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Podcast monológico de uma zillennial enquanto navega a adultez (linktr.ee/caracolespodcast)

Ex-leitora

Ana Carolina Santos
Caracoles
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6 min readMay 31, 2023

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Alguns dos meus diários da Folk Books

Esse é o 12° episódio do podcast e, como ele é mensal, isso significa que, na prática, ele tá completando um ano de vida. Aeeeê, parabéns, podcast! Na verdade, ele tem um ano e oito meses de existência, porque nasceu em setembro de 2021, mas como rolou um hiato entre outubro daquele ano e julho de 2022, a conta não fecha. Então eu tô a oito episódios da média mensal ideal. Mas não vou fazer nada quanto a isso.

Falando no podcast, desde que ele nasceu, a descrição é a mesma. “Podcast sem linha editorial. Mas a autora gosta de livros.” Essa descrição tá ligeiramente desatualizada. Embora eu ainda goste de livros, não tenho lido com regularidade há tempos. Talvez eu devesse elaborar uma nova bio. “Ex-leitora reflete sobre o itinerário da mulher millennial enquanto lida com transtornos psíquicos” ou algo assim? Aceito sugestões.

O podcast tem essa descrição porque ele nasceu da minha vontade de falar mal do livro “Copo vazio”, conforme fiz no primeiro episódio. É curioso que desde então meu interesse pelos livros tenha diminuído. A culpa é do “Copo vazio”. Brincadeirinha, brincadeirinha. Na verdade, tem cerca de três anos que não leio regularmente. O que antecede a leitura de “Copo vazio”.

Não é coincidência a pandemia ter essa duração. Antes, eu lia muito no transporte público. Passava cerca de quatro horas diárias no ônibus, então dava pra ler bastante coisa. Com a pandemia e o home office, não converti essas horas diárias em horas de leitura. Mas em horas de ficar rolando o feed das redes sociais.

Essa tem sido uma das minhas maiores questões no momento. Excluí quase todas as redes sociais em 2020, com exceção do Instagram, como expliquei no terceiro episódio. Então eu “só” sou viciada no Instagram. “Só” entre muitas aspas. Quando percebo que meu uso tá insalubre, excluo o app por alguns dias. Mas um jeito muito mais eficaz de fazer esse detox é desativando a conta.

Costumava fazer isso de tempos em tempos e isso me trazia muitos benefícios. Mas não faço mais porque uso meu Instagram pessoal pra divulgar o podcast e não quero perder esse canal. Ora, eu quero ser lida e ouvida. Se não quisesse, não publicaria esse podcast nem meus textos. Deixaria tudo nos apps de gravação e de notas do celular. Valorizo muito as trocas que o podcast me traz e adoro fazer amigos através dele.

Mas eu tava falando dos livros, né. Então, acho que tem muito a ver com autopercepção e autodefinição. Eu sempre, desde criança, me enxerguei como uma ~~pessoa dos livros~~. Esse era meu lugar no mundo. Eu me sentia confortável nesse lugar. Eu amava os livros, amava conversar sobre livros, escrever sobre livros e forjar relações com outras pessoas através dos livros.

E se eu não pratico uma das coisas mais basilares na minha personalidade, o que sobra? Questões, questões. Claro que, conforme você cresce, aprende que essas definições são reducionistas e limitantes. O pessoal do Orkut já sabia disso: “quem se define se limita”. Já o Instagram, ele te dá a opção de colocar uma categoria no seu perfil. Sua atividade, profissão, sei lá. E eu nunca consegui colocar nenhuma categoria ali.

Jornalista? Não me identifico tanto com a profissão que escolhi. Escritora? Acho pretensioso demais pra quem não tem livros publicados. Podcaster? Não sei, excluiria todas as outras coisas que eu sou. Uma categoria que o Instagram não fornece, mas que eu adotaria é a de comunicadora. Acho ampla o bastante pra não ser limitante.

Lembrei daquela cena de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, aquele filme que ganhou o Oscar, em que o Waymond do outro universo diz pra Evelyn que ela é a candidata perfeita pra salvar os multiversos porque ela é péssima em tudo, então é capaz de fazer qualquer coisa. Não se definir cria potencial. E eu adoro isso. Esse tanto de possibilidades.

Uns anos atrás, um professor muito querido da faculdade me disse num e-mail que às vezes é bom ficar longe dos livros. E, naquela época, eu discordei completamente. Respondi que não me imaginava longe dos livros, que eles me faziam bem etc. A verdade é que nos últimos anos eu tenho focado mais na vida real. Antes focava na ficção e não vivia nada. Fui uma adolescente e uma jovem adulta que só ficava dentro do quarto lendo, lendo, lendo. Ah, isso me lembrou de um poema do Leminski:

O tempo fica
cada vez
mais lento
e eu
lendo
lendo
lendo
vou acabar
virando lenda

E lenda não existe, né?

Mas vamos falar mais um pouquinho de livros. Eu tô atualmente tentando ler aquele livro “O lugar”, da Annie Ernaux, autora francesa que foi Nobel de literatura do ano passado. Esse é um livro curtíssimo, dá pra ler em poucas horas, mas o meu vício em telas não me permite ler mais do que algumas páginas por semana. E não ajuda o fato de que eu simplesmente não consigo me importar com a história que ela tá contando: a vida que ela e a família dela levavam numa cidade interiorana da França e como eles eram humildes e tinham suas peculiaridades e tal.

Eu ando meio insensível quanto a essas narrativas europeias. Tentei ler “Léxico familiar”, da Natalia Ginzburg, e também não rolou. Antigamente não me importava em ler literatura branca, me divertia igual, mas agora só soa tudo frívolo. E, ao mesmo tempo, não quero ler um livro sobre como a vida das pessoas negras é difícil. Eu já sei disso. É a minha vida. Quero me alienar um pouco. Mas nem isso consigo porque fico revirando os olhos pras agruras da vida europeia. Talvez eu devesse ler um livro latino-americano ou asiático.

Quem tiver recomendação, manda aqui no Spotify. Se você estiver ouvindo por outro meio, manda pelo Instagram, por favor. Mas o livro tem que ser curto e fácil de ler porque meu cérebro encolheu nos últimos anos. Agradecida.

Crédito

Um hábito que eu não perdi ao longo dos anos foi o de escrever diários. Faço isso há uns 20 anos, com alguns intervalos no meio. É uma rotina que eu gosto. Me organiza. Se fico mais do que dois dias sem registrar os acontecimentos e sensações, já me sinto meio perdida.

Esses dias vi uma entrevista do Matty Healy, vocalista da banda The 1975 — não sei como é pra vocês, mas eu tenho uma trava pra ler números em inglês. Não é natural pra mim ler Nineteen Seventy Five. Dá muito trabalho. Embora Mil Novecentos e Setenta e Cinco também dê trabalho. Mas o português é minha língua nativa, né, é automático.

Mas voltando: vi uma entrevista do Matty Healy, do The Nineteen Seventy Five. Inclusive, não ouço essa banda, só vi a entrevista porque ele é o novo namorado da Taylor Swift, e eu me interesso pela vida da Taylor Swift. Nessa entrevista, ele diz que estar na banda é como um hábito e compara isso a escrever um diário. Ele tem 34 anos, e o 1975 existe desde os 13 anos dele. Se ele não tá fazendo música com a banda, é como se faltasse algo. Não sei como é estar em uma banda há 20 anos, mas sei como é ter diários há 20 anos. E é exatamente como o Matty Healy descreveu.

Tristemente não tenho mais os diários da infância. Mas me lembro de uma entrada em particular. De algum dia de 2003. Sei que era domingo porque tava na casa da minha avó. Acordei meio tarde e fiquei vendo as séries que passavam de manhã no SBT. Naquela época, a gente falava seriado em vez de série. E assistia tudo dublado. E falava “Tal Mãe, Tal Filha” em vez de “Gilmore Girls”. Me lembro que havia um seriado de detetive protagonizado por mulheres. E no episódio daquele dia, o plot envolvia umas cenas de pegação entre elas. Aos 7 anos de idade, eu já tinha umas tendências sáficas e ter visto esse episódio foi um dos highlights do meu dia.

Pro almoço, minha tia fez carne recheada com linguiça (só agora me dou conta da ironia). Eu amava esse prato. Foi um dia feliz. E eu só me lembro da existência desse dia super banal porque o registrei no diário. E li e reli a entrada diversas vezes nos anos que se seguiram.

Instagram: @caracolespodcast
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Written by Ana Carolina Santos

Leitora e escrevedora de transporte público. Faço o podcast Caracoles: https://linktr.ee/santosacarolina

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