Vitória

2018: morte e sobrevida

Joab Freire
canhenho
3 min readDec 3, 2018

--

Campina Grande, 03 de dezembro de 2018

Dia desses foi janeiro. A gente faz aqueles votos no virada do ano, beija a família, os amigos, os amores — beija e deseja tê-los conosco mais um ano, mais dois, não sei — a gente se acomoda a viver próximo aos mesmos de sempre.

Eu morri em fevereiro — morri literalmente — sem figura de linguagem que justifique, até porquê palavra, expressão, poesia nenhuma explica dor, dor se sente, e a minha foi a dor da morte, eu sequer agonizei, não deu tempo, foi morte instantânea. De repente eu tava vivo e de repente morri. E, quem tiver vendo poesia nisso, saiba que não tem graça nenhuma.

A minha páscoa não teve via crucis e para colocar mais drama, eu morri em pleno Carnaval, numa praça, em plena luz do dia, foram duas facadas ou mais, meu corpo foi removido pra casa e eu fui velado e enterrado no meu quarto.

Quando a gente levanta morto, seguir é como uma estação de ônibus sem marcação de linha. (Foto: Joab Freire / @eupoemotupoemas)

O lado bom de estar morto é poder ver o quanto de culpa os outros carregam.

O lado ruim de estar morto é poder ver o quanto de pena os outros sentem.

O lado bom de estar morto é que quando as feridas param de doer, nosso corpo fica bem mais resistente a novas cortes.

O lado ruim de estar morto é quando por mais que as feridas pararem de doer, elas ainda permanecem abertas na memória.

Acho que de tanto avaliar se é bom estar vivo ou estar morto, que eu enjoei e decidir levantar, mesmo morto, eu precisava ter razões para seguir adiante — ora.

O lado bom de estar morto é poder ver o quanto de culpa os outros carregam.

Quando a gente levanta morto, seguir é como uma estação de ônibus sem marcação de linha, você vai entrando no que der, no que parar para você, pode dar sinal, ou não, nem importa, um vai parar, olhar e seguir, outro pode abrir a porta e mandar descer na próxima parada. O bom é que você vai aprendendo o caminho.

Eu peguei poucos. O que me levou mais adiante, me guiou com a porta aberta, ele parava eu descia, voltava, seguia um pouco mais. Parece que quanto mais segue, mais vai voltando a vida e eu já parecia vivo mesmo, mas eu precisei de muito, muito, tempo para perceber que eu não estava indo a lugar nenhum. Foi então que eu me joguei dele em movimento e morri de novo.

Já era outubro, quando alguém me disse: oi.

Alguém só pode dizer oi para um morto quando ele enxerga a vida ou quando você é um necrófilo. No caso, acho que a primeira hipótese é a mais certa.

Quando eu ativei meu modo de sobrevida, eu me vi ainda sendo velado, no mesmo lugar de sempre.

Quando alguém especial diz oi para um morto, faz meia lua, aperta quadrado, xis, triângulo e duas vezes para trás, você libera a sobrevida dele ou o morto pode sonhar com a pessoa nove dias depois e chamar ela no WhatsApp. Também funciona.

Quando eu ativei meu modo de sobrevida, eu me vi ainda sendo velado, no mesmo lugar de sempre, pegando a mesma condução aberta, que já havia me jogado e morrido, a mesma que me fazia descer e subir, descer e subir, descer — corri — e disse adeus a tudo para me esconder da morte.

Funcionou, eu venci.

Foi em novembro, que eu percebi, que eu só vivi depois que eu morri.

Já é dezembro, mas novembro foi o mês da vitória. O mês que eu tive a certeza que estava vivo novamente, que eu pude apalpar coisas inalcançáveis, que eu pude ser e existir como nunca tinha feito na vida.

Foi em novembro, que eu percebi, que eu só vivi depois que eu morri, antes eu só sobrevivia. E hoje, parece irônico, que gozando de minha sobrevida, eu esteja mais vivo do que nunca.

Falta pouco para acabar o ano, e quero celebrar minha morte com bastante festa, afinal será carnaval.

--

--

Joab Freire
canhenho

Distribuidor de versos, prestador de atenção, contador de histórias, arteiro e buliçoso. Estuda jornalismo, pesquisa cultura e atua imprensa da PB desde 2010.