Bárbara Pimenta
capitubr
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5 min readSep 21, 2022

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OPINIÃO — Take me to church

“Leve-me à igreja

Louvarei como um cão

No santuário de suas mentiras…”

A letra da música do Hozier desde seu lançamento e muito em razão do seu vídeo se tornou um hino representativo da comunidade LGBTQIA+ e sua experiência dentro de entidades religiosas. A experiência que tive como um homem gay dentro de uma igreja, ainda que muito particular, conversa com tantas outras pessoas que não seguem a uma heteronormatividade e que por alguma razão ainda pertencem a um grupo religioso, principalmente dentro do cristianismo.

Eu me aproximei do mormonismo, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias quando eu ainda era uma criança, exatamente com 11 anos de idade, uma comunidade que pareceu ser o local perfeito para um menino que não queria entender sua sexualidade e naquele lugar poderia esconder seus sentimentos, afinal deixaria de ser a criança afeminada e se tornaria um potencial líder religioso.

Inúmeras vezes sonhei em servir uma missão na igreja, viajar para outro estado ou até país, pregar a palavra de Deus e do livro de mórmon e depois casar, constituir uma família e enfim viver feliz e todo esse “sonho” sendo confrontado com meus desejos “diabólicos” de me atrair por pessoas do mesmo sexo.

Coral da Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Últimos Dias em Salt Lake City, Getty Images

Principalmente nessa fase de pré-adolescência eu não conhecia tão bem os preceitos da igreja, nunca nenhum membro chegou a me direcionar uma palavra sobre o meu jeito de agir, pelo contrário, eu era bastante respeitado, para isso claro eu tinha de estar dentro dos costumes do que esperavam de um rapaz da minha idade dentro daquele ambiente.

Eu era convidado para discursar aos domingos, presidir grupos de jovens e até os meus 14 anos fazia tudo isso de uma maneira bastante louvável. Foi exatamente aos 14 anos, quando tudo parecia perfeito que minha sexualidade foi destruindo os caminhos para o “paraíso”.

Porém um sentimento genuíno é que eu nunca fui o único jovem enfrentando os dilemas da sexualidade, que confrontavam os princípios da religião, de uma moral pré-estabelecida de cristianismo pelos homens líderes da igreja, sim, somente homens em posições de poder de decidir sobre os desdobramentos entre as escrituras e o mundo moderno.

Foi no mesmo ano em que entrei para o ensino médio que recebi uma cartilha da igreja sobre a moral e os bons costumes, com algumas páginas somente para falar sobre castidade, algo imprescindível para um rapaz que pretendia ocupar um papel de destaque dentro da igreja.

Genuinamente os sentimentos de culpa foram dando lugar a um entendimento mais liberal, se Deus que tanto me concedia amor fez eu gostar de outros garotos não tinha como aquilo ser um pecado, não tinha como o Deus que sempre fora tão íntimo a mim ter repulsa a minha pessoa. Esse entendimento me livrou de alguns dogmas conservadores, discursos que vinham de pecadores tendo sua própria interpretação sobre um livro escrito a milhares de anos atrás.

A minha própria fé foi confrontada, não pelo fato de ter entendido minha sexualidade, muito mais por compreender que para além da comunidade que forma uma igreja, existe uma instituição que quase sempre é formada por homens héteros poderosos e com pensamentos contraditórios à própria palavra que pregam. Sempre que eu pensava em Jesus, o mesmo que segundo a bíblia em um jardim expiou pelos nossos pecados, da descrição que atormentava meus sonhos, de que ele por todos os poros do seu corpo, ao invés de suor derramou sangue, questionava como aquele que pregou amor, perdão, se revoltou contra aqueles que usavam de má fé o nome de Deus e abraçou os julgados pela sociedade do seu tempo, como esse Jesus poderia me abominar?

Porque a igreja, a religião ainda que implicitamente na minha visão, não compreendia aqueles que amavam diferente da maioria? Porque a cartilha sobre a moral confrontava todos os sentimentos verdadeiros e tão reais que eu tinha pelo primeiro garoto que amei e como aquilo conseguia ter um poder tão forte de fazer eu sempre me sentir culpado?

As respostas vieram em passos lentos, vagarosos e que para obter eu sabia que não poderia mais continuar naquele ambiente que por anos parecia meu único lugar no mundo. Se afastar da igreja foi me colocando num campo de visão completamente diferente, aquele lugar em que eu estava, que fiz amizades que mantenho até hoje estava repleto de machismo, conservadorismo, uma história repleta de abusos, racismo e sangue.

Porém antes que esse texto entre num campo investigativo sobre a própria igreja em questão e sua história, quero deixar claro que o propósito deste relato é de tocar os inúmeros jovens que assim como eu encontram ainda hoje nesse espaço um lugar aparentemente acolhedor, uma comunidade para pertencer e às vezes como o local para esconder os sentimentos que não conseguimos entender facilmente, que é diferente da maioria.

Aos jovens que carregam uma culpabilidade imensurável por amar, por instintos e desejos naturais que sofrem uma repulsa moral sobre como podem agir com esses sentimentos. Jovens esses que para se sentir pertencente a uma comunidade acabe por compactuar com pensamentos desumanos e um completo preconceito sobre aquilo que eles mesmo são, reproduzem frases prontas sobre feminismo, aborto, sexualidade, moral e família e que infelizmente acabem de maneira equivocada apoiando candidatos e políticos que destilam ódio a qualquer um que confronte seus pensamentos.

A “verdade absoluta” que involuntariamente esses jovens sem esforço passam a acreditar, para assim pertence a um ambiente que nunca foi pensado para eles, que em nada lembra os ensinamentos daquele que pregou sobre amor e tolerância. No ambiente do cristianismo brasileiro, entre jovens que não compreendem sua sexualidade, seu lugar num mundo diverso e que serão confrontados com escrituras usadas para justificar o ódio e até crimes contra aqueles que superaram os segredos que vocês enfrentam longe dos olhos do seu líder espiritual.

Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Esse líder apoiará explicitamente candidatos a cargos públicos que falam diariamente que pessoas iguais a você não deveriam sequer existir, inúmeros fiéis serão induzidos a eleger essas pessoas, dentro de um discurso sobre moral, princípios cristãos, acreditando que o líder usado pelo Senhor consegue distinguir quais são os verdadeiros homens e mulheres de Deus e serão esses se eleitos que num projeto de poder muito maior que a própria fé atacarão pessoas que amam diferente, pessoas como você e que serão atacadas, julgadas e usadas da pior forma para sustentar um discurso de ódio pelo simples fato de não mais esconderem sua maneira de amar.

Não carregue mais um peso, não seja cabo eleitoral para pessoas que usam o nome de Deus para justificar o ódio por alguém igual a você.

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Bárbara Pimenta
capitubr

Jornalista, pesquisadora, roteirista e editora da @capitu.br