A história e os impactos do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Maria Luiza Dantas
CARPAS
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5 min readMay 18, 2023

No dia 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Sánchez Crespo, uma criança de oito anos, desapareceu em Vitória, capital do Espírito Santo. Ela só foi encontrada seis dias depois, morta e desfigurada com ácido, com sinais de tortura e estupro. Ao longo da investigação, o Ministério Público chegou a três suspeitos: Paulo Constanteen Helal, Dante de Barros Michelini e seu pai, Dante de Brito Michelini. Os três pertenciam a famílias ligadas ao ramo imobiliário e ao latifúndio, sendo altamente influentes na cidade e junto ao regime militar. Chegou a ser comprovado que Araceli foi mantida em cárcere privado, sob efeito de drogas, em um bar pertencente a Dante de Brito Michelini. No entanto, os três, apesar de terem sido condenados em 1980, recorreram em liberdade e foram absolvidos 13 anos depois, com o juiz responsável alegando falta de provas. Cerca de 14 pessoas ligadas ao caso morreram, além de diversas outras que sofreram ameaças, como o jornalista José Louzeiro, que escreveu um livro sobre o caso em 1976.

Araceli Cabrera Crespo (fonte: arquivos do jornal O Globo)

Em memória ao caso de Araceli, no ano 2000 determinou-se, por lei federal, a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, no dia 18 de maio. A data tem como objetivo trazer à luz o debate acerca do enfrentamento da violência sexual contra menores de idade no Brasil. Para esse fim, o governo federal incentiva o diálogo acerca do que se define como violência sexual e o maior acesso à informação por crianças e adolescentes, para que possam identificar abusos e saber onde buscar ajuda.

A cartilha para maio de 2023, elaborada pela UNICEF e algumas ONGs, chama a atenção para formas menos discutidas de violência sexual contra crianças e adolescentes. Assim, cita-se a violência sexual online, exemplificada no “(…) vazamento de fotos íntimas, ameaça de exposição na internet em troca de favores sexuais, recebimento de fotos de cunho sexual, aliciamento e oferta de diferentes tipos de exploração sexual de crianças e adolescentes em aplicativos ou redes sociais, dentre outras possibilidades.” Além disso, cita-se a violência sexual nas relações afetivas, chamando a atenção para o fato de que qualquer relação sexual com indivíduos menores de 14 anos se configura como estupro de vulnerável.

No entanto, é também comum a pressão sobre adolescentes para práticas sexuais por seus parceiros, desconsiderando a importância do consentimento. Por acontecer dentro de relacionamentos afetivos, é mais difícil a identificação desses casos, tanto por parte de terceiros quanto das próprias vítimas. Por último, a cartilha também chama a atenção para o assédio e importunação sexual em ambientes como ruas, escolas, transportes e ambientes de lazer, com a frequente culpabilização das vítimas.

Desde 2019, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública separa os dados de estupro e os dados de estupro de vulnerável, permitindo uma melhor compreensão da dimensão desse problema no Brasil. A edição mais recente foi publicada em agosto de 2022 e traz a inclusão dos registros de exploração sexual infantil e de pornografia infanto-juvenil, aumentando o escopo do que é considerado como violência sexual infantil. Essa edição do Anuário aponta que 58,8% dos casos de estupro de vulnerável em 2021 foram cometidos contra meninas menores de 13 anos, porcentagem que aumentou em relação a 2020 e 2019.

É importante apontar que, entre os 66.020 boletins de ocorrência analisados para o documento, 6.874 constavam apenas como estupro, apesar de terem como vítimas menores de 13 anos, dificultando a mensuração desse crime no país. Além disso, este problema é mais intenso no Paraná, estado em que não se registra o estupro de vulnerável de forma específica. Quanto aos dados acerca dos criminosos, observou-se que 95,4% deles eram homens e 82,5% conheciam a vítima de alguma forma; além disso, 86,7% dos criminosos conhecidos da vítima tinham alguma relação de parentesco com a criança.

No entanto, é preciso lembrar que as estatísticas apresentadas são extremamente limitadas. Sabemos que a subnotificação nos casos de violência sexual em geral é bastante proeminente, o que aumenta quando a vítima é uma criança ou adolescente.

Em geral, menores de idade dispõem de menor acesso à informação para identificar e se proteger dos crimes, e, por vezes, são pressionades pela própria família a não realizar denúncia. Uma pesquisa de 2018, realizada pelo DataFolha e encomendada pelo Instituto Liberta, deixa claro esse contexto. Nela, 100% dos entrevistados sabiam que era crime pagar por sexo com menores de 18 anos, mas apenas 29% das pessoas que sabiam de uma situação como essa realizaram denúncia.

O tópico da exploração sexual de crianças e adolescentes ganhou mais destaque com a morte da culinarista e apresentadora Palmira Onofre, a Palmirinha, em maio de 2023. Ao relembrar-se a biografia da apresentadora nas mídias, veio à tona a situação relatada por ela em seu livro de memórias, “A Receita da Minha Vida”, em que foi vendida aos 16 anos para um fazendeiro por sua própria mãe.

As vítimas desse tipo de crime são frequentemente culpabilizadas, pois muitas vezes ainda entende-se a prostituição infantil como uma escolha pessoal da vítima, em vez de se culpabilizar os criminosos aliciadores. Esse crime também é altamente subnotificado, como ficou claro na pesquisa do DataFolha citada.

Além disso, outro caso recente que chamou a atenção para o tópico da violência sexual infantil foi o aborto realizado em uma criança de 11 anos de idade em Santa Catarina. O procedimento só foi realizado após uma intensa batalha judicial, inflamada pelos protestos da sociedade civil, tanto a favor quanto contra o procedimento, em que esse atendimento foi negado, desconsiderando a saúde física e mental da criança vítima de estupro. Nesse período, popularizaram-se falas que a tratavam como adulta capaz de tomar decisões, inclusive por parte de promotores do caso, valorizando a vida do feto sobre a da criança que sofria sucessivas violências.

Dessa maneira, é fundamental incentivar cada vez mais a luta contra o abuso e a exploração sexual infantil, tendo em vista o longo histórico de violências cometidas contra crianças no Brasil. Para isso, devemos, como sociedade, buscar e efetivar meios de acabar com a lógica patriarcal sustentada sobre o capitalismo, pois apenas assim será possível combater de forma efetiva os casos de violência sexual, seja contra crianças e adolescentes, seja contra adultes.

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Maria Luiza Dantas
CARPAS
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Antes de tudo, paraibana e marxista-leninista. Graduanda em Relações Internacionais pela UFPB e pesquisadora de Estudos de Paz pelo GEPERI.