As mulheres no novo governo Lula

Com a aproximação do Dia Internacional das Mulheres e sob nova gestão, quais mudanças e agendas o Brasil pode esperar do terceiro governo Lula?

Isabela Coêlho
CARPAS
5 min readMar 2, 2023

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Na foto, a ministra das Mulheres Cida Gonçalves aparece ao centro segurando um tecido vermelho com os dizeres “LINHAS DA RESISTÊNCIA” em letras brancas e seis estrelas amarelas embaixo. Ao seu lado estão duas mulheres, companheiras de luta da ministra.
Ministra Cida Gonçalves em sua posse para o Ministério das Mulheres acompanhada de companheiras. Créditos: Hugo Barreto/Metrópoles.

Sob ataque desde o golpe de 2016, a agenda de direitos humanos recebeu especial atenção durante o governo de transição e durante as primeiras semanas do novo governo Lula. Questões de gênero, particularmente o direito das mulheres, foram separadas da pasta anteriormente conglomerada do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e a nomeação de Cida Gonçalves, militante e especialista na pauta com cerca de uma década de experiência, ilustra a importância que o novo Ministério das Mulheres possui na governabilidade da nova gestão.

A grande mudança de prioridades associadas à agenda traz consigo questionamentos sobre o que esperar das novas lideranças governamentais. Apesar das antigas experiências com governos do Partido dos Trabalhadores (PT), os últimos anos de contínuos ataques (algumas vezes institucionalizados) contra pautas e políticas de promoção de igualdade de gênero geraram numerosos novos desafios que precisam ser superados para que haja avanços na conquista de direitos das mulheres no Brasil. O que podemos esperar do novo governo, então, na pauta de direito das mulheres?

Primeiramente, é importante entender como a pauta de gênero foi gerida nos últimos anos. Apesar de não ter sido a única ministra da agenda durante o período, a liderança de Damares Alves marcou a questão das mulheres no Brasil com apelos ao conservadorismo familiar e à manutenção de papéis de gênero “tradicionais”. Enquanto discursos pela perpetuação de estereótipos de gênero podem parecer somente inflamatórios em sua superfície — “meninas vestem rosa, meninos vestem azul” -, eles também demonstram como a agenda da ex-ministra priorizava a conservação de papéis heteronormativos do núcleo familiar em relação à defesa do direito das mulheres como uma agenda política naturalmente progressiva.

Na prática, o foco ideológico tradicional dos últimos governos trouxe resultados extremamente negativos para as mulheres do Brasil: uma notável feminização da pobreza, uma desestruturação de políticas públicas anteriores para a proteção das mulheres, consideráveis cortes ao orçamento destinado ao combate à violência contra mulheres, aumento no número de estupros e recordes em feminicídios demonstram o perigo da instrumentalização da pasta por discursos conservadores. Os retrocessos nas políticas de direitos das mulheres trazem desafios para a transgressão da agenda no novo governo, mas também deixam claro os primeiros passos que a nova gestão precisa tomar para o avanço da pasta.

Panorama do perfil das mulheres brasileiras ao fim do governo Bolsonaro apresentado no Relatório Final do Gabinete de Transição, 2022.

O novo governo foi rápido em suas ações para tentar reverter o quanto antes os retrocessos dos últimos anos. Além de realizar leituras interdisciplinares para questões sociais, o Gabinete de Transição também trabalhou a agenda das mulheres de forma individualizada, destacando principalmente as pautas de violência de gênero — ilustrando a descontinuação de antigas políticas de Estado de combate à violência, tais como o programa “Mulher Viver Sem Violência” e o “Disque 180” — e vulnerabilidade econômica feminina — com um foco na insegurança alimentar e nas taxas de desemprego entre mulheres, assumindo um recorte importante de raça para caracterizar as violências perpetradas contra as mulheres nos últimos anos.

Panorama da continuidade de políticas públicas para as mulheres destacadas no Relatório Final do Gabinete de Transição, 2022.

Estes dois eixos temáticos continuaram recebendo foco após a posse do governo Lula, ilustrados na própria divisão do Ministério das Mulheres em Secretaria Executiva, Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, Secretaria Nacional de Autonomia Econômica, e Secretaria de Articulação Institucional, Ações Temáticas, e Participação Política. A própria nomeação de Cida Gonçalves como ministra também demonstra a importância dos temas para o governo; a ministra, como figura importante para a criação das políticas de combate à violência de gênero que foram desmanteladas durante o governo Bolsonaro, assumiu o cargo se comprometendo com a retomada destas e enfatizando a necessidade de investimentos em políticas públicas para sua pasta.

Discurso de posse de Cida Gonçalves como Ministra das Mulheres, 2023 (Fonte: Poder 360)

Uma outra perspectiva importante adotada tanto no governo de transição quanto na estrutura e na estratégia do novo Ministério das Mulheres é a interseccionalidade. Além da ênfase em recortes raciais — também ilustrados na aproximação das agendas do Ministério das Mulheres e do novo Ministério da Igualdade Racial -, a nova equipe enfatiza a importância da articulação de políticas públicas com outras instâncias e estruturas do Governo Federal — demonstrada na terceira secretaria temática do ministério.

A interseccionalidade em questões de gênero demonstra-se essencial nas articulações iniciais do novo ministério dentro da Esplanada: em preparação para o dia 8 de março, representantes do Ministério das Mulheres compartilharam reuniões e agendas com os ministérios da Saúde e da Justiça para promover novos programas conjuntos, além de promoverem encontros com organizações nacionais e internacionais para construção de agendas populares.

A construção participativa de agendas também aparece como um tema comum da nova organização do ministério, refletido desde suas principais lideranças. Com a ministra e as secretarias com diversas experiências em organização civil, sindical, e em militâncias, o novo ministério reflete bem a escolha de seu nome, “Ministério das Mulheres”, para expressar sua pluralidade.

“Será um ministério de todas, e com um norte muito bem definido. Faremos a defesa radical da garantia do direito de todas as mulheres desse país. (…) E o nome exatamente não é ‘Ministério das Políticas Públicas’, porque nós queremos ser igual o Ministério da Educação e da Saúde — é o Ministério das Mulheres . E ‘Mulheres’, porque nós somos diversas, diferentes, e nós somos várias mulheres no país” (Cida Gonçalves, em seu discurso de posse, 2023).

Apesar de sua pouca idade, o novo Ministério das Mulheres procurou delimitar com clareza suas estratégias iniciais para o governo: promover o combate a violência de gênero, articular políticas para a expansão da inclusão das mulheres na economia, promover programas interseccionais e intersetoriais de igualdade de gênero, e restabelecer uma agenda ministerial que priorize as mulheres como indivíduo e não como símbolo de proteção da ideologia familiar tradicional.

Enquanto continuamos na expectativa por mais orientações e diretrizes — que serão anunciadas no Dia Internacional das Mulheres — é importante também levantar a defesa de pautas de gêneros em outras políticas ministeriais além das lideradas pelo novo ministério a fim de expandir o debate de gênero para todas as esferas da sociedade brasileira.

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Isabela Coêlho
CARPAS

Internacionalista (UnB) e mestranda em Desenvolvimento Internacional (HUFS), feminista interseccional com a missão de decolonizar agendas de justiça climática