A incrível Lina e a Bardi’s Bowl.

Saiba mais sobre a peça do design brasileiro que uniu fabricação industrial e cultura popular.

Beatriz Marassi
Caronte Design
4 min readMay 29, 2019

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Lina Bo Bardi é inspiradora.
Ela representa a pluralidade e o inconformismo. Atuou como arquiteta, designer, cenógrafa e educadora e em todos os seus projetos trazia uma visão provocativa do novo:

"É claro que temos muito respeito aos objetos antigos, os verdadeiros, e que conservamos também dentro de casa, mas como relíquias, que de vez em quando trancamos no armário. Mas violentar uma época impondo-lhe embalsamentos de gesso e papelão, significa desconhecer o progresso fatigante e doloroso da humanidade, que a incompetência, o diletantismo e a ignorância fazem recuar de quilômetros a cada centímetro que ela consegue conquistar em seu caminho para frente." – Lina Bo Bardi, apud FERRAZ, 1993.

Lina Bo Bardi.

Nasceu em Roma, saiu da Itália em meio ao Fascismo e adotou o Brasil como “pátria de escolha”. Aqui ela desenvolveu projetos ilustres como o Museu de Arte de São Paulo — MASP (1968), Sesc Pompeia (1977) e a Casa de Vidro em 1951, onde residiu com seu companheiro Pietro Maria Bardi por mais de 40 anos. A casa leva este nome por sua fachada imponente de vidro que parece flutuar sobre pilares.

Bardi's Bowl

Lina utilizava a arte popular como referência visual. Em 1950 ela escreveu um artigo entitulado "Móveis Novos" onde cita as redes indígenas como referência de suas poltronas. Neste mesmo artigo, há a inserção da fotografia de uma cuia sob legenda "Tigela entalhada a faca por um caiçara de Caraguatuba" .

Em 1951 nasce o projeto da Bardi's Bowl, fruto de muitos esboços que utilizavam a cumbuca como referência. Esta poltrona representa o equilíbrio perfeito entre a fabricação industrial e a reverência à cultura popular.

Fotos via: MDBA e Seualacadira

Sua estrutura é bastante simples, e por isso, inovadora para a época.

É composta por duas peças: uma concha feita em fibra de vidro, acolchoada e revestida em tecido (ou couro), apoiada sobre uma base em forma de círculo com quatro pés de apoio feita em aço. Como a meia esfera é apenas encaixada sobre o aramado, a poltrona que garante a mobilidade ao usuário, que pode se inclinar em qualquer direção.

Hoje a Arper, empresa que produz e comercializa as poltronas, sob aprovação do Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, reeditou o projeto original da peça ao incluir duas almofadas. A intervenção foi produzida a partir dos esboços originais de Lina que contemplavam os acessórios. Aqui você pode ver fotos da produção das poltronas: The Making Of.

Desenho técnico da Lina para a Bardi’s Bowl, 1951. Ele não contempla as almofadas inseridas posteriormente pela Arper.

Lina desenhou o mobiliário dos seus projetos arquitetônicos. Um grande exemplo são as cadeiras do Teatro do Sesc Pompeia: projetadas para gerar nos expectadores o desconforto necessário para que eles se mantenham atentos ao espetáculo e não “confortáveis demais” para descansarem durante a apresentação.

“O ponto de partida foi a simplicidade estrutural, aproveitando-se a extraordinária beleza das veias e da tinta das madeiras brasileiras, assim como seu grau de resistência e capacidade.” Lina à “Habitat — A Revista das Artes no Brasil”, publicação que ajudou a fundar em 1950.

Em anotações pessoais publicadas por Ferraz, Lina escreve se referindo as formas simples que compõe a Bowl:

"O móvel também tem sua moralidade e razão de ser na sua própria época.A cópia dos estilos passados, os babados, as franjas, são índices de mentalidades incoerentes, fora da moralidade da vida." Lina Bo Bardi, publicado em 1993.

Referências

BARDI, Lina Bo. Móveis Novos. Habitat (1): 17–51, São Paulo, out./nov./dez. 1950.

FERRAZ, Marcelo C. A poesia vital de Lina Bo Bardi. Folha de São Paulo. 8 de dezembro de 1996. Suplemento Mais! Caderno 5, pp. 14.

GRINOVER, Marina Mange. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi. Marina Mange Grinover. São Paulo: 2010.

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