Uma das maiores cidades fantasmas da China

Beatriz Marassi
Caronte Design
Published in
5 min readJul 25, 2023

Ordos

Ordos é uma cidade localizada na região da Mongólia Interior, na China. Segundo uma matéria publicada pelo Fred A. Bernstein, no The New York Times em 2008, de acordo com Bao Chongming, vice-prefeito regional da época, Ordos têm a segunda maior renda per capita o país (atrás apenas de Xangai, a capital financeira). Esta região abrange uma vasta área geográfica de pradarias, estepes, montanhas e desertos. No inverno a temperatura pode alcançar até -20ºC.

Esta cidade é conhecida por ser uma das maiores “cidades fantasmas” da China. Ela comportou a construção de inúmeros edifícios habitacionais, comerciais e institucionais, e apesar de possuir uma população de 2 milhões de pessoas, muitos desses prédios permanecem desocupados.

Edifícios de Ordos em construção. Imagem: https://matthewniederhauser.com/counterfeit-paradises/

Antes destes empreendimentos arquitetônicos existirem, uma população nômade vivia por estas áreas em tendas portáteis conhecidas como iurtes. Segundo Bernstein, as tendas deram lugar para casas que fariam os nova-iorquinos ficarem com inveja. Este registro aponta um fenômeno interessante, a estética dessas casas não reflete a cultura e arquitetura chinesa. Ao observarmos as fotos de Dongsheng e Kangbashi, os principais centros urbanos de Ordos, nos deparamos com paisagens que poderiam ser de qualquer outra metrópole do globo, inclusive de Nova York, como provoca o jornalista.

Tendas portáteis conhecidas como iurtes e as casas de Dongsheng.

A construção dessas cidades mobilizou uma vasta quantidade de recursos e pessoas e por isso sua compreensão é importante do ponto de vista social. É preciso explorar os impactos desse processo de reurbanização para as populações locais da Mongólia interior e para a população que o governo pretende atrair para fazer morada nesses espaços.

ORDOS100

Em 2008, 100 escritórios de arquitetura renomados de 27 países foram convidados pelas autoridades de Ordos para a execução de um projeto conhecido como ORDOS100. Cai Jiang, empresário do ramo de mineração e laticínios, em nome de sua empresa Jiang Yuan Water Engineering Ltd. contratou os suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron para que junto do artista Ai Weiwei fizessem a curadoria dos profissionais que seriam responsáveis por uma mansão de 1.000 m² cada.

Este projeto possui algumas controvérsias. Cronologicamente, ele está incluso em um período de excessos na China que inclui, por exemplo, a construção do Estádio Nacional de Pequim, obra que custou cerca de meio bilhão e, segundo o professor Gilmar Mascarenas é o estádio mais caro da História. Otília Arantes afirma que a reurbanização chinesa consome metade do cimento produzido no mundo e um terço do aço (2011, p.63).

Exemplo de uma das mansões representadas na maquete de Ai Weiwei. https://www.archdaily.com/16355/ordos-100-26-frente/1127711806_frente-summer

Para o arquiteto Tiago Schultz, ORDOS100 é um projeto que não contribui com o entorno.

ORDOS100 é a expressão própria da crise da representação e zero engajamento político ou noção crítica em arquitetura. As casas, cada uma com mais de mil metros quadrados, assinadas por nomes como Sou Fujimoto, Alejandro Aravena e Rojkind Arquitectos, foram desenhadas sem levar em consideração o contexto político, econômico e social em que se estava projetando, visando apenas ao lucro, sem nenhuma relação com a visão de mundo e capacidade cognitiva dos arquitetos envolvidos no projeto (…) (SCHULTZ, 2021, p.81)

Ai Weiwei gravou a conferência e parte da idealização desta vila de mansões. Ele publicou em 2009 um filme intitulado ORDOS100.

Filme postado por Ai Weiwei sobre o projeto ORDOS100.

No documentário há falas de diversos arquitetos que participaram desta construção, e é possível constatar que não há preocupação real com a cidade ao redor. Para muitos dos profissionais, projetar em Ordos é como uma folha em branco, sem preocupação com o que os demais estúdios envolvidos farão ou com o que já existe nas proximidades.

Onze anos após a conferência, apenas parte das 100 mansões foram construídas e as que foram realizadas permanecem vazias ou em estado de abandono.

Uma das 100 mansões que permanecem inabitadas. https://www.archdaily.com/959820/gsds-spring-2021-public-program-cecilia-puga

Referências

ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Chai-na. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.

BERNSTEIN, Fred A. The New York Times. 2008. In Inner Mongolia, Pushing Architecture’s Outer Limits. Tradução nossa. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2008/05/01/garden/01mongolia.html?pagewanted=1>. Acesso em 20 de junho de 2023.

MASCARENHAS, G. Cidade mercadoria, cidade-vitrine, cidade turística: a espetacularização do urbano nos megaeventos esportivos. Caderno Virtual de Turismo. edição especial: Hospitalidade e políticas públicas em turismo. rio de Janeiro, v. 14, supl.1, s.52-s.65, nov. 2014.

SCHULTZ, T. . (2021). Relatos de uma não-deriva por uma ex-cidade fantasma chinesa. Indisciplinar, 7(2), 72–85. Recuperado de <https://periodicos.ufmg.br/index.php/indisciplinar/article/view/38137>. Acesso em 20 de junho de 2023.

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