Escritora no escuro

Ser a representante do seu próprio sonho

Ana Carolina Santos
Caracoles
8 min readJan 20, 2024

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A Lorde tem uma música chamada “Writer in the Dark”, que aparece no melhor álbum dela, “Melodrama”, de 2017. Na canção, ela diz: “Aposto que você amaldiçoa o dia em que beijou uma escritora no escuro”. Essa frase completa pode ter dois sentidos. “Beijar uma escritora no escuro”, tipo no escuro da balada. Ou “beijar no escuro”, na ignorância, sem saber o que aquele enlace te traria no futuro. E o título sozinho, “escritora no escuro”, pode ter ainda um terceiro sentido. Uma escritora escondida, nas sombras, que não põe a cara no sol, pra ressuscitar um meme da década passada. Se você quiser ir mais longe, tem uma dimensão histórica aí. Muitas das escritoras mulheres do passado usavam pseudônimos masculinos pra assinar suas obras.

Eu me identificava com essa imagem da escritora no escuro. Publicava meus poemas, contos e crônicas na internet, meia dúzia de pessoas liam, eu ficava feliz. E era isso. Publicar um livro era algo muito distante. Um sonho de infância que parecia meio irrealístico. Mas eis que ele se realizou bem mais rápido do que eu imaginava. Meu primeiro livro, “As fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela”, será publicado pela editora Urutau e está em pré-venda neste momento no endereço benfeitoria.com/projeto/fracas.

“As fracas aventuras…” é uma coletânea de poemas que eu escrevi entre os 20 e os 27 anos de idade. Tem vários dos temas que eu abordo aqui no podcast. Amor, vida adulta, autoimagem, questões sociais, questões raciais… Então se você curte o Caracoles (ou Carácoles, chame como quiser), é possível que curta “As fracas aventuras…”. A pré-venda vai até o dia 27 de janeiro. Se você, ouvinte muito real, quiser e puder me dar essa forcinha, vou te amar pra sempre. Um ouvinte muito querido, o Leonardo Cunha, me mandou mensagem dizendo que garantiu a cópia dele. Fica aqui registrado um salve pro Leo. É nooooooóis.

A Urutau é uma editora independente, então ela usa o dinheiro levantado na pré-venda pra financiar a impressão do livro. O livro digital custa R$ 35, o impresso, R$ 58, e o impresso com dedicatória, R$ 75. Todos os valores já incluem frete para todo o Brasil. Com dedicatória é mais caro, porque, né, vai que eu ganho um Nobel no futuro? Aí essa primeira edição com a minha assinatura vai valer uma fortuna. Brincadeirinha. É mais caro porque a Urutau fica em São Paulo, e eu moro no Rio, daí eles precisam enviar o livro pra mim antes de enviar pro comprador.

A meta da pré-venda é R$ 2.000. Enquanto eu escrevo esse roteiro, a gente já conseguiu 86% do montante. As formas de pagamento são pix, boleto e cartão de crédito. Dá pra doar qualquer valor a partir de R$ 10 no pix. Além disso, você pode apoiar dando like nos conteúdos que eu criei pra divulgar o livro e compartilhando a campanha no seu story. Tem vários vídeos e fotos lá no meu Instagram pessoal.

Carolina Maria de Jesus

Vamos lá, como rolou isso de eu publicar um livro. Foi o seguinte: eu acompanho a editora Urutau há uns cinco anos e sei que eles abrem chamadas pra cada estado da federação uma vez por ano. No início de 2023, eles publicaram o calendário, e eu vi que a chamada pro Rio de Janeiro aconteceria em julho. Anotei isso na agenda do celular. Quando foi chegando perto do meio do ano, comecei a organizar o livro, buscando uma coesão temática e narrativa. Acabou que fiz um livro com cerca de 60 poemas, o que dá mais ou menos 100 páginas. Mandei pra Urutau e pra outra editora que também tava com chamada aberta. A outra editora nunca respondeu ao meu e-mail, mas a Urutau respondeu, no fim de outubro. O meu livro foi um dos 29 selecionados entre mais de 500 originais inscritos. Yaaaaaay, vitória *emoji de brilhinho*

Por conhecer a Urutau, eu já sabia que o modelo deles de publicação é através de uma campanha de financiamento coletivo. E que a divulgação dessa campanha depende, primariamente, do empenho do autor ou autora do livro. Confesso que, anos atrás, eu teria hesitado muito em embarcar nisso. Porque estaria morrendo de vergonha de fazer esse trabalho de divulgação nas redes sociais. Ia esperar almas caridosas descobrirem o link da pré-venda e comprarem o livro. Ou ia pegar um empréstimo de R$ 2.000 no banco e ia eu mesma comprar todos os livros e dar um jeito de vender depois.

Pra começar, meu eu de anos atrás achava que só valia publicar um livro se fosse pelas grandes editoras do país. Companhia das Letras, Todavia, essas assim. Por isso eu acreditava que o sonho de ser uma autora publicada era tão distante. Felizmente, com o passar dos anos, fui conhecendo trabalhos incríveis de editoras independentes de todos os cantos do país e me livrei dessa noção limitada do que é sucesso. Crescer é bom demais.

Tem uma frase do Emicida que eu aprendi no podcast Gostosas Também Choram, da Lela Brandão: “você é o único representante do seu sonho na face da terra”. Talvez eu já tivesse escutado algo nesse sentido anteriormente, mas essa frase é bem didática, né? Seus pais podem te ajudar, seus amigos podem te ajudar, mas só você é o representante do seu sonho. Por isso me sinto muito confortável e contente nesse papel de marketeira do meu próprio livro. Sinto que todo esse percurso de trabalho interno que fiz nos últimos anos, com análise e psicoterapias, me levou pra esse momento em que me sinto forte o suficiente pra ir pra luz e me mostrar vulnerável na frente das pessoas.

Comentei no episódio “Flopismo” sobre o meu medo de flopar, né? No passado, eu evitava fazer coisas por medo do fracasso. Graças aos céus, quando a editora botou a campanha no ar, a possibilidade do flop nem passou pela minha cabeça. Poderia acontecer? Poderia. Mas eu não ia deixar de tentar. E se flopasse, eu tava disposta a lidar com o embaraço de fracassar na frente de todo mundo. Não seria a primeira, nem a última vez que eu lidaria com o flop. É a vida, minha filha.

Aí vai outro clichê: cada passinho que você dá na sua vida te leva pra onde você deve estar. No meu caso, estar à frente do podcast há mais de dois anos e ter a experiência de divulgá-lo no meu Instagram pessoal me ajudou muuuuuuito. Eu já tava acostumada com essa autopromoção. Embora fosse menos constante. Os episódios são mensais, e eu tô tendo de lembrar as pessoas de comprarem meu livro quase diariamente. Foi só um nível a mais de algo que eu já fazia.

Outra coisa: ter gravado vídeos bobos falando sobre Taylor Swift ou causos da minha vida pras cerca de 20 pessoas no meu amigos próximos do Instagram. Isso também me preparou pros vídeos de divulgação do meu livro. Antes disso, eu não tinha nenhuma desenvoltura pra falar olhando pra câmera, morria de vergonha. Mas tem mais de um ano que eu gravo esses stories tipo blogueirinha pras essas 20 pessoas pras quais eu não me importo de pagar mico. Foi um belo estágio pra esse momento em que eu publiquei reels divulgando o livro. E publiquei no TikTok também. Eita como é geração Z.

Tem uma razão prática que me deu confiança pra começar a gravar esses vídeos. Bem, toda a minha vida eu tive os dentes incisivos superiores separados. O famoso diastema. E isso me incomodava. Eu evitava sorrir pra fotos e aparecer em vídeos. Em meados de 2021, coloquei um alinhador invisível. E foi o melhor investimento que fiz na vida. Em seis meses o diastema já havia se fechado. E olha que a separação era bem grande. Hoje, meus dentes não estão perfeitos. Ainda quero voltar a usar o alinhador no futuro, pra fazer uns retoques, mas me sinto muito, mas muito mais confortável com meu sorriso hoje. Se eu não tivesse dado esse passo de mudar algo que me incomodava na minha aparência, talvez não tivesse a coragem de colocar a cara no sol, na frente da câmera, pra fazer essa divulgação. Aliás, tem um poema sobre meu diastema no livro.

O escuro é confortável. A sombra é confortável. Não tem ninguém te olhando. Ninguém vai ver se você fracassar. Como escreveu Taylor Swift, em “Dear Reader”: “Ninguém vê quando você perde se você estiver jogando Solitaire.” (Que é Paciência no Brasil.) É cômodo, mas continuar nessa zona de conforto também não vai permitir que você realize as coisas que você sempre desejou. Uma coisa que eu aprendi na adultez é que a vida recompensa a coragem. E que a covardia nunca me trouxe nada de bom.

Coragem em mudar algo que te incomoda na sua aparência. Coragem pra advogar pelo seu sonho. Coragem até pra mudar de nome, se for o caso. Foi o que eu fiz recentemente. Aqui vocês me conhecem como Carol, né? Meu nome de batismo é Ana Carolina Santos, que é o nome com o qual assino o podcast e como assinava minhas matérias quando trabalhava em jornais. Tô assinando o livro com outro nome, por isso passei por um “rebranding” nas últimas semanas.

Ana Sarracena é um nome que eu criei no início de 2020. Naquela época, eu trabalhava em jornal e não queria que meus poemas e demais escritos literários se confundissem com as minhas matérias jornalísticas. O que foi um movimento completamente deluluzinha das ideias, porque eu não tinha um projeto de livro, nem nada. Além de diferenciar minha carreira jornalística da minha carreira literária, esse pseudônimo também serviu a outro propósito: me esconder. Naquele momento, eu tinha acabado de começar a frequentar a Igreja Presbiteriana e a ter pessoas da igreja nas minhas redes sociais, e não queria que elas lessem as coisas que eu andava escrevendo.

Pra ser sincera, também existe uma razão mercadológica aí. Eu achava que havia mais chances de uma pessoa na livraria comprar o livro de uma Ana Sarracena do que de uma Ana Carolina Santos. “Era só mais um Santos que a estrela não brilha…” Não sejamos hipócritas. Quanto mais diferentão o nome, mais interesse ele desperta.

Agora sobre o nome em si. Ana costumava ser a parte rejeitada do meu nome, porque me habituei a ser chamada de Carol desde criança. Ana sempre me soou muito adulto e distante de mim, sabe? Eu tenho uma tia chamada Ana, inclusive. Então, na minha cabeça, Ana era ela. Eu não gostava de ser chamada de Ana na escola, por exemplo. E “sarracenos” é outro dos nomes dados aos mouros, um povo muçulmano do norte da África que invadiu a Península Ibérica na Idade Média. Eu cresci ouvindo que a minha bisavó, Maria Martins, que veio de Leiria para o Brasil, era descendente de mouros. Tinha a tez mais escura e o cabelo mais grosso que os portugueses em geral.

Como a maioria das pessoas negras brasileiras, eu não sei de que parte da África vieram meus ancestrais. Mas sei que uma parte da minha composição genética veio de um povo específico. Então resolvi reivindicar essa identidade. Em homenagem às outras que me faltam.

O pseudônimo veio à luz. Não sou mais uma escritora no escuro.

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Ana Carolina Santos
Caracoles

Leitora e escrevedora de transporte público. Faço o podcast Caracoles: https://linktr.ee/santosacarolina