Eminem = lixo

Vinícius Silveira
Caralho à 4
Published in
5 min readSep 16, 2019

A internet, ou uma bolha específica do Twitter, nos últimos dias tem discutido (ou odiado) o papel do Eminem no rap na atualidade. Fãs clubes como sempre são os vetores da enorme dor no anús causada nessa “treta”, dessa vez travada entre o fandom do Eminem e do BTS (sim…). Entretanto, como eu não tenho mais absolutamente nada para escrever e sou meio sadomasoquista no quesito tretas de internet, faço uma busca, que agora está mais para estudo antropológico, por um debate que na verdade é muito interessante. Esse debate, na minha opinião, é o da legitimidade do Eminem e de todo e qualquer rapper branco no rap, ou o privilégio branco.

Vale destacar que de forma alguma esse texto e o autor dele buscam fazer uma defesa do Eminem, eu assisti Advogado do Diabo e sei onde isso termina. Também não existe resposta para qualquer questão levantada com a discussão. O que importa em si é o debate. Para você que curte algum rapper branco considere este texto como uma sessão de terapia (pelo menos está sendo para mim).

A treta iniciada nas redes sociais é tão idiota quanto a ideia de brigar em redes sociais por causa de um artista. Acredite, foi causada por uma comparação entre uma artista k-pop e o rapper estadounidense. O que era obviamente um meme, uma brincadeira, virou uma grande briga devido a imbecilidade generalizada com a qual tem convivido o brasileiro no último ano. Os fãs do Eminem fizeram jus a seu papel na sociedade e conseguiram mais uma vez serem um pouco mais odiados. Fato é: a discussão inicialmente localizada entre fandoms se generalizou e gerou debates em torno da figura do Eminem, especificamente no que tange o recorte de raça. Um debate extremamente caro para a sociedade e para a cultura hip hop.

Atingindo quase 20 anos de carreira musical, o rapper Eminem arrematou multidões de fãs, premiação importantes como o Oscar e o Grammy e polêmicas de todo tipo por conta do conteúdo de suas letras. Entretanto, o fato de ser branco nunca gerou tanta polêmica e desmoralizou a imagem do rapper quanto agora. Notoriamente, o rapper tem recebido ultimamente ataques de personalidades como Lord Jamar, Joe Budden e recentemente o rapper Gucci Mane, que declarou: “Eu não toco Eminem no meu carro! Você toca ele no seu carro? Você dá uma volta tocando Eminem, no seu carro, com a sua esposa?”. O que pode soar para alguns como meras provocações, na verdade são discursos que giram em torno do sentimento de falta de representatividade da figura de um rapper branco sendo intitulado por muitos como “O Rei do Rap”.

Considerado pela revista Rolling Stones como Rei do Rap em 2011, Eminem parece ter recebido o título sem a legitimidade necessária do público de rap, todo o público. A data, combina também com o decrescimento musical dos trabalhos de Eminem, que em 2009 lançou um fraco Relapse e os medianos Recovery (2010) e The Marshall Mathers LP (2013), quando se autointitulou o “Deus do Rap”. O Eminem de soberania inquestionável no início dos anos 2000, dada a sua relação com figuras extremamente representativas para o hip-hop como Dr. Dre, Xzibtz e Snoop Dogg e o arsenal de 3 álbums impecáveis musicalmente, “The Slim Shady LP”, “Marshall Mathers LP” e “Eminem Show”, deu lugar a um Eminem inseguro em relação a sua música e tendo que correr atrás da legitimidade perdida no tempo em que ficou ausente do rap game. Mesmo cambaleando, foi coroado o “rei do rap”, mas para quem?

Novamente um branco foi coroado como rei de uma cultura de origem negra, como no caso de Elvis Presley com o Rock’n Roll. De fato, Eminem não é nenhum Vanilla Ice ou Beastie Boy, o rapper como muito foi veiculado é um representante “real” da cultura hip-hop por ter surgido na periferia de Detroit e participado do círculo de batalhas de rap na cena underground dos EUA, ou seja, vindo do nada, enfrentando preconceitos, mazelas e conquistado tudo. Querendo ou não, o Eminem foi vendido como esse branco “real” de forma a possibilitar sua entrada na indústria musical e ser um ponto de ligação entre brancos e a cultura negra e até ele sabe disso, como revela em “White America”. Mesmo assim, dada a história de opressão dos brancos sobre a cultura negra, é muito, mas muito simbólico que um MC branco com uma carreira em decadência cultural e social seja coroado com tão alto prestígio, independente de sua habilidade técnica (algo nunca questionado por nenhum de seus críticos). Isso é privilégio branco.

O fato de todas essas tretas estarem pipocando agora marca também um crescimento no debate e nas tensões raciais ao redor do mundo, mas principalmente no EUA com a eleição de Donald Trump e no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro. A cultura sempre está diretamente relacionada ao contexto em que vivemos.

No mais, toda a vontade de fandoms em cancelar, venerar e eleger listas com os melhores de todos os tempos só tem gerado imbecilidade em torno do debate sobre o rap, ao ponto de que simplesmente não é mais um debate e sim uma guerra. Isso é uma das coisas mais perigosas que se pode acontecer em uma cultura que preza tanto pelo diálogo, uma cultura fundada na visão crítica e marcada por isso.

Não se engane: Eminem é um grande rapper, talvez um dos maiores, mas não o maior. E isso não por causa de vendas e premiações parciais, isso não devia significar absolutamente nada depois do Macklemore ganhar do Kendrick Lamar o melhor disco de Rap nos Grammys de 2014 (talvez um dos maiores episódios de vergonha alheia da história). Eminem é um dos maiores pela genialidade com as palavras, pela importância na industria cultural, pelas referências musicais, pelo posicionamento frente à questões sociais e pelas críticas bem fundamentadas a Bush e Trump em “Mosh” e “Untouchable” respectivamente, entre tantas outras.

porra, o cara ganha o prêmio e pede desculpas por ter ganho???

Eminem também é um lixo, por não aprender que assim como sua aparência, a música muda, a cultura muda e isso não significa ser melhor ou pior, como o mesmo pensa. Eminem é um lixo pelas letras homofóbicas e machistas retiradas dos anos 90 em pleno ano de 2019, um recurso tão baixo para um artista tão cheio de recursos. Eminem é também um lixo por não admitir a própria decadência e não reconhecer a simples mudança. Fãs do Eminem, aceitem isso!

E toda essa história pode ser vista nas entrelinhas de uma briga de twitter. Quem diria?!

Ninguém pode ou deve ser só uma coisa, Eminem é tanto genial quanto um lixo como podemos ver, porém, eu imploro e venho aqui justamente apontar que toda e qualquer crítica não pode nunca ser deslocada da realidade. Nos deslocar da realidade só torna-nos puros hipócritas. Não podemos achar ele um merda só porque é engraçado ou cool achar isso. Get a life, respeite a cultura! Precisamos começar a construir nossas próprias críticas e isso só se faz botando a cara.

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