A pluralidade das religiões e o respeito à diversidade como instrumento de combate a desigualdade

21 de janeiro é o Dia Mundial da Religião e Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa, mas qual seu papel na sociedade?

Stephanie de Paulo
CARPAS
4 min readJan 21, 2023

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A lei do Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa (Lei n.º 11.635) foi sancionada em dezembro de 2007 em homenagem à Iyalorixá Mãe Gilda do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), que teve a casa onde morava atacada e várias pessoas de sua comunidade agredidas. Vítima de intolerância religiosa por pertencer a uma religião de matriz africana, Mãe Gilda faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, após sofrer um infarto. Já o Dia Mundial da Religião foi iniciativa da fé bahá’í, uma religião fundada na Pérsia que foi cruel e sistematicamente perseguida. A comemoração foi aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em sua Assembleia Geral de 1949.

Leis e a perseguição religiosa no Brasil

Na última quarta-feira (18), foi sancionada uma lei pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva que protege a liberdade religiosa, tornando mais severas penas para quem comete o crime de intolerância religiosa. Ainda na mesma semana, frentes independentes apoiadas pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), apresentaram o segundo relatório sobre os casos de intolerância religiosa e um mapa situando os estados onde mais ocorrem este tipo de violência no país, o qual a coleta de dados foi do Disque 100 do Ministério das Mulheres, agora sob controle de Cida Gonçalves.

Ao todo, foram 477 casos de intolerância religiosa no ano de 2019, 353 casos no ano de 2020 e 966 casos no ano de 2021. O ano de 2020 foi marcado pela pandemia da COVID-19, que impôs uma série de medidas restritivas de circulação e sociabilidade que podem ter contribuído para menos casos de intolerância religiosa neste período.

Gráfico em ordem crescente da intolerância religiosa no Brasil de 2019 a 2022.

Provérbios 31:9

Fale por eles e seja um juiz justo. Proteja os direitos dos pobres e dos necessitados.

O Brasil, mesmo sendo um país de maioria católica e o segundo com o maior número de devotos da fé católica no mundo, não impediu que as igrejas católicas fossem atacadas. Fruto do fanatismo, apoiadores do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, interromperam missas da Igreja Católica e agrediram padres durante o período eleitoral em 2022, sob a discurso de que os líderes religiosos defendem temas alinhados à esquerda, como “dar comida aos pobres” e pregar contra “discursos de ódio”. O próprio pontífice da igreja católica, Papa Francisco, sofreu ataques nas redes sociais após criticar algumas atitudes do ex-presidente, como o discurso de ódio promovido por ele. Em outubro de 2020, foi publicado o livro Fratelli Tutti(Todos Irmãos), escrito pelo Papa Francisco cuja tolerância religiosa e o respeito às demais religiões é, segundo ele, o ponto central para criar um mundo de paz e mais justo

No relatório da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), as religiões que mais sofrem com a perseguição no Brasil são as de matriz africana, enquanto as religiões dos agressores são de matriz cristã. Isso mostra o processo de colonização enraizado na sociedade brasileira, visto que o cristianismo foi estabelecida desde o Império como religião central do Brasil. O Estado é laico, mas é nítido que a influência histórica ainda dá frutos na atualidade, sendo necessária uma educação de base para termos e construirmos uma sociedade mais justa, diversa e inclusiva para todos.

Líderes religiosos organizam café da manhã para pessoas em situação de rua — Foto: Arquivo pessoal — G1, Globo

Em dezembro de 2022, líderes religiosos de diferentes religiões promoveram um café da manhã de Natal para pessoas em situação de rua em São Paulo. A data que celebra o nascimento de Jesus Cristo, marcada pelas boas ações e atos de caridade, teve como organizadores o Padre Júlio Lancelotti com outros líderes católicos, budistas, evangélicos, judeus e de religiões africanas como o Sheik Rodrigo Jalloul, a mãe de santo Rita de Cássia Honorata e o pastor evangélico Leandro Rodrigues.

Estes líderes religiosos lutam pelos direitos dos mais necessitados que deveriam ser amparados pela Constituição e poder público. A religião pode e deve ser usada para promover justiça social quando há em sua matriz —independentemente a quem serve — a compaixão, o cuidado e a empatia de prezar pela segurança e bem-estar dos mais necessitados: pobres, viúvas, enfermos, mulheres e crianças. O trabalho social dos líderes religiosos envolvidos no café da manhã de Natal incomodam por atuar onde o Estado não atua, e deixa de lado essa disputa de impor a própria religião no Estado, um ato de respeito a laicidade e o direito de existir, coexistir e expressar sua fé sem discriminação.

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Stephanie de Paulo
CARPAS
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Graduanda em Línguas Estrangeiras Aplicadas (UnB). Pesquisadora em Literatura Especulativa (ProIC), poliglota, tradutora e amante da cultura pop