Caderno de notas (arquivo pessoal)

Um livro

Marcos Vinícius Almeida
Carne Viva
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4 min readOct 27, 2015

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Tem uma ideia que há anos não sai da minha cabeça. Um projeto de livro que me atormenta praticamente todos os dias. Até fiz alguns rascunhos, algumas pesquisas iniciais, mas os fatores extraliterários (filho, faculdade, trabalho — boas desculpas), acabaram sempre empurrando a empreitada para segundo plano.

O fato é que a ideia não me abandona. Nesse último ano, em meio a batalha com a monografia e os boletos vencidos enfiados debaixo da porta, a coisa que mais me preocupava era como arranjar tempo, condições materiais e um ambiente propício para desenvolver o projeto.

A primeira possibilidade era fazer o troço nas horas vagas, o que é mais ou menos impossível quando se tem um filho pequeno, se trabalha durante o dia e se estuda à noite. Vai e volta nesse caos que é São Paulo, espremido em ônibus, viagens de duas horas, semáforos quebrados. Por isso, nesses últimos anos, acabei escrevendo e publicando só contos.

A forma breve, embora trabalhosa, parecia a única possibilidade no momento. O segredo é o seguinte: dá pra fazer um conto de cada vez. Fecha-se um texto, e pronto: pode-se cuidar das obrigações ordinárias. Depois de meses, escrever outro, sem que haja lacunas, sem que se quebre o fluxo do processo criativo. A mesma coisa parece mais ou menos impossível com um romance, na minha opinião. Dá pra retomar um conto inacabado depois de meses. A coisa não me parece possível com um romance.

Escrever um romance é uma relação mais complexa, precisa ser construída e cuidada, no cotidiano, às vezes reconstruída, restaurada, senão perde o ímpeto: acaba. Mas não confunda as coisas: escrever contos não é mais fácil ou menos nobre. É uma questão prática — concretamente um romance leva mais tempo.

Parecia impossível escrever um romance agora. E a história na minha cabeça continuava me atordoando.

A única solução, mais ou menos óbvia: abandonar a família e ir tentar uma vaga no mestrado em Escrita Criativa, em algum lugar do Brasil, ou no exterior. Seria ótima se uma faculdade gringa aceitasse o fato de ter zerado Residente Evil e Silent Hill no Playstation 1 como exame de proficiência. Mas como o inglês de videogame não tem muita serventia no caso de ir para o exterior, a solução mais palpável seria me ir para a PUCRS.

Um ambiente de mestrado em Literatura, com foco em criação literária, sempre me pareceu uma boa opção: em primeiro lugar, porque além de ser um lugar onde se lê romances, se discute teoria, se vive cotidianamente a literatura, se escreve e se reflete sobre o processo criativo — te dá um prazo para a escrita. Você assume o compromisso de entregar uma versão mais ou menos aceitável do seu livro em dois anos. Ter um prazo pode ajudar muito, principalmente sujeitos mais ou menos caóticos e desorganizados como eu.

Por outro lado, cursar o mestrado também é uma boa alternativa para não escandalizar parentes. O utilitarismo da família paulistana não é muito afeiçoado ao fato de um marmanjo de trinta e poucos anos se embrenhar na tarefa de escrever um livro de ficção que ninguém pediu: viver de moletom, entocado em casa, a mesa desarrumada, o focinho enfiado na tela, nos livros.

No caso da pós-graduação, a qualquer pergunta da sogra, dá pra dizer que você está fazendo mestrado em Letras, sem maiores detalhes. Mesmo que o sonho dela seja ver você passar no concurso da Caixa ou do Banco do Brasil, uma etiqueta institucional no âmbito da pós-graduação evita maiores embaraços. É uma titulação, uma profissão mais ou menos palpável. Por outro lado, leitor assíduo, porém indisciplinado, tenho convivido com a vontade de estudar literatura de forma mais sistemática. O mestrado parece casar as duas coisas.

Acontece que não dá para abandonar mulher e filho pequeno em busca de um projeto como esse. Tampouco juntar as trouxas e sumir sem olhar para trás. Toda a logística que envolve uma mudança dessa magnitude é impraticável a essa altura da vida. Seria mais ou menos fácil se eu fosse sozinho no mundo, mas não é mais o caso agora. Também não dá pra viver de moletom em casa. A solução concreta, além de tentar financiamento via editais, é caçar um mestrado em literatura aqui em São Paulo. Mesmo que não tenha a linha de pesquisa em Escrita Criativa, tivesse alguma afinidade com a proposta. Um programa de pós-graduação que oferecesse essa abertura, onde pudesse adaptar o meu projeto em outra linha, e escrever o livro que pretendo.

Hoje eu terminei a monografia e começo a estudar para a prova do mestrado, que acontece na segunda semana de novembro. Já escrevi o pré-projeto e despachei os documentos. Parece que agora as coisas finalmente vão se ajeitando.

A ideia, como se vê, é transformar esse espaço numa espécie de memorial do processo criativo. Se por um lado é um tanto quanto arriscado postar esse texto antes mesmo de ser aprovado — ou reprovado— no processo seletivo, trabalho com o desejo de manter a genuinidade das impressões e fatos que acompanharão a escritura desse livro. Além de tudo, cria-se uma trama: a trama da escrita do livro. Convenhamos que a cozinha de um escritor não é lá algo muito interessante — mas se você chegou até o final desse texto — sinta-se à vontade para acompanhar a empreitada.

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Marcos Vinícius Almeida
Carne Viva

Escritor, jornalista, redator. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Autor de Pesadelo Tropical (Aboio, 2023). www.marcosviniciusalmeida.com