveis e você não sabe como responder.
A menos, é claro, que você seja Kyle Shanahan.
Nesse texto, exploraremos algumas jogadas e conceitos que transformaram a vida de Todd Wash num inferno na véspera de Natal. Nem mesmo uma das defesas que deve ser lembrada como uma das melhores da história da NFL teve vida fácil contra Garoppolo e Cia.
1st quarter, 14:55 > 2nd & 11 at SF 20.
Esse é exatamente o primeiro passe do jogo, logo após Carlos Hyde perder uma jarda na primeira descida. San Francisco opera em 11 personnel aqui, com George Kittle no lado direito da linha e Carlos Hyde alinhado como wide receiver antes do snap.
San Francisco pretende usar dois conceitos diferentes nessa jogada: na parte de cima do vídeo será utilizado o conceito Levels, enquanto embaixo se utilizará o conceito Ohio. O Jaguars começa a jogada em Cover 1 Hole, ao mesmo tempo que dois defensores cobrem o meio do campo.
Preste atenção em Goodwin, o receiver que fará a out route na parte de baixo da tela. O trabalho dele é ganhar o outside para que Garoppolo consiga completar o passe. Depois do snap, quando Jimmy reconhece que o defensor do meio estará focado no Levels, ele faz um ajuste rápido no pocket para escapar da pressão e mesmo assim coloca a bola perfeitamente precisa para Goodwin perto da sideline. Um ganho pequeno, mas que tornaria a conversão de terceira descida muito mais fácil na próxima jogada.
1st quarter, 12:28 > 3rd & 7 at SF 45
No mesmo drive, o Jaguars utiliza man-to-man coverage junto de uma 5-man rush para tentar parar o ataque aéreo dos 49ers que funcionava bem até então. San Francisco utiliza-se do conceito spacing nessa jogada; no entanto, uma pequena variação acontece: no exato momento em que Goodwin percebe que a defesa do Jaguars está em cobertura mano-a-mano, sua rota se transforma numa in, aproveitando o imenso espaço criado no meio do campo. Com efeito, a equipe da casa conquista 21 jardas e um novo first down.
1st quarter, 10:58 > 1st & 10 at JAC 18
Essa é a jogada que melhor epitomiza a criatividade de Shanahan como play caller. Chamaremos essa jogada de Play Action Split Zone Ghost Route. Preste atenção à Kyle Juszczyk, o fullback que está destacado em amarelo.
Numa Split Zone comum, o trabalho de Juszczyk seria bloquear Tashaun Gipson, o free safety que está destacado em azul no meio da tela e que não é lido pelo quarterback nem bloqueado pela linha ofensiva. Shanahan, no entanto, transforma essa jogada num play action.
Veja acima o espaço disponível para Juice correr com a bola depois a recepção e tenha em mente que A. J. Bouye, o cornerback na parte debaixo da imagem acima, não terá tempo de voltar para ajudar na cobertura depois de ser atraído por Aldrick Robinson até o fim do campo.
A jogada encerraria uma jarda antes da end zone, quando Jalen Ramsey e Telvin Smith alcançariam Juice. Na jogada seguinte, o 49ers abriria o placar.
1st quarter, 01:11 > 3rd & 4 at SF 26
Uma jogada perigosa, mas que dá certo. Kendrick Bourne é o X receiver que correrá uma slant rápida no topo da tela, enquanto o conceito spacing é novamente empregado do lado esquerdo.
O jogador destacado em azul é o linebacker Telvin Smith. Note como antes do snap ele está alinhado quase que de frente ao center. O quarterback identifica isso antes do snap e quase que imediatamente decide que Bourne é quem vai receber a bola na slant route.
Depois do snap, a primeira ação de Jimmy é olhar fixamente por meio segundo com o real objetivo de travar o MIKE no meio do campo e manter a janela de passe aberta. Quando Smith fecha na cobertura da rota, Ramsey já perdeu a vantagem no inside e, mesmo com uma janela de passe minúscula, o passe é completo e a conversão ocorre. Novo set of downs.
2nd quarter, 05:10 > 1st & 10 at SF 25
A jogada mais longa que o 49ers conseguiu na partida foi uma recepção de passe por um fullback. Você não leu errado.
A primeira coisa a se ter em mente aqui é que, antes do snap, San Francisco ganha uma vantagem imensa quando Logan Paulsen entra em motion. Simples Y-Trades foram o suficiente para confundir totalmente a defesa de Jacksonville, como por exemplo Telvin Smith na jogada acima. O linebacker de número #50 acredita que Juszczyk será o responsável por fazer seu bloqueio, quando na verdade a função do fullback é correr uma wheel route. Tenha também em mente que a velocidade de Goodwin na rota vertical é perfeita para atrair o safety na jogada e abrir ainda mais espaço para o ganho de jardas.
Se lembra de Logan Paulsen? Ele fará um bloqueio crucial nessa jogada que também é um play action provindo de um split zone. Tal bloqueio no defensive end Calais Campbell é quem dá tempo suficiente para Garoppolo parar de fingir o bootleg, olhar para a sua esquerda e conectar com Juszczyk com perfeição.
A parte não-tão-boa da história é que, dentro da red zone e já passado do Two-Minute Warning, Garoppolo seria interceptado depois da linha ofensiva falhar em sua proteção e seu passe sair esdrúxulo — o popular pato morto — , fácil para a defesa recuperar a bola.
3rd quarter, 06:51 > 3rd & 3 at JAC 8
O touchdown que devolveu a liderança para o 49ers surgiu de um conceito bastante simples, que você costuma ver com frequência no seu Madden.
Isso é um staple básico da West Coast Offense. San Francisco usa aqui duas combinações de slant/flat routes em cada lado do campo com uma curl route no meio. Jacksonville procura esconder qual cobertura utilizarão antes do snap (lembram-se do fator Shanahan conhecer o sistema defensivo de Jacksonville? Tem peso aqui), entretanto, revela-se uma cover 3 logo após a bola ser posta em jogo.
O que dá a vantagem aos 49ers na execução da jogada é o free safety Tashaun Gipson recuando logo após o snap — tenha em mente que os linebackers do Jaguars buscavam quebrar as rotas de passe que cortem pro meio (slant/dig/in). Quando Gipson recua, acreditando que alguma rota intermediária dentro da end zone estaria por vir, abre-se um espaço minúsculo no meio do campo, que até então aparentava estar totalmente coberto. É nessa pequena janela que Kittle recebe o passe e anota o touchdown, numa conexão que só é possível graças ao hiper veloz release de Garoppolo.
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Alguns importantes pontos sobre o jogo:
- Um fator desesperador de se preparar contra os ataques de Shanahan diz respeito as variações de personnel que o 49ers utiliza. Isso porque, não importa qual seja o utilizado, você não pode prever qual vai ser a jogada utilizada. Veja a distribuição de personnel em jogadas de passe contra o Jaguars:
- A quantidade de movimentações simples pré-snap empregadas pelo 49ers foi letal para a defesa do Jaguars, que parecia perdida ao lidar com isso ao longo do confronto.
- A defesa de Jacksonville é muito, muito boa. Sem qualquer dúvida a melhor da liga. No entanto, há de se levar em consideração que não existem grandes skill players em San Francisco e mesmo assim o Jaguars cedeu 44 pontos. Não é uma situação ideal antecipando um provável confronto contra o Steelers no Divisional da AFC.
- Não leve tão a sério a conversa de “Garoppolo só está dominando porque não há tape pra ser analisada”. Sim, os coordenadores defensivos terão a offseason inteira para estudar o jogador; todavia, considere Jimmy como um outlier: depois de uma quantidade maior de jogos sob o sistema de Shanahan e quando o treinador puder utilizar completamente seu playbook, seu quarterback estará ainda melhor.
- Não esqueça de me seguir no Twitter para mais análises de tape e outros textos no Zona FA: @henrique_bulio
