Céu mudo

Czesław Miłosz escreve sobre Albert Camus

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2 min readNov 22, 2017

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“Era Joseph Conrad, que todos da minha geração leram nas excelentes traduções feitas por sua prima, Aniela Zagorska. Não gostaria de exagerar a comparação entre Conrad e Camus, mas ambos se comportavam como hidalgos. O paralelo não daria conta do lugar e do tempo e seria perigoso. No entanto, Conrad era obcecado pela moral sem sanção, pela solidão do homem lutando contra o destino cego sob o céu mudo e postulando a fraternidade humana. Mas nunca levou sua inquietação até po-la em equações. Nem sua formação pela literatura polonesa na sua primeira juventude nem sua ‘anglicidade’ inclinavam-no a escrever um ‘mito de Sísifo’. Preferia propor ao leitor a contemplação de um universo impassível; depois ele se refugiava no silêncio, evitando qualquer comentário. Camus trazia aos mesmos problemas seu temperamento jansenista, ou mais bem cátaro. Parece-me que suas raízes, através de uma longa tradição cristã, mergulhavam no maniqueísmo dos bogomilos da Bulgária, que ia reviver nas ‘seitas’ russas e, transplantado no Ocidente, entre os albigineses. Camus era fascinado por Dostoievsky, esse herdeiro das seitas da cristandade oriental. E, assim como Dostoievsky, tinha coragem de abordar temas de ‘mau gosto’. Pois é de bom gosto meditar hoje sobre o enigma apresentado já no Livro de Jó? Não se é então, em literatura, um ingênuo, um príncipe Michkin disfarçado de escritor parisiense? A peste é o melhor livro sobre o flagelo totalitário dos tempos modernos. Mas, em primeiro lugar, é uma meditação sobre a desgraça dos inocentes, logo sobre o Livro de Jó. ‘Ele zomba da desgraça dos inocentes’. Quem? Jeová, o demiurgo mau dos maniqueus.”

Texto completo, aqui.

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Escritor, jornalista, redator. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Autor de Pesadelo Tropical (Aboio, 2023). www.marcosviniciusalmeida.com