A Luta Anti-Imperialista e as Questões Ambientais: Lições de Thomas Sankara em Burkina Faso

Ellen Monielle
CARPAS
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4 min readMay 7, 2020

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A luta contra a desertificação é uma luta contra o imperialismo. O imperialismo é o incendiário de nossas florestas e savanas. — Thomas Sankara

Thomas Sankara foi o líder central da revolução popular e democrática no país Burkina Faso, na África Ocidental, de 1983 a 1987. No início dos anos 80, o Alto Volta — como o país era conhecido até Sankara mudar seu nome em 1984 — , ex-colônia francesa, enfrentava uma grave crise fiscal, juntamente com uma crise política. Nesse contexto, Sankara, defensor do anti-imperialismo e anti-colonialismo, surgiu como um porta voz de todos os povos africanos que lutavam por melhores condições de vida e contra a opressão neocolonial.

Além disso, reconhecia a ligação entre o modo de produção e consumo capitalista e a degradação ambiental. Levando em conta o contexto da época, Thomas Sankara foi o primeiro presidente africano a perceber e reconhecer a proteção do meio ambiente como sinônimo emergencial, envolvendo-se em três principais lutas: contra incêndios florestais; contra a perambulação do gado; e, finalmente, contra o corte ilegal de lenha.

E assim, ao assumir o poder em 1983, com apenas 33 anos, Sankara colocou a água, as árvores e a vida como elementos fundamentais e sagrados em todas as ações do Conselho Nacional da Revolução (CNR), congregação que liderava Burkina Faso. Ademais, criou os Comitês de Defesa da Revolução (CDRs), formado por grupos civis responsáveis por espalhar os ideais da revolução por todas as aldeias do país. Nesse sentido, é o início de uma experiência revolucionária alimentada pelo desejo de independência e combate ao imperialismo.

Fonte: Patrick Durand / Sygma via Getty Images

Na visão de Sankara, era inaceitável associar o continente africano como um apêndice da história ocidental. De tal maneira, defendia ferrenhamente em seu discurso a busca africana por uma maior autossuficiência, relatando que era a hora de “produzir na África, transformar na África e consumir na África”. Para isso, em um país árido como Burkina Faso, ser autossuficiente, em consonância com o próprio Sankara, significava a necessidade de ser ambientalmente sustentável.

“O imperialismo é um sistema de exploração que ocorre não apenas na forma brutal daqueles que vêm com armas para conquistar território. O imperialismo geralmente ocorre de formas mais sutis, como um empréstimo, ajuda alimentar, chantagem. Estamos lutando contra esse sistema que permite que um punhado de homens na Terra governe toda a humanidade.” — Thomas Sankara

Portanto, Thomas Sankara fez da proteção e reflorestamento de árvores sua prioridade e em eventos como casamentos, batismos e visitas de personalidades importantes, era comemorado com uma cerimônia de plantio. Além de que o plantio de árvores também deveria ser aplicada durante cúpulas políticas internacionais ou na apresentação de cartas de credibilidade para embaixadores.

Nessa perspectiva, dez milhões de árvores foram plantadas sob Burkina Faso em apenas quinze meses como parte de um programa de desenvolvimento popular, tendo como objetivo combater a desertificação. Nas aldeias e nos vales dos rios, as famílias deviam plantar cem árvores por ano numa vasta operação chamada “Colheita Popular de Sementes Florestais”, com finalidade de suprir os 7.000 viveiros.

No esforço nacional para reduzir o consumo de lenha e para cumprimentar o novo ano de 1986, todas as crianças e estudantes da capital de Burkina Faso, Uagadugu, construíram mais de 3.500 fogões aprimorados com as próprias mãos, oferecendo-os às mães da cidade. Dessa forma, o corte e a venda de lenha foram completamente reorganizados e estritamente regulamentados. E já no que se refere aos incêndios, todos os atos criminosos de queimadas foram sujeitos a julgamento e sanção pelos Tribunais Populares de Conciliação nas aldeias, e ainda, vale destacar que a exigência de plantar um certo número de árvores era uma das sanções emitidas por esses tribunais.

Em adição a isso, é necessário reconhecer seu compromisso com a agricultura familiar e a soberania alimentar. Sankara almejava pela autossuficiência alimentar e questionava:

“Onde está o imperialismo? Olhe para os seus pratos quando você come. O arroz e o milho importado; isso é o imperialismo. Para evitar isso, vamos tentar comer o que nós controlamos.”

Por conseguinte, abraçou uma reforma agrária para apoiar os pequenos produtores rurais e a produção de cereais, que antes de 1983 chegava perto de 1,1 bilhão de toneladas, subiu para 1,6 bilhão de toneladas em 1987. De acordo com Jean Ziegler, ex-relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, “Thomas Sankara superou a fome. Tornou Burkina Faso auto-suficiente em quatro anos”.

Por fim, Sankara ilustrou como os recursos da sociedade são requisitados para melhorar a vida da maioria, em vez de beneficiar o enriquecimento da minoria. Seu exemplo ameaçou o poder dos presidentes da região e, mais genericamente a presença francesa na África, acarretando assim, no seu assassinato. Logo, Thomas Sankara despertou a população africana para uma mensagem anti-imperialista e de restauração da honra nacional, principalmente através de suas políticas de proteção ambiental, após duas décadas de desilusão e neocolonialismo pós-independência.

REFERÊNCIAS

B., Amber. Thomas Sankara: Imperialism is the Arsonist of our Forests and Savannas. 2018. Disponível em: https://anti-imperialism.org/2018/02/26/thomas-sankara-imperialism-is-the-arsonist-of-our-forests-and-savannas/.

DEMBÉLÉ, Demba Moussa. Thomas Sankara: an endogenous approach to development. Pambazuka News 651, 2013. Disponível em: https://www.thomassankara.net/thomas-sankara-an-endogenous-approach-to-development/?lang=en.

JAFFRÉ, Bruno. Thomas Sankara, precursos de lutas de hoje. 2013. Disponível em: http://www.thomassankara.net/thomas-sankara-precursos-de-lutas-de-hoje/.

LEPIDI, Pierre. Thomas Sankara, l’immortel. 2019. Disonível em: https://www.lemonde.fr/afrique/article/2019/12/31/thomas-sankara-l-immortel_6024468_3212.html.

OUDET, Maurice. L’héritage de Sankara sur les questions de l’écologie et de l’environnement. 2012. Disponível em: https://www.pambazuka.org/fr/pan-africanism/lh%C3%A9ritage-de-sankara-sur-les-questions-de-l%C3%A9cologie-et-de-lenvironnement.

RIDDELL, John. Exhuming Thomas Sankara: Anti-Imperialism in Burkina Faso, 1983–87. 2017. Disponível em: https://johnriddell.com/2017/08/18/exhuming-thomas-sankara-anti-imperialism-in-burkina-faso-1983-87/.

SANTOS, Gabriel. Em memória de Thomas Sankara, um revolucionário. 2019. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2019/10/17/em-memoria-de-thomas-sankara-um-revolucionario/.

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Ellen Monielle
CARPAS
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Graduada em Relações Internacionais, ecossocialista, ladina-amefricana e escritora de versos aleatórios.