Carol Patrocinio
carolpatrocinio
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3 min readNov 9, 2015

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Humildade é só pra quem deveria estar morto

Resistência é deixar o cabelo ao natural. É sorrir. Pedir respeito, igualdade. Pedir que perguntem antes de atirar, que não julguem peles e roupas. Que o banho de sangue cesse. Resistência é dar sinal para um táxi e ele não parar. Dar sinal para um ônibus e ele não parar. E continuar dando sinal. Sinal de vida. Continuar existindo. Continuar vivo. Resistência hoje é sobreviver quando queriam que você estivesse morto.

A humildade só cai bem a quem está no chão. A base da pirâmide tem que dizer “sim, senhor” enquanto no topo não é preciso nem levantar a voz para que todos se calem antes mesmo da boca emitir o primeiro som. A humildade só cai bem a quem não deveria nem estar vivo. É uma troca: não matamos você, então nos respeite.

Ser agradável. Sorrir na hora certa e do jeito certo, sem ironia. Agradecer as migalhas. Aceitar o que é ofertado. Quem disse que você pode trabalhar com outra coisa? Você já olhou para você? Aceite. Agradeça. Sorria. Volte para casa em um ônibus lotado. Não questione. Não seja infeliz. Não seja ingrato. Chegue em casa e coma o que tem. Não reclame. Você nem deveria estar vivo.

Cada vez que alguém diz que a luta deveria ser diferente, alguém de longe, alguém que não sofre todas as dores de estar perto, alguém que nem imagina o que é ser aquela pessoa, lembro que humildade não combina com Dior. Nem Chanel. Humildade combina com Lojão do Brás. Com roupa de segunda mão. Com pele preta. Ventre de mãe solteira. Carteira sem dinheiro. Conta no banco negativa.

Humildade vira fantasia quando é interessante. Apesar de não precisar pedir a fala, pede-se. Apesar de não faltar nada, sente-se falta. Sente-se na pele. Mas só no carnaval. Só de fantasia. Só quando precisa. Quando cai bem. E mesmo nesse momento não é a humildade do pobre, do preto, da mulher, do viadinho, da puta. É a humildade do vitorioso. De quem ganhou o mundo. Mesmo já tendo saído a poucos metros da linha de chegada.

Essa tal humildade que cobram tanto da gente quando falamos a nossa verdade serve a quem? Serve a quê? Essa humildade só nos enquadra novamente e nos diz bem baixinho que devemos sorrir, agradecer e ser gentis. Mesmo que te batam. Mesmo que te cuspam. Mesmo que te tirem tudo o que é seu.

Humildade é cabelo alisado. É roupa sem estampa africana. É falar baixo. É andar olhando para o chão. É dizer “graças a deus” mesmo frente aos piores momentos da sua vida e saber que poderia ser pior. Humildade é não cobrar espaço. Não cobrar afeto. Não cobrar chances. Não aceitar cotas. Falar como eles, os donos de tudo. Se vestir como eles. Soar como eles. Mas sem ter ou desejar tudo o que eles têm.

Humildade é esquecer quem você é. Não ter ambições. É aceitar que a vida é assim mesmo. Que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Humildade, para eles, é desaparecer. E se você insiste em estar aqui, vivo, é o mínimo que poderia oferecer em troca. Resistir é coisa de quem queria estar morto.

Esse clipe deu o empurrão necessário para que esse texto saísse da cabeça e tomasse forma

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