A imprensa e o caminho para as Fake News

Carolina Bertoldo
Carolina Bertoldo
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5 min readAug 30, 2018

Johannes Guttenberg não poderia imaginar as possibilidades que desencadeariam do seu desejo de produzir uma bíblia. Desde que inventou a imprensa, os meios de comunicação e a tecnologia andaram de mãos dadas com o Jornalismo.

Os primeiros jornais impressos, o rádio e a televisão não só revolucionaram o campo jornalístico como também abrangeram seu alcance de forma assustadora. Porém, como toda novidade, cada nova tecnologia transformava o meio de veiculação da notícia, mas não ameaçava o campo jornalístico. Cada uma dessas três ferramentas — o jornal impresso, o rádio e a televisão -, ao invés de se excluírem, trouxeram versatilidade ao jornalismo. Até à internet.

Primeiramente a rede abalou o modo dos grandes veículos de se organizarem economicamente, criando uma relação de insegurança com o campo, mas ser ou não rentável não foi o maior impacto que a internet causaria ao jornalismo. O maior impacto que a internet teve no campo jornalístico, até agora, é ter possibilitado o caminho para a propagação de fake news.

O Papel das Redes Sociais

Blogs, fóruns de discussão e comunidades foram os precursores do quão profundamente o campo do jornalismo poderia ser afetado pela internet. Um espaço onde qualquer um pode emitir opinião ou dar uma informação para qualquer um ler significa que a estrutura horizontal das notícias — fato apurado e interpretado pelo repórter, veiculado pelo jornal e só então acessível ao público — poderia ser burlada, e sem as preocupações éticas de um veículo tradicional.

Mesmo com a possibilidade de qualquer usuário poder criar seu espaço opinativo e informativo, alguns milhares de blogs jamais teriam o alcance de um jornal ou relevância o suficiente para mexer com as bases do jornalismo. Era necessário um mecanismo que facilitasse a verticalização dessa estrutura.

As redes sociais chegaram com o poder de unir pessoas e ideias e forma tão rápida e poderosa que pareciam uma ferramenta maravilhosa de democratização. O Facebook demonstrou ser uma ferramenta poderosa ao possibilitar a organização de protestos gigantes que iniciaram a primavera árabe em 2010. Outra demonstração foram os protestos de 2013 no Brasil, que não só despertaram uma onda de politização na população, mas mudaram os rumos do país desde então.

No entanto seu potencial era muito maior. Mark Zuckerberg criou uma plataforma capaz de atrair e prender milhões de usuários, que navegam entretidos por horas, gerando descargas de dopamina provindos de um simples contador de likes. O Facebook afetou o comportamento humano e se tornou uma nova forma de se conectar com o outro, de expressar sentimentos e opiniões, de se informar.

Nesse sentido, as redes sociais conseguiram potencializar vozes que antes não conseguiriam tanta propagação, e acelerar o tempo em que qualquer informação pode ser espalhada para um grande público, se tornando terra fértil e propícia para o crescimento das ervas daninhas que são as fake news no campo jornalístico.

Não fosse problema suficiente, o mercado e a política logo se apropriaram da rede de forma ainda mais agravante. A quantidade de dados que o Facebook tem sobre seus usuários possibilitou que se criassem nichos de público-alvo. Cada reação, palavra ou até interesse que o usuário tem durante as horas que passa na rede, se tornam dados valiosos, que ajudam empresas a chegar no consumidor certo e campanhas políticas a chegar nos seus eleitores em potencial, ou até propagar notícias falsas que influenciem e mudem o curso de uma eleição presidencial — como no caso da empresa Cambridge Analytics.

O Jornalismo como Antídoto

É preciso compreender como a grande propagação de notícias falsas afeta o campo jornalístico para que o mesmo possa continuar desempenhando seu papel social, na manutenção da democracia. Mas também é necessário reconhecer como o próprio campo jornalístico contribuiu para o atual cenário.

Em 2017 o dicionário de Oxford elegeu Pós-verdade como a palavra do ano, revelando um grande problema no mundo da informação. Pós-verdade é um adjetivo que, segundo a definição britânica denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais.

Por mais novo que o termo seja, a pós-verdade sempre esteve presente na grande mídia, e é a principal ferramenta de manipulação da opinião pública. Não necessariamente se trata de veicular uma mentira, mas, através de uma interpretação moral e emotiva, contornar o fato dando mais ênfase na interpretação dele.

Não coincidentemente, esse é o atrativo de uma notícia falsa, elas apelam aos sentimentos das pessoas, mas com o agravante de não terem compromisso nenhum com a realidade, reforçando crenças e preconceitos, que fazem com que o leitor compartilhe nas suas redes sociais com mais facilidade que uma notícia verdadeira.

É na falta de compromisso com a realidade que as fake news se diferenciam do uso da manipulação dos fatos no jornalismo, pois o próprio campo profissional é aparado com regras, técnicas e um conceito ético do seu exercício. A propagação de fake news é uma ameaça por não estar sujeita às mesmas regras de um veículo jornalístico, não se sabe da procedência delas e é difícil calcular o seu alcance, se comprovada falsa dificilmente é possível culpabilizar alguém. Como reagir então a uma ameaça que surge e se espalha de forma descontrolada?

Uma das reações do campo jornalístico a ameaça, adubada pelas redes sociais, não pode ser a retirada de um conteúdo de fontes confiáveis da rede — como fez à Folha de S.Paulo, que anunciou em fevereiro deste ano que não irá mais publicar suas notícias no Facebook -, pelo contrário, é ocupar com uma presença ainda mais forte e com um jornalismo ainda mais rigoroso em sua apuração.

O campo jornalístico não pode, e não assiste o impacto das fake news imobilizado ou indiferente. Agências de checagem de fato surgiram como um antídoto ao problema, como a Lupa e a divisão de checagem da Agência Pública — que em parceria com o Facebook consegue identificar os assuntos mais repercutidos na rede. Surge então uma nova modalidade no jornalismo, onde jornalistas podem se dedicar a apurar informações que já circulam, com as ferramentas e técnicas devidas da profissão.

O campo não precisa se entregar à horizontalidade da rede, também não precisa condená-la inteiramente, mas se aprimorar de forma que consiga qualificar o conteúdo que nela circula.

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Carolina Bertoldo
Carolina Bertoldo

Estudante de Jornalismo na PUCSP, amante da fotografia e música.