Como uma estilista usou a moda para ajudar jovens na Angola

Carolina Bertoldo
Carolina Bertoldo
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4 min readSep 21, 2018

A hashtag “look do dia” no Instagram hoje passa de 13 milhões de publicações, são milhares de fotos e a produção não é nada amadora! Cada pose, ângulo, iluminação e cenário compõem com cuidado uma diversidade de fotos que vão de looks de crianças até os de blogueiras famosas em alguma semana de moda mundo afora.

O modo como o brasileiro enxerga a moda hoje muito tem a ver com a sua relação de consumidor, o look desejado reflete os desejos de consumo e também a aspiração do espaço social que o indivíduo quer ocupar. Mas será que a moda é apenas isso, o resultado de uma sociedade consumista?

A estilista e consultora de imagem Débora Gavino (@deboragavino) diria que não.

Segundo Débora, a própria escolha de se formar em moda foi aceita com dificuldades por muito do que hoje a indústria representa. O glamour das passarelas não faziam sentido para a estilista, mas logo ela entendeu seu papel e seu propósito na moda.

Débora Gavino e menina de Mazuzo

Em julho deste ano Débora, junto com uma equipe de voluntários da ONG Extreme Impact, foram à algumas cidades da Angola com uma série de workshops de capacitação para jovens em situações de pobreza. Quando questionada sobre a preparação das palestras, a estilista conta que o maior desafio foi o choque entre a cultura brasileira e a Angolana. Nos seus primeiros dias percebeu que o modo que os africanos se vestiam era muito conservador se comparado com os brasileiros, “tive que mergulhar na cultura da África” ela afirmou, e a partir dessa imersão conseguiu elaborar suas falas e descobrir o que seu conhecimento sobre moda poderia agregar no contexto dos jovens à quem iria ensinar.

Parte do processo de preparação foi desconstruir o próprio entendimento da sua profissão, para conseguir compreender o porquê mulheres e homens não podiam mostrar os joelhos e ombros em público, por exemplo, ou o motivo de pensarem muito no que seria socialmente bem visto ao decidir que roupa vestiriam.

Pré-adolescente de Huambo usando terno

Segundo ela, a questão mais contundente em suas palestras, levantadas pelos jovens que participaram, foram se o modo de se vestirem deveria agradar eles como indivíduos ou a sociedade. Para Débora, ajudar a responder essa pergunta e desmistificar o peso dos padrões da sociedade no modo de se vestirem foi o que significou sua viagem.

Questionada sobre quão crucial a moda se faz nesses espaços de pobreza e necessidade, Débora conta como que a roupa também é uma necessidade básica do ser humano, sua mala voltou da viagem 3kg mais leve, pois acabou doando muito de suas roupas. Em um dos relatos ela fala sobre a sua experiência com uma jovem angolana, que apareceu em um dos workshops sem casaco, enquanto faziam 5°C, e no momento que a viu tirou a jaqueta que estava usando e entregou à menina.

A Psicologia da moda como libertação

Há três anos que Débora abriu sua empresa de consultoria de imagem, a Immutare, e desde então vem palestrando em espaços culturais de São Paulo e ajudando seus clientes a construir uma identidade visual baseada no que chama de psicologia da moda.

“Eu ajudo as pessoas a se vestirem com sentido.”, explica. Segundo Débora, o seu trabalho é realizado de dentro para fora. É necessário primeiro entender quem seus clientes são, suas personalidades, seus objetivos, o modo como se entendem no mundo, para então passar a construir uma imagem que tenha um significado.

Assim a moda, depois de ressignificada, também pode mudar a sua relação com o dinheiro. Ela explica que muitos dos seus clientes enxergam a falta de dinheiro como uma dificuldade em realizar a consultoria, mas como ela costuma dizer, o dinheiro não pode ser uma barreira e explica, “quanto mais [a pessoa] se conhece mais assertiva ela vai ser nas vestimentas dela, mais assertiva ela vai ser nas compras dela, menos compras ela vai fazer errado […] Acredito que a [indústria da] moda sempre fez o papel dela de vender, não falo com o papel de deslegitimar o papel da moda, mas a gente não pode ser refém disso, a gente não pode virar uma máquina nesse sistema”. Para ela, o autoconhecimento pode ser uma poderosa ferramenta de libertação, entender quem somos e o porquê devemos usar certas peças é o que nos faz consumir de forma independente das vitrines, das passarelas ou do que vemos no Instagram.

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Carolina Bertoldo
Carolina Bertoldo

Estudante de Jornalismo na PUCSP, amante da fotografia e música.