Usuários daltonicos: experiência com a criação de aplicação pensando na acessibilidade
Pois é, lá vai mais um relato de experiência e dessa vez, como o título fala, tive minha primeira experiência realmente voltada para a acessibilidade, numa realidade muito comum. Falo comum por que, estatisticamente, entre 6% a 8% dos homens e 0,5% das mulheres têm essa deficiência em distinguir cores. Ou seja, muita gente está usando aplicações e sem conseguir distinguir cores e entender alguns significados. Antes de mais nada, fui pesquisar sobre como eles veem as coisas, e me assustei. Coisas simples e belas pra gente, são bem diferentes pra eles.
O daltonismo tem algumas classificações: protonopia, que são as pessoas que não veem o vermelho e normalmente enxergam tons de marrom, amarelo e cinza; deuteronopia que não enxergam o verde, e veem cores voltadas para o marron e cinza e o mais raro, que é o tritanopia que não veem os tons de azul e amarelo. Essa deficiência é mais comum nos homens, porque ela atinge o cromossomo X e como as mulheres possuem dois cromossomos X e os homens apenas um, é mais comum atingir os homens. Explicando bem simploriamente, que não é o foco deste artigo, os cones (que são responsáveis por transportar as cores para o nosso cérebro) tem algum problema em um de seus sensores seja o vermelho, verde ou azul (no famoso RGB dos nossos olhos).
Não posso mostrar a aplicação ou a empresa (acordo de confidencialidade), mas as cores que foram utilizadas para representar categorias e gráficos de consulta foram estas da figura 1. As cores que foram escolhidas pelo cliente de acordo com cada produto que estava disponível na aplicação. Porém, alguns usuários reportaram um “erro”, pois os gráficos não funcionavam e mostravam cores que não se diferenciavam, isso estava dificultando o acompanhamento de crescimento e comparação dos produtos. Foi testado e retestado pela equipe, mas o erro permaneceu, foi quando perguntamos aos usuários se ele tinham algum problema de visão ou luminosidade dos devices. Eis que veio o veredito: daltônico.
E agora? Mergulhando no universo daltônico para tentar entender o que eles viam, percebi que esse público estava bem mais perto do que eu imaginava: um aluno meu é daltônico, um colega de trabalho, o pai de um amigo e se eu tivesse com tempo para procurar mais, é possível que achasse até na família. Com isso, baseado em pesquisas e referências de imagens que representavam as cores como são vistas pelo público alvo, eu consegui chegar a essa paleta de cores (figura 2). Porém, antes de usar e ou inserir na aplicação, fui fazer um teste com os usuários: coloquei as paletas, uma de cada vez, na frente dos usuários e pedi para eles me mostrarem quais as cores que eles enxergavam como sendo iguais, resultado na figura 3; em segundo lugar eu pedi para ele mostrarem as cores que eles julgavam mais diferentes, com um maior contraste (figura 3). Por fim, eles falaram que as demais cores eram menos contrastantes mas dava para ser diferenciadas.
Diante dos dados capturados no teste, foi gerado uma nova paleta de cores para a aplicação,(figura 3), que para completar as 8 cores que precisava, eu utilizei as cores que foram julgadas como “normais” para os usuários. Adicionadas aos gráficos e às categorias, eis que a mágica aconteceu. Os usuários conseguiram distinguir os produtos e acompanhar o comparativo deles dentro dos gráficos.
Essa foi uma experiência fantástica e que me fez pensar ainda mais que fazer design inclusivo é o caminho. Pensar como pessoas que veem, andam ou usam as coisas e que essas ações não são iguais às suas, é um meio interessante de testar a empatia e conhecer um novo mundo. Sensação ímpar.
Não é previsível saber que um ou mais usuários daltônicos vão reportar esse tipo de erro, assim como não parece ser algo interessante fazer as aplicações sempre com as mesmas paletas de cores para atingir um público relativamente “pequeno” para alguns(10%), mas pode-se usar o ícone que mostra o suporte à acessibilidade para daltônicos (figura 4) na aplicação, que indicará ao usuário que a sua aplicação da suporte à mudança de cores para a realidade deles. Você talvez não consiga corrigir de todos os daltônicos, alguns não vêem o vermelho, outros o verde, alguns o verde e o vermelho e etc. Mas se você chegar perto de melhorar a experiência de uma parte desse público, acho que já é de grande valia. Veja como eles veem as cores das frutas no supermercado (figura 4) e pense se não vale a pena melhorar o que tiver ao seu alcance.
Espero ter ajudado em mais um relato de experiência e aguçado a vontade em pesquisar e criar um design um pouco mais inclusivo. Onde a beleza por si só não seja mais importante do que o cuidado com experiências e a interação dos usuários. E que isso seja sempre o que nos motive para manter criando experiências importantes para mais e mais pessoas.
:D