Caco da Motta
Crônicas
Published in
2 min readOct 16, 2015

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O relógio digital do Vô Jango

Caquinho da Motta/foto Pedro Martins

Às vezes, é preciso processar uma desaceleração das ideias para não pifar a nossa máquina, afinal não temos um processador, não somos combinações de bits e bytes. A multiplicação de informações, compartilhamentos, leituras, vídeos, áudios e assuntos, tudo ao mesmo tempo gera uma espécie de esquizofrenia digital. No que realmente somos focados, especialistas, nos aprofundamos?

Há uma tendência ao genérico, ao midiático, ao mais falado, mais lido, mais curtido e mais comentado. Existem versões absurdas de fatos como fábulas, ou por irresponsabilidade, ignorância ou mesmo por interesse.
Não há mais como evitar este caminho, embora assim como o ar está contaminado, precisamos ter consciência de como nos reciclar para não sofrer uma poluição digital em nossas mentes.

Caminhar, ler livros, ouvir histórias dos mais velhos, passear com o cachorro, contemplar a natureza, catar conchinha na na praia, pegar jacaré no espumão, curtir o silêncio, conhecer a um local diferente, tocar um instrumento, beijar, abraçar, amar, dar boas risadas, olhar álbuns de fotos antigas, assar um churrasco, fazer um bolo, fritar um ovo, andar de ônibus, comprar pão na padaria, passar café no filtro e quem sabe até escrever na máquina ou a mão um texto para alguém e entregar pessoalmente.

João Menezes Martins, o vô Jango/arquivo da família

Esta é quase uma carta, um telefonema de uma geração que nasceu analógica e vai morrer digital. Lembro lá pelos anos 90, quando meu avô Jango ganhou um relógio Casio do meu tio João que havia ido ao Japão. O velho olhou para aquela telinha com a hora digital, os segundos mudavam os números sem ponteiros, e falou algo como “O tempo agora é o mesmo, mas os tempos são outros”. Ali recém estava começando uma grande mudança, uma nova era. E hoje consigo entender melhor e reagir quase como meu avô a cada novidade fantástica que surge em segundos.

Obrigado Vô, por aqueles segundos preciosos e tantos outros ao teu lado.

Este texto foi publicado no blog Um Texto Pra Mim. em 17.08.2015

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