Um amor incômodo

Carnavalhame
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3 min readApr 21, 2022

Recentemente, reorganizando livros, peguei um romance da Elena Ferrante que tenho aqui e fiquei encarando, por alguns minutos, seu título: “Um Amor Incômodo”. Ganhei esse livro de presente de aniversário de 30 anos. Na dedicatória “Maria, uma mulher forte merece uma leitura forte!”. De fato, lembro-me de ter sido uma leitura que pegou forte, não só pelo enredo em si, mas também pela lentidão com a qual a realizei.

O livro fala sobre a morte de Amália, mãe de Délia, uma mulher de 45 anos de idade, e diferente de como podemos reagir diante da morte de nossos pais, apesar do susto, nenhum sentimento de dor pela perda da mãe cai sobre ela.

Eu não vou falar hoje sobre esse livro, porque sobre ele muito já foi dito. Fiquei com o título do livro passeando na minha cabeça e, devido às situações que tenho vivido, “Um amor incômodo” me levou a refletir nas últimas semanas sobre que amor é esse que tanto incomoda. Aos 30 e poucos anos, vejo-me sendo, junto com minha irmã mais velha, mães dos nossos pais. É óbvio que esse dia chegaria, mas quando eu pensava nele tudo parecia uma realidade muito distante. E aqui estamos, nós duas, cuidando de nossos pais já idosos. Juro que tentei fugir, não por ser uma pessoa ruim. Tive por vários momentos muito medo de não corresponder da mesma forma que eles cuidaram de mim e de minha irmã, hoje saudáveis e “criadas”, como dizem.

Ser mãe dos seus pais é árduo. E é aí que entra esse amor incômodo. O quanto de culpa você carrega por estar se preocupando o mínimo com eles? Nós filhos temos a nossa vida e, por muitas vezes, ouvi que tocando a minha vida eu estava abandonando a deles. Hoje, meus pais são idosos, diabéticos e cada um carregando um problema proveniente dela, mas nenhum esforço dedicado parece ser suficiente. A gente se culpa quando uma avalanche de problemas de saúde surgem ao mesmo tempo. E se tivéssemos pressionado mais? E se tivéssemos obrigado? E se tivéssemos dito o que deixamos de dizer só porque são nossos pais?

Muitas foram as vezes que preferiam me ver calada a dar lições de moral. E a ironia disso é que essas mesmas lições eu aprendi com eles, meus pais. É pôr em prática aquilo de “experimente usar a fala da pessoa contra ela mesma”. Claro que não há intenção, o que há é cuidado, mas o que ouvi muito foi “Maria, são seus pais”. E é justamente por serem meus pais que precisam atestar, enquanto vivos, que as filhas não os abandonaram, embora tocando cada uma a sua vida.

Em mim há esse amor incômodo. Foi ele que me segurou por tanto tempo me impedindo de viver a minha vida. Seguir sozinha, sair das asas, foi difícil. A culpa ainda pesa. Na verdade, a culpa é o que pesa mais, mesmo que você não a tenha, porque sentir culpa diminui a pessoa a qual levamos anos pra construir. E esse amor incômodo vai seguir comigo até a morte, já que é esse amor que está enraizado em mim.

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