A volta dos que não foram

Maria Paula Maciel
CARPAS
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3 min readFeb 9, 2023

No dia 9 de fevereiro é comemorado o Dia do Frevo. A comemoração existe em celebração da primeira aparição da palavra nos jornais. Pensando nisso, a revista Carpas preparou uma crônica para pensar o ser social que a festa representa.

No Marco Zero, em uma manhã em meados de janeiro de 2023, uma estrutura apareceu: grandiosa, era o palco central da maior comemoração do povo. Atrás dela, duas mulheres conversavam “oxe, mas carnaval né de todo mundo?”. Sim, o carnaval é do povo, e à medida que o reencontro acontece e os clarins voltam a “clarinar”, o pernambucano fica cada vez mais ansioso. “Ele voltou”, pensamos todos.

Ele voltou ou ele nunca foi embora? Questiono. Embora tenham sido quase três anos de ruas vazias, todo e qualquer pernambucano sentia no fundo da garganta o grito preso. O carnaval é a inversão da ordem e quando tudo esteve pelo avesso, sua lembrança penetrou no imaginário de cada um e se agarrou nos quatro cantos da mente.

Grandioso, ninguém sabe direito como ele surgiu. Alguns, acreditam que o carnaval existiu como uma homenagem ao Deus pagão Baco ou a deusa Íris. São comemorações saturnais, lupercais e bacanais em culto aos deuses, rompendo com as amarras católicas que muitos ligam à festa. Essas festas de origem católica, por sua vez, com raízes no contexto cristão medieval que iam da festa dos Reis Magos até a Quarta Feira de Cinzas.

Uma festa milenar para o mundo em suas diversas traduções do que é o espírito carnavalesco. Mas ela é íntima do Brasil. Aquela amiga-irmã que abraçamos depois de um tempo sem ver e pensamentos: “quanto tempo, parece que você nunca foi embora”. O nosso corpo lembra o que é sentir o abraço da “embriaguez do frevo que entra na cabeça e saí pelo pé”.

O corpo não desaprende. O corpo sente. O corpo sempre sabe cantar aquele repente. O mundo precisa entender: o carnaval de Pernambuco não é apenas uma festa. Não são as mulheres desnudas, o turismo sexual, o calor, o álcool. O carnaval é um ato de revolta! O carnaval é um sentimento!

O carnaval como corpo protesto se transformou pelas ruas através das populações escravizadas, excluídos da sociedade. Eles lutaram pelo seu espaço mesclando culturas, dando voz para as pessoas soltarem aos ares seus aperreios. Em muitos lugares a máquina venceu e tomou a rua: camarotes, blocos privados. Mas Pernambuco segue como um carnaval democrático. As multidões são formadas por pessoas únicas que em cada fantasia, cada música, cada passo e cada grito expressam e extravasam suas dores. O carnaval é luta, é a madeira que o cupim não rói, o carnaval, para o pernambucano, é uma manifestação materializada na alma. É, até mesmo um verbo, quando falamos que “agora vamos carnavalizar”.

Se carnaval é um sentimento, ele é um sentimento próprio. Ele envolve todas as nuances que formam o ser humano em um baile que não apenas representa alegria: ele representa a reafirmação da nossa cultura, que é passado de pais para filhos. São músicas, blocos, troças e clubes que são seculares, e continuam afirmando seu lugar no coração de cada pessoa. Mas fique atento: ele não é um sentimento qualquer, ele é um pedacinho de cada pessoa que sai pelas ladeiras de Olinda, pelos blocos líricos do centro ou pelos shows do Bairro do Recife. Esse pedacinho é uma personalidade diferente, que se junta nessa grandiosidade. Por isso que eu digo que o carnaval é um sentimento, porque não existe palavras que definam estar no meio da multidão, não existe palavras para definir algo que é do povo para o povo e sua personalidade é um montante de várias pessoas entregando um pouco do seu ser para esse evento.

O carnaval é a palavra chave para a alegria e o frevo é o maior contra ataque da dor. Isso porque ele abraça todo sofrimento e nos permite nos identificar um com o outro. Músicas sobre amores perdidos, músicas sobre o medo de nunca mais cantar. Foram quase três anos de quartas-feiras ingratas, mas na ausência ele se fez mais presente, eternizado na arte, parecia que ele previa “quem tem saudade não está sozinho, tem o carinho da recordação”, escreveu Nelson Ferreira.

O carnaval não está voltando. Ele nunca foi embora.

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Maria Paula Maciel
CARPAS
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Recifense convicta e Pernambucana bairrista. Mestranda em Estudos Culturais pela USP, redatora da Revista Carpas. Cinema, música, saudosismos culturais.