Inimiga da observação

Manhã de trabalho, relógio e azeite numa colher.

Joab Freire
canhenho
2 min readNov 3, 2018

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Campina Grande, 01 de novembro de 2018

Acordar atrasado ou pelo menos acreditando estar em cima da hora para algum compromisso importante, é, talvez umas das situações mais comumente estarrecedoras para qualquer pessoa. O rádio passa a não dizer nada, apenas a hora. O café não tem o mesmo sabor sequer o pão assado naquele aparato de alumínio quadrado com um cabo que é submetido a boca do fogão que tem na casa das avós da gente — e na minha — é intragável da mesma forma.

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Em minha segunda saída para o trabalho, já carregava toda a experiência do dia anterior e sabia qual e onde pegar o ônibus. Desta vez, eu estava pouco me lixando para nada, apenas com meus olhos fixos no horizonte esperando um 333, 303 ou até um 300-B, que embora demorasse mais, me deixaria mais perto do meu destino.

Na pressa, embarquei no primeiro que veio, o 333. Era o mesmo ônibus do dia anterior, mas não a mesma experiência. Eu estava pouco me lixando para quem entrava ou para o motorista, mas para os ponteiros do meu relógio e isto de segundo em segundo. Eram 7h56 da manhã e eu precisaria estar pontualmente de 8h20. No fundo eu sabia que daria tempo, mas meu coração custava aceitar que eu pudesse precisar correr pelas ruas, da parada que eu desceria até o local marcado.

A pressa é inimiga da observação. (Foto: Joab Freire / anacrônica)

A gente custa a aceitar que independente da sua pressa, quando você não é o condutor, nada que você faça poderá apressar o ritmo das coisas. A menos que você faça o louco e diga: — Motorista, desce o pé, que estou atrasado.

A gente custa a aceitar também, que a pressa é inimiga da observação, nestes instantes de alternância entre o olhar da janela e do pulso, talvez tenha esquecido de cumprimentar alguém ou cedido lugar para algum necessitado, talvez pudesse ter sido testemunha de um crime, de uma cena engraçada. O que eu vi na manhã do dia 1º de novembro foi a rua e meu relógio.

No final das contas, não precisei correr, não suei, desci no ponto faltando uns seis minutos para chegar, tempo mais que suficiente. Perdi uma manhã vendo meu ponteiro rodar para nada.

Vale viver sem presa, apesar da pressa? Vale desde que nada do que você faça possa interferir em alguma coisa. Vale também lembrar daquela parábola que consta n’O Alquimista, de Paulo Coelho, sobre as obras de arte e a colher de azeite. Não dá pra deixar de vislumbrar o belo com medo do azeite cair da colher, nem deixar de se importar com o azeite para aproveitar ver tudo, afinal temos dois olhos, deixa um sempre no azeite.

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Joab Freire
canhenho

Distribuidor de versos, prestador de atenção, contador de histórias, arteiro e buliçoso. Estuda jornalismo, pesquisa cultura e atua imprensa da PB desde 2010.