Juízo final do desamor

Carnavalhame
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3 min readMay 3, 2022

Lembro-me de que quando cheguei, fui direto para o meu quarto. Ao abrir a porta, parei um instante, olhei todo o espaço e só senti um vazio. Toda a minha vida estava ali. Os livros estavam empilhados de uma maneira organizada sobre a estante. Era o único aspecto da minha vida que fazia sentido. Os livros. Só naquelas páginas, entre romances, ficções e poemas, encontrava sentido em viver. E eu não tinha levado nenhum comigo quando havia ido embora.

Sobre a minha mesa velha e bagunçada, notei uma casca de banana já preta e um copo de vidro sujo com o suco que eu tinha bebido antes do efetivo. Um sutiã no chão tinha sido esquecido. Tudo isso denunciava o tempo que tinha passado. Eu não queria ter voltado, mas as circunstâncias me obrigaram. Ter olhado como ficou meu quarto fazia-me perceber a importância que exercia na vida das pessoas da minha família.

Nenhuma.

Entrei, fechei a porta. Retirei os chinelos de maneira desleixada e os deixei pelo caminho. Caí na cama. De frente para o teto, exatamente como eu gostava de ficar. Olhar para o teto era como olhar o vazio de mim. Chorei. Toda lágrima derramada despejava uma lembrança. Já estávamos fartos; não nos amávamos mais, mas não nos deixávamos. A nossa companhia tinha se tornado costume; no entanto, não era mais um para o outro que contávamos sobre nossos dias.

A nossa vida se tornou um monólogo sob o chuveiro e sobre o travesseiro. Bom dia. Tudo bem. A que horas me busca? Quero comer. Os vocábulos estavam cada vez mais escassos. Guardávamos as palavras para alguém mais interessante. No dia em que nos separamos, acordei sem a presença dele; que já havia saído para o trabalho. Dias antes, comemoramos o meu aniversário. Infelizmente, ainda vivia. Tentei morrer meses antes. Não consegui, mas tentei. Pensei que poderia só recolher as coisas e os cacos, sair sem explicação.

Decidi ir trabalhar. Passei o dia inteiro tentando encontrar palavras. “Como vou falar?”, eu pensava, enquanto aquecia um pão e esperava o café esfriar mais. Senti de novo aquilo pelo corpo. O que senti meses antes. Já sabia que aquilo era sinal de que ele não me fazia mais bem, nem eu a ele. Era sinal de que eu não o queria mais. Amava-o, mas não o queria mais.

Enquanto esperava o uber, ensaiei uma mensagem no celular. Bom dia, baby. Saindo pro trabalho. Tenha um bom dia. Enviei. Foi a mesma mensagem que havia enviado no dia anterior. E a mesma mensagem que tinha enviado nos meses antes. Passei o dia inteiro no trabalho, mas não pensava em outra coisa. Teria sido melhor ficar em casa. Na cama. Morrendo. Teria? “Eu preciso conversar com você”, eu disse. Já era o fim do dia. Ele me buscou e fomos mesmo pra casa. A rádio tocava uma música do Damien Rice. Eu não te amo mais.

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