Ruínas
Você fuma dezoito cigarros por dia e escreve meia página por dia. Nos dias bons. Nos dias ruins você não escreve nada. Nos dias mais ou menos escreve um parágrafo mais ou menos respeitável. Ou quase.
A cena está nítida na sua cabeça, barulhos, uma ação se desenrolando: então você apaga o cigarro e senta na cadeira pronto pra matar a pau. Não é do tipo que esfrega as mãos, não é tão otimista assim — mas é quase isso.
O fato é que a essa altura dos fatos parece muito fácil recuperar aquela imagem: despejar tudo, buscar a nitidez daquela cena fantasma na sua cabeça.
As primeiras três frases saem num riscado. Mas quando você termina o parágrafo e relê a cena — uma bela de uma porcaria. Apaga tudo e começa de novo.
A segunda tentativa fica pior que a primeira e você não sabe o motivo. Tenta recuperar aquela cena na sua cabeça mas agora ela não passa de uma lembrança desbotada. Fumaça. O teclado vai cada vez mais devagar.
Sob as ruínas daquela imagem originária sobram as palavras, uma depois da outra, é só isso que você tem. E no fim das contas você não acredita em estados febris. E psicografia só é interessante aos dezoito anos. Ainda bem.
As frases que vão parar na página são também as ruínas de inúmeras outras frases abortadas. Destruídas. Ruínas de ruínas.
O resultado é mais ou menos irregular. E depois de três meses e quarenta e sete maços de cigarro: a primeira versão do primeiro capítulo. É um começo.