Assisti Coringa — e te conto o que achei

Gabriel Martins
CaradosSports
Published in
6 min readOct 4, 2019

Tem um filme novo estreando no cinema, não sei se vocês ouviram falar.

Antes de mais nada, vou dividir essa crítica em duas partes: primeiro sem spoilers, para quem ainda não assistiu ao filme, e depois com spoilers. Então se você ainda vai ao cinema, mas antes quer saber o que eu achei de Coringa, primeiro obrigado por considerar minha opinião importante. Segundo, pode ficar tranquilo que no primeiro ponto não entrarei em elementos da trama.

Coringa é um filme muito pesado. Apesar de algumas cenas de violência, não é muito gráfico, o que torna essa obra sombria é a parte psicológica. Nós somos colocados na mente de Arthur Fleck, um homem com sérios problemas psicológicos, que já ficou internado no hospital psiquiátrico de Arkham, e que luta para sobreviver em uma cidade que cai aos pedaços.

Por isso a pergunta que tento responder nesses textos, se gostei ou não do filme, fica mais difícil aqui. É um debate interno que já tiver ao sair do cinema algumas vezes: se o filme te joga para baixo, significa que ele é ruim? Coringa me envolveu completamente, me deixou totalmente imerso, mas tem uma carga negativa bem grande. Se a obra é boa o suficiente para te afetar dessa forma, significa que é boa?

Ainda estou processando, mas o meu instinto nesse momento é responder que sim, gostei muito do filme. O trabalho de Todd Philips e Joaquin Phoenix criou uma nova dimensão ao gênero, um thriller psicológico que poderia ter qualquer personagem no centro. “Coincidentemente” se trata do vilão mais famoso das histórias em quadrinho.

Pelas reações na sala onde assisti, muita gente não compreendeu Coringa. Risadas em momento de alta tensão me mostraram espectadores que não conseguiam assimilar o que acontecia na tela. E de fato é um filme denso, e o rótulo do gênero de super herói vai atrair muita gente com expectativas que não serão correspondidas. Não tem uma grande sequência de ação e o bem vencendo no final. O que vemos é o estudo da mente de uma pessoa doente.

Não leve seu filho para ver esse filme. Não é feito para crianças e a censura de 16 anos é muito leve. Como falei, Coringa não é tão gráfico assim com as cenas de violência, mas a pressão psicológica para mim é algo que afeta muito mais.

Joaquin Phoenix x Heath Ledger

Depois do desastre chamado Esquadrão Suicida, o Coringa voltou a receber uma performance genial nas mãos (e corpo) de Joaquin Phoenix. Phoenix acertou em cheio em todas as nuances e parte mental do papel, mas não fica atrás o trabalho incrível dele fisicamente. O ator claramente perdeu muito peso e o corpo dele parecia deformado, uma manifestação física da loucura do Coringa. Assustador, sem dúvidas, mas impressionante.

Não há como não comparar com a icônica atuação de Heath Ledger em Cavaleiros das Trevas. Se tivesse que escolher uma com a minha mente sem nuance de fã de esporte, ainda ficaria com Ledger, mas Joaquin Phoenix sem dúvidas alcançou o mesmo patamar e com uma performance bem diferente do falecido ator (de quem era amigo).

Daqui em diante entrarei em spoilers de o Coringa. Se você não quer ter elementos da trama revelados antes de assistir, não leia o texto a partir de agora e só volte após ir ao cinema.

O que menos gostei no filme

Não gostei da família Wayne ser envolvida no filme. Entendo que há esse elemento em algumas versões dos quadrinhos, mas na telona essa relação direta diminuiu um pouco do efeito causado por Coringa. Achar que Thomas Wayne é o seu pai, que na sua mente o rejeita, simplifica a relação do vilão com Bruce Wayne. Claro que não é verdade, já que descobrimos que foi tudo uma ilusão de sua mãe, mas isso não importa já que Arthur Fleck acredita ser verdade. E claro, detestei que mais uma vez seja colocada na tela a morte dos pais de Batman.

Como fã de filmes de super herói, e não dos quadrinhos, prefiro a versão do Coringa de Cavaleiro das Trevas, um agente do caos que não sabemos da onde vem. Ter raiva do “irmão” por ter sido abandonado pelo “pai” simplifica demais a relação com o Batman, que do outro lado viu seus pais serem assassinados por influência direta do seu arqui-inimigo. Provavelmente não será um grande problema, já que ao que tudo indica esse é um filme solo e não fará parte do Universo da DC.

Outro ponto, que aí é contido dentro de Coringa mesmo e não no resto do universo, é o fato do assassinato de três homens no metrô ter gerado toda a revolução com milhares de pessoas se identificando com o palhaço. O sentimento de “mate os ricos” ter surgido da morte de três pessoas que andavam de transporte público, logo não fazendo parte da classe mais abastada em Gotham City, não me pareceu tão plausível assim.

O que mais gostei no filme

O terceiro ato é genial. Até excelentes filmes de super herói como Pantera Negra e Mulher Maravilha tiveram problemas no terço final de suas histórias que prejudicam essas obras como um todo, é algo comum no gênero. Coringa, por outro lado, tem 40 minutos finais espetaculares.

A partir do momento que Arthur descobre a verdade sobre a sua mãe em Arkham, que ela o adotou e não impedia seu namorado de agredi-lo, Coringa engata numa marcha ainda mais sombria. Primeiro ele mata sua mãe adotiva e depois descobrimos que todo o seu “relacionamento” Zazie Beets é um delírio. Me senti um pouco burro por não ter percebido isso antes.

Tudo isso culmina na participação de Arthur no Talk Show de Robert De Niro (genial como sempre). A entrevista começa leve, mas Coringa acaba revelando ter assassinado os três homens no metro e termina assassinando De Niro. Uma boa hora para entrar na grande polêmica do filme.

Qual a responsabilidade da arte com o mundo real?

Essa é uma pergunta antiga e que não parece haver uma resposta definitiva. Mesmo antes de chegar aos cinemas Coringa já é cercado de polêmica por, supostamente, tentar justificar a mente de terroristas que atacam pessoas inocentes em colégios e locais públicos nos Estados Unidos. E como sempre, a internet é um local difícil de encontrar nuance nessa discussão.

É um questionamento justo, se Coringa vai ou não incentivar atos violentos, principalmente quando se fala de pessoas com algum tipo de doença mental. Medir se é responsabilidade ou não de um filme, no entanto, é algo que não parece simples de ser feito. Note que disse que questionar é justo, não afirmar.

Outro ponto é a suposta glorificação do Coringa “incel”. Pra mim é um exagero definir dessa forma, claramente estamos assistindo a uma pessoa má e que tem problemas mentais. A cena final em que os palhaços “libertam” o seu líder me deixou desconfortável, mas tirando essa parte não tive a sensação de que era uma propaganda e uma justificativa dessa violência. No fim, é um filme e um muito bom por sinal para incitar essa discussão.

Nota final: 8,0/10

Minha opinião em uma frase: Todd Philips e Joaquin Phoenix deram uma sofisticação inédita um filme de super-herói, que definitivamente deve ser visto apenas por adultos.

Observação: eu sei que tem um erro de português no título. Assistir é um verbo com duas transitividades. Quando transitivo direto significa “ajudar”. Com sentido de ver, é transitivo indireto e então precisa de preposição. É de propósito, ok?

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