Inclusão, estamos olhando para o lado errado

Bia Burin
Carlos Kill Mag
Published in
4 min readOct 17, 2016

Sobretudo na educação. ~um convite à reflexão~

Quando um menino ou uma menina nasce, nascem também muitas expectativas. Pais, família, educadores, a sociedade como um todo já espera muito dessa criança que acabou de chegar ao mundo.

Criar expectativas tornou-se um hábito e, por isso, é difícil identificá-las, desconstruí-las e diferenciá-las da realidade. O primeiro passo para a conscientização desse hábito é compreender que, na maior parte das vezes, as expectativas estão relacionadas à chamada “normalidade”, isto é, comportamentos, características e condutas consideradas “padrões” ou “comuns” por um indivíduo ou grupo de pessoas.

Contudo, “a ideia de que existe ‘normal’ e ‘anormal’ é um mito”, afirma Gabor Maté, médico especializado em neurologia, psiquiatria e psicologia e famoso por seus estudos sobre transtorno de déficit de atenção (TDA) e dependência/vício. Maté afirma que é importante darmos atenção às diferenças e fortalecermos as conexões humanas, assim todos terão espaço para expressar o que quiserem e/ou precisarem.

Para que as diferenças sejam valorizadas e as conexões estabelecidas, é preciso que haja aceitação. Em uma sociedade iludida pela “normalidade” e carente de verdadeiras conexões humanas é evidente a dificuldade de ver e aceitar o outro como ele é.

Desde que chega ao mundo, a criança já pertence a ele. O que acontece no decorrer de sua trajetória é que, por não se adequar a uma sociedade que busca “padrões”, ela acaba sendo excluída. Logo, o ato de exclusão não se origina na criança, e sim na dificuldade das pessoas em vê-la e aceitá-la. É, portanto, o insistente hábito de querer encaixar tudo e todos em caixinhas, criar expectativas em torno disso e não aceitar as pessoas como elas são que causam a exclusão.

Isso acontece com frequência nas escolas, pois, organizadas como estão, produzem a exclusão. Existem milhares de “programas de inclusão” espalhados pelo mundo. Na descrição desses programas encontramos que eles atendem crianças com deficiência, discriminadas e as que não acompanham o conteúdo (e, portanto, também não se encaixam no “padrão de aluno” esperado pelo atual sistema de ensino). Entretanto, a questão que surge é: quem está atendendo aqueles que desaprenderam a aceitar as diferenças?

Nenhuma criança nasce rejeitando, rotulando ou excluindo, ela aprende a fazer isso.

Dessa forma, utilizar a palavra “inclusão” para nomear esses programas é um equívoco. Ela erroneamente sugere que a responsabilidade pela exclusão é do próprio excluído. Ela nos faz olhar para o lado errado.

É preciso alterar a forma como nos referimos a essas atividades para nos conscientizarmos de que a ação começa em nós: alunos, pais, professores, comunidade. Nesse caso, o contrário de exclusão não é inclusão, é aceitação. Ao invés de “programas de inclusão”, deveríamos chamá-los “programas de aceitação”.

A mudança de uma única palavra altera completamente a perspectiva da situação.

Um caso que ilustra bem essa questão é o de Christopher, publicado por seu pai no Facebook. Christopher é uma criança de 11 anos diagnosticada com autismo. Quando Bob, seu pai, chegou à sua escola, deparou-se com alguns trabalhos dos alunos expostos na parede e um dos trabalhos de Christopher chamou sua atenção. A atividade pedia que os alunos completassem algumas sentenças, tais como “Os membros de minha família são”, “Minha comida favorita é”, entre outras. Após ver que a resposta de Christopher para a frase “Alguns dos meus amigos são” foi “ninguém”, Bob decidiu fazer um apelo no Facebook por mais aceitação, compreensão, empatia e compaixão.

Christopher certamente faz parte de um “programa de inclusão” em sua escola, contudo, continua sendo excluído pelos colegas. Como disse Bob em sua publicação: “[os alunos] não foram ensinados a acolher e aceitar as diferenças dos outros”. Por isso, o primeiro passo para mudarmos esse cenário é alterarmos a forma como nos referimos a esses programas. Todas as mudanças começam com a conscientização, e, nesse caso, ela nos conduz a ações mais responsáveis e empáticas.

Em 2014, foi lançada uma belíssima animação que nos convida a refletir sobre esse assunto. Cuerdas, vencedora do Prêmio Goya 2014 de Melhor Curta Metragem de Animação Espanhol, conta a história de uma menina chamada Maria que vive em um orfanato e faz amizade com um novo colega de classe, Nicolás, que tem paralisia cerebral. Enquanto as outras crianças exibem comportamentos de rejeição e exclusão, Maria nos mostra que o caminho é outro: o da aceitação.

Fonte: http://cuerdasshort.com/

Foi sancionado recentemente no Brasil o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/2015), também referido como “Lei Brasileira da Inclusão”, para assegurar e promover, em condições de igualdade, os direitos das pessoas com deficiência. Uma lei importantíssima para 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no país. Como publicou o Laboratório de Educação: “Isso significa que a sociedade deve se adaptar para receber a pessoa com deficiência, e jamais o contrário.” E, para adaptar-se, a sociedade é convidada a ouvir, empatizar e aceitar.

Em um mundo em que a intolerância, exclusão, violência e conflitos têm aumentado dentro e entre sociedades, mostra-se cada vez mais urgente questionar e desconstruir as ideias de “normalidade”, conscientizar-se e assumir a responsabilidade pelos próprios atos e reaprender e praticar a aceitação do outro.

Carlos Kill é paratleta, bicampeão mundial por equipe pelo Brasil no Campeonato Mundial de Surf Adaptado (2016/17). A revista é um esforço coletivo e colaborativo de levar Kill à edição de 2018, em dezembro. Acompanhe a preparação do atleta nas redes sociais.

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Bia Burin
Carlos Kill Mag

Educadora, pós-graduada em Psicologia Positiva. Professora de Mindfulness (Atenção Plena). Eterna aprendiz.