Crônica: De quando não existia

Vinícius Cassio Barqueiro
Canto em Silêncio
Published in
4 min readJun 12, 2021

De quando não existia Spotify: emprestávamos CDs e trocávamos músicas por e-mail; dançavamos e cantávamos em shows com ingressos comprados após horas de fila, inclusive naquele em que fomos em grupos separados e eu fiquei admirando sua alegria à distância; compartilhávamos os fones do mp3 player nos corredores da faculdade, enquanto eu podia apreciar também o seu perfume e o seu calor; até que virei visita constante na sua casa e passei a curtir ao vivo seu lado cantora e pianista.

De quando não existia WhatsApp: enviava sms contando o dia a dia e também os centavos da tarifa; combinávamos um toquinho para avisar que chegamos em segurança após as longas viagens até as respectivas casas; nossas cartas ainda tinham trema e acento diferencial, tanto os bilhetinhos na sua agenda quanto as realmente despachadas por correio internacional, com postais e muita saudade; as conversas tão longas e tão boas, das mais profundas e cúmplices às mais inteligentes e divertidas.

De quando não existia iFood: brindávamos gelatina primavera na companhia dos amigos no bandejão; de final de semana, dividíamos um doce numa praça de alimentação com o VR economizado na semana; conhecemos juntos o que eu achava os melhores restaurantes da cidade, inclusive o “italiano chique” de cuja história tantos riem; descobri o prazer de sentar à mesa com calma para apreciar o café da manhã e o café da tarde com a melhor louça e um papo vagarosamente gostoso; aprendi até a providenciar chocolates a você nos dias mais difíceis, tantos deles enfrentados em forte parceria.

De quando não existia Netflix: sabia de cor o número do seu cadastro na locadora do seu bairro, onde emprestávamos e aprensentávamos um ao outro os filmes e séries que conhecemos na TV; o filminho com pipoca tarde da noite era compartilhando o casaco contra o forte ar-condicionado de algum cinema, de onde saíamos correndo para não pegar o metrô fechado, guardando depois o ingresso como memória das histórias e carinhos.

De quando não existia Uber: nem linha amarela do metrô, aliás. Desviava do meu caminho para pegar o ônibus com você; pegava o intermunicipal sem integração e andava à pé boa parte das quase duas horas entre Taboão da Serra e a Zona Norte; invejava o passe livre estudantil e o esquema de emprestar bicicleta de Lyon, onde você morou dois semestres e onde tive o privilégio de visitá-la; pudemos pedalar, passear de funiculaire e até pedir carona a um desconhecido para subir o morro e fugir da neve daquela estação, primeira e única na minha vida; aprendemos a dirigir e chegamos juntos em todo canto, até no seu trampo em Sapopemba e no litoral sul com nossos amigos.

Tenho tanto orgulho da nossa história! Sabe, muita coisa mudou dos primeiros meses de namoro até aqui e é muito bom ver como a vontade e o prazer de fazer companhia e partilhar boa música, bons papos, boa comida, boas histórias e bons passeios seguem como a tradução perfeita do carinho e bem querer que regam o forte relacionamento e a belíssima família que plantamos, cultivamos e desfrutamos diariamente. É muito bom mudar, evoluir e renovar votos com você a cada novo capítulo dessa história das quais somos escritores e protagonistas, ma chérie, mantendo como fio condutor esse amor tão nosso e tão bom.

--

--

Vinícius Cassio Barqueiro
Canto em Silêncio

Aqui, compartilho crônicas e materiais sobre futebol, educação, política, acessibilidade, design de informação e visualização de dados.