Minha Raíz

O Candomblé juntou meus pedaços

Eduardo T’Ògún
Eduardo T’Ògún
3 min readFeb 21, 2017

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Pai Paiva e Eu

Quando fui iniciado no candomblé, meu zelador já contava com mais de 50 anos de santo.
Com uma raíz que se perde no tempo, Pai Paiva fundou e comandou o Ilê Axé Oyá Bamilá desde o início, plantou cada árvore naquela roça, fez cada fundamento e ergueu seu império juntamente com sua esposa Ifá Derô, filha de Ifá Bailá.

Não vou dizer que minha feitura foi fácil, pois quem ainda tem o prazer de conhecer essa gente velha no santo sabe o quanto eles são exigentes. Com seus segredos e mistérios, muito deles perdidos após seu falecimento, Pai Paiva era uma figura de grande importancia dentro do candomblé. Respeitado por todos, temido por outros e com fama de arrogante, foi um zelador que me carregou no colo dentre os mais de três mil filhos de santo, no Brasil e no exterior.

Claro, eu fazia por onde ser merecedor das atenções de meu pai. Nunca fui seu “puxa saco”, pelo contrário. Eu era um rapaz prestativo, atento, interessado em aprender tudo o que ele tinha a me ensinar…e aprendia ligeiro! Daí veio o nome que carrego — Kalode — que significa “o rápido que foi e voltou. Também não escapei de seus puxões de orelha, apesar de serem raros, pois sempre fui de observar e tirar dessa observação boa parte do aprendizado.
Desenvolvendo meu papel naquela comunidade, não demorei a ser chamado pelo Babá Egun da casa à iniciação nos mistérios dos eguns, onde também aprendí muito e galguei a hierarquia dentro daquele culto. Seus mistérios revelados a mim ainda são guardados até hoje, respeitando o juramento que fiz ao Babá Egun de não divulgar a quem não pertence ao círculo.

Dentro de egun é assim: ou você caminha corretamente ou arca com as consequências.

Pai Paiva carregava toda a simplicidade que uma pessoa pode ter, sem deixar de ter sua vaidade, típica dos filhos de Oyá. Talvez porque a nação Nagô Egbá fosse repleta de gente simples.
Reconhecia o papel de cada um dentro da roça, procurando ser justo com todos. Conhecia os filhos que tinha, cada aspecto, seus limites, talentos, defeitos e nunca proporcionava a um filho mais do que merecia, pois ali era a casa do orixá, e era Oyá quem ditava as ordens.

Pai Paiva “virado” em Oyá Bamilá

Hoje, sinto saudades. Saudades de cada coisa que viví enquanto caminhávamos juntos. Fico feliz ao lembrar dos momentos de axé, assombrado ao lembrar dos momentos inexplicáveis.
Posso dizer que aproveitei bem meu pai de santo e, no final das contas, acho que era exatamente isso que ele queria: que o aproveitasse enquanto estava ali.

Passados todos esses anos desde minha feitura, olho com pouco romantismo o candomblé de hoje. Olho com desconfiança para o povo do candomblé, que em sua maioria não inspiram simpatia, humildade, simplicidade como os velhos de antigamente que tinham seus pés no chão.

Minha mãe Ifá Derô e Eu

Babalorixá, Ojé…sou tudo isso, admirado e também desprezado como foi meu pai. Ainda me ressinto por não ser aproveitado…Talvez seja uma vaidade minha, mas esses anos foram de tantos aprendizados que, ao que vejo, levarei comigo quando retornar ao orún tendo a sensação de ter cavado uma montanha com uma colher.

Mas, quem sabe, e se ainda houver tempo, Babá mi Ògún e Iyá mi Oyá me levem por caminhos inusitados ao lado de gente que também caminhe com os pés no chão.

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Eduardo T’Ògún
Eduardo T’Ògún

Iniciado no Candomblé há mais de 30 anos, estudioso do Culto Egungun, geminiano, inquieto e estabanado.