17 ª Conferência Nacional de Saúde: qual a sua importância?

Entre os dias 2 a 5 de julho ocorreu o maior evento para se debater sobre a política de saúde no país.

Pâmela Lins
CARPAS
4 min readJul 29, 2023

--

Entre os dias 2 a 5 de julho, ocorreu a Conferência Nacional de Saúde, importante espaço de democratização e participação social no que tange o direcionamento da política de saúde. Essas conferências ocorrem a cada 4 anos e tem como objetivo definir as diretrizes em que o governo se norteará. Desde a Constituição Federal de 1988, graças às lutas sociais em torno da redemocratização do país, foi possível garantir a participação social na construção dessa política, com uma forte presença dos usuários (50%) e trabalhadores da saúde (25%), ficando um pequeno espaço para os gestores públicos e privados (25%).

A necessidade da participação social foi apresentada pelo Movimento da Reforma Sanitária (MRS), em contraponto ao governo autoritário implantado a partir do golpe de 1964 que atuava através de Decretos Secretos, Atos Institucionais, censura, repressão e tortura para controlar o conjunto da sociedade e consolidar os interesses do empresariado, ou seja, da classe dominante. […] O MRS congregou movimentos sociais, intelectuais e partidos de esquerda na luta contra a ditadura empresarial militar e aos interesses mercadológicos do modelo “médico-assistencial privatista” (MENDES, 1994). Pôs em xeque a tendência hegemônica de prestação de assistência médica como fonte de lucro, defendendo a implantação de um Sistema Nacional de Saúde universal, público, participativo, descentralizado e de qualidade (CORREIA; ALVES, 2023).

Essa forma de configuração das conferências viabiliza a organização popular na garantia de pautas que favoreçam os trabalhadores e crie entraves para o avanço dos interesses mercadológicos. Entretanto, por ser um espaço que define as diretrizes da política e futuras ações governamentais, identifica-se disputas entre projetos de classe, que podem pautar, também, ações prejudiciais aos trabalhadores e favoráveis aos empresários da saúde. Ou seja, essas instâncias de controle social (conselhos e conferências) são espaços contraditórios e sempre em disputa. Conforme explica Correia e Alves (2023):

Ao longo dos anos, muitos dos Conselhos e Conferências se tornaram espaços de controle da gestão sobre os movimentos sociais e trabalhadores da saúde lá representados. A participação social foi aprisionada pela burocracia, pelo legalismo, pelas diárias disponibilizadas, distanciando-se das lutas sociais em defesa do SUS público, estatal e universal; tornando muitos conselheiros, já distante das entidades/movimentos sociais que representam, em meros aprovadores de propostas e espectadores das políticas governamentais, sem contestação do jogo de interesses presente em cada proposta apresentada, muitas vezes pela falta de compreensão dos projetos em disputa, ou mesmo pela capitulação em troca de benesses individuais com as aprovações (CORREIA; ALVES, 2023).

É importante ressaltar que as conferências não apresentam interesses homogêneos, mas diferentes interesses de classes que disputam a hegemonia nas decisões relativas a esta política. “Eles não são estruturas acima da sociedade, nem são instâncias isoladas e imunes aos conflitos de interesses e de disputas da direção da política articulados a projetos societários que existem na sociedade de classes, mesmo que isto não esteja explicitado” (CORREIA; ALVES, 2023).

Assim, na 17 Conferência Nacional de Saúde foi possível identificar interesses antagônicos disputando a construção de diretrizes para o SUS. A exemplo disso, observou-se a presença de algumas propostas, nos momentos dos grupos de trabalho, que iam de encontro com os interesses mercadológicos e viabilizam a flexibilização no sentido de terceirizar a gestão do SUS. Ao tempo em que propostas totalmente avessas aos processos de privatização da saúde, eram votadas.

Nesses embates, as discussões nos grupos de trabalho eram calorosas, dividindo-se entre grupos que não identificam a terceirização como forma de privatização e grupos que defendem a gestão direta e exclusiva do Estado. Mesmo diante de tais tensões, era perceptível que a maioria dos participantes estavam em defesa do SUS público e estatal, e em seus discursos era perceptível que tal aversão ao setor privado vinha de suas vivências com essas entidades privadas, que se caracterizam por prejudicar a qualidade dos serviços públicos da saúde e precarizar as relações de trabalho.

Outro tema muito presente foi o relacionado aos direitos da mulher. Algumas propostas que significavam retrocessos aos direitos da mulher sobre seus corpos foram discutidas, apesar de momentos tensos de debates e de cada grupo de trabalho apresentar uma particularidade (as vezes desfavorável aos direitos da mulher), houve uma grande mobilização feminista para que nenhuma dessas propostas passasse adiante. Um momento muito importante de união das mulheres e da construção de debates enriquecedores.

Por fim, na plenária final nenhuma dessas propostas, a favor da privatização da saúde e contra as minorias (mulheres, LGBTs, povos originários, povos quilombolas, negros), foram aprovadas; mesmo que esses grupos conservadores e as empresas de saúde estejam buscando reunir forças para avançar com seus interesses.

Portanto, observa-se que os espaços de controle social, como as conferências, são importantes para garantir a democratização nas decisões sobre a política de saúde. Apesar dos antagonismos presentes, é a partir da disputa pela hegemonia nesses espaços que podemos construir a consciência e o acúmulo de forças necessários para a luta em defesa do SUS público e estatal.

Referências

Alves, Pâmela Karoline Lins; CORREIA, Maria Valéria Costa. DESAFIOS DO CONTROLE SOCIAL NA PERSPECTIVA DA CLASSE TRABALHADORA: em defesa do SUS público e estatal. 2023. Em prelo.

--

--

Pâmela Lins
CARPAS

Assistente social e Pesquisadora no PPGSS-UFAL. Escritora na revista Carpas. Literatura e política em uma perspectiva marxista.