Vamos ao Tape

Entendendo o sucesso do calouro Carson Wentz

Pedro Pinto
ZONA FA
8 min readSep 29, 2016

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Hoje é quarta-feira, o que significa que é dia de estudo de tape no ZONA FA. Na série Vamos ao Tape, analisaremos gamefilm dos times da National Football League uma vez por semana, em busca de entender atuações, erros, mudanças e filosofias implementadas na liga. O objetivo da coluna é de explicar como pequenos detalhes podem resultar em uma vitória ou até mesmo uma derrota. Alguns termos específicos serão utilizados e, caso não tenha sido utilizado antes na série, será explicado para vocês NO FINAL do artigo. Exemplo: bubble screen¹

1-Jogada screen em que o recebedor que está na posição de slot corre para a lateral do campo enquanto o recebedor que está aberto faz um bloqueio. O passe sai rapidamente das mãos do quarterback para que o WR possa conquistar jardas após a recepção.

Na publicação desta semana vamos avaliar o tape da escolha número dois do Draft deste ano, o rookie quarterback do Philadelphia Eagles, Carson Wentz.

Os pontos fortes e fracos de Wentz já foram citados inúmeras vezes nos podcasts do ZONA FA e com isso, não serão explicados em profundidade neste artigo.

O motivo de Wentz ter sido o escolhido para o estudo da semana é o fato de o calouro ter dominado o playbook de seu Head Coach tão rapidamente e também a disposição da comissão técnica em facilitar a vida do seu jovem comandante dentro de campo. Vamos ao primeiro exemplo.

O Eagles se encontrava em uma 3a descida para 4 jardas na linha 30 do campo do Chicago Bears. Antes de mais nada, preciso ressaltar que esta jogada era a 5a de uma sequência de 7 da campanha do Eagles em que TODAS saíram da formação shotgun sendo todas elas com cinco wide recievers (na 6a, Darren Sproles armou como WR e fez motion para halfback). Guarde esta informação pois ela será útil.

Na jogada, Wentz faz a leitura da defesa e entende que é uma marcação Cover 2 Man¹ da defesa do Bears e percebe rapidamente que o CB que marca Darren Sproles (#43) está em off coverage². Ele faz um sinal para Sproles e o recebedor no slot. O defensor até tenta disfarçar a marcação ao se aproximar de Sproles, mas Wentz já fez a leitura e sabe que ele vai se afastar novamente.

No snap, Wentz solta o passe para Sproles assim que ele tem posse da bola e o camisa 43 consegue um avanço de 3 jardas. Isto leva o ataque a uma 4a para 1, que será convertida pelo Eagles.

Em outro lance, ainda contra o Bears, Wentz comete um erro — um dos poucos que cometeu até agora — e acaba errando um passe no que poderia ser um touchdown.

Primeira para 10 na própria linha de 43 jardas e o Eagles opta por um shot play³. Play action com o HB e dois recebedores do lado esquerdo fazendo rotas que cruzam o campo para chamar marcação. O WR aberto na esquerda faz uma rota cruzando o campo em profundidade para chamar a marcação do free safety. Wentz imediatamente identifica que terá uma chance de acertar seu recebedor no lado direito. Ele fará uma rota em que finge uma quebra para enganar o CB e seguirá na rota go, mas Wentz, ainda se adaptando à velocidade de jogo da NFL, comete seu erro. Ele opta por fazer um pump fake⁴ para tentar puxar o safety para o lado esquerdo do campo, mas não há necessidade, uma vez que ele está ocupado pela rota que cruza o campo. Nelson Agholor, que corre a rota pela direita, faz com que seu CB caia no chão e Wentz perde tempo precioso ao fingir o passe para a esquerda.

Essa fração de segundo, permite ao CB recuperar a distância perdida para Agholor e o passe de Wentz sai atrasado, o que resulta em um passe incompleto onde era pra ter sido um touchdown do Eagles. Este é um hábito que ele apresenta desde os tempos de NCAA. Inúmeras vezes, Wentz demorava para soltar uma bola mesmo quando já havia visto que o recebedor estava livre. É um dos pontos de seu jogo que deve ser — e será — melhorado ao longo do tempo.

Em um outro lance, deste vez em partida válida pela Semana 3 contra o Pittsburgh Steelers, a comissão técnica cria mais um gameplan para ajudar o calouro. Formação em shotgun com 5 WRs, o que força a defesa a ser mais honesta em relação a sua marcação, fazendo com que os marcadores se posicionem mais próximos de onde devem ficar durante a jogada. O que inicialmente parece uma marcação Cover 2 Man com uma blitz do LB pelo meio, Wentz percebe que o LB #1 na imagem, está mal posicionado em relação ao recebedor que ele marcaria. Com isso, ele identifica que o safety do lado esquerdo está fazendo marcação individual e que o safety da direita está cobrindo o fundo do campo sozinho. Resta a Wentz apenas identificar de onde vem a blitz dos LBs. Na saída do snap, imaginariamos que o LB #2 marcaria o tight end, mas ele inverte funções com o LB #1.

Após o snap, Wentz já sabe que o mismatch⁵ se encontra em seu tight end e apenas aguarda a sua quebra para soltar o passe.

Repare como Wentz está tranquilo no pocket e apenas espera o momento para soltar seu passe. A distância do TE para o LB é de mais de cinco jardas, visto que ele precisa se deslocar do ponto #1 e no momento da quebra ele está apenas no ponto #2. Mais uma vez, a formação chamada pelo seu Head Coach Doug Pederson, ajudou em sua leitura.

Voltando à partida em Chicago, Wentz demonstrou sua velocidade de raciocínio e hábito de estudar tape.

A marcação do Bears é de Cover 3 Zone⁶. Na imagem, apenas o lado direito está desenhado. As rotas dos recebedores no lado direito são feitas para esticar o campo verticalmente e fazer com que os marcadores aprofundem no campo, abrindo espaço para Jordan Matthews fazer sua rota post-corner⁷.

Por saber que seu recebedor ficará livre na segunda quebra de sua rota, Wentz aguarda calmamente no pocket para que seu recebedor entre no espaço aberto do campo. Nisso, ele demonstra seu talento natural e escapa da pressão vindo pelo lado direito com tranquilidade.

Por último, o lance mais incrível de Carson até agora em sua carreira profissional e que demonstra todos os aspectos que fizeram com que a franquia de Philly se apaixonasse pelo ruivo.

Em uma 3a para 8 jardas, Wentz identifica mais uma vez marcação Cover 3 Zone. Em sua leitura, ele percebe que o recebedor da ponta no lado esquerdo ficará livre em sua rota curl. Porém, a pressão da linha defensiva força Wentz a escapar do pocket.

Jogada chamada pelo Eagles
Marcação Cover 3 Zone do Steelers
Wentz percebendo a pressão vindo do Steelers

Neste momento, utilizando sua mobilidade, ele escapa do pocket, mas jamais deixando de olhar a profundidade do campo para encontrar recebedores livres.

Com isso, os defensores do Steelers saem de posição para conter a corrida do quarterback. Percebendo isto, ele procura um recebedor e lança um lindo passe para Darren Sproles, que anota um touchdown de 73 jardas.

Estas cinco jogadas distintas demonstram como Wentz, mesmo sendo um calouro e tendo muito a melhorar, é extremamente estudioso e inteligente. Ele tem uma capacidade incrível de leitura de defesa e além disso, a comissão técnica o ajuda chamando na grande maioria das vezes, jogadas da formação shotgun para permitir facilidade de leitura para o rookie.

  • Glossário:

1 — Cover 2 Man: marcação defensiva onde os dois safeties dividem o fundo do campo em duas zonas para evitar passes longos e os outros defensores (sem incluir linha defensiva) fazem marcação mano a mano no ataque.

2 — off coverage: quando um defensor se posiciona a pelo menos sete jardas da linha de scrimmage para evitar passes completos em profundidade.

3 — shot play: lance usando pelo ataque em situações de poucas jardas para conquistar uma primeira descida. Costuma vir após um play-action e é acompanhado de rotas em profundidade do campo. Devido a situação de jogo, os defensores costumam morder a isca do jogo corrido e isto abre espaço para um tiro no fundo do campo.

4 — pump fake: ato do quarterback de fingir o passe para uma direção do campo, fazendo com que o safety acabe hesitando e por consequência, criando espaço no outro lado da jogada.

5 — mismatch: momento em que um jogador do ataque se encontra em vantagem em relação a um jogador de defesa que o está marcando. Ele pode ser mais forte, mais alto, mais ágil, mais veloz, etc. e isto faz com que ele tenha uma probabilidade maior de fazer uma grande jogada.

6–Cover 3 Zone: Marcação bastante comum da defesa. O fundo do campo é dividido em três e geralmente é coberto pelos dois cornerbacks e um safety. O restante da defesa faz marcação em zona dividindo o espaço do campo que fica abaixo dos três defensores em profundidade.

7 — rota post-corner: Rota em que o jogador caminha 12–15 jardas rumo ao fundo do campo, faz uma quebra de 45 graus para o meio do campo e depois inverte a quebra para a lateral do campo.

Este foi mais um artigo de análise de game film aqui no ZONA FA. Toda semana vamos estudar tape e explicar porque deu certo ou errado.

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Pedro Pinto
ZONA FA

Former NFL Analyst @ Esporte Interativo/ Zona FA Analyst /Director of Football Ops @ R.A.M. / Offensive Co. @ Vasco Patriotas / QB Coach @ Brasil Onças U19